Várias pessoas iniciantes no colecionismo de obras de arte perguntam-me por que algumas se valorizam e outras não ou até desvalorizam. As causas são várias. Para responder com objetividade, vamos partir da premissa de que estamos falando de artista consagrado, talentoso, tenha em torno de 45/80 anos e é bem aceito no mercado de arte e em cujas obras é possível ocorrer um dos dois fenômenos econômicos.
Como em todo lugar no qual o capitalismo está inserido, também no caso de obras de arte prevalece a lei da oferta e da procura. É preciso que a produção do artista seja suficiente para atender a demanda do mercado. Sua produção deve ser na medida certa. O artista deve sentir quando seus trabalhos começam a ser oferecidos de forma excessiva em galerias e leilões e seus conteúdos começam a se repetir. Se ele não percebe, o mercado percebe. Se o artista pintou ou pinta muito e há oferta demasiada de seus trabalhos, a tendência é de suas peças se desvalorizarem, salvo aquelas obras-primas reproduzidas em livros ou que são de arrasadoras belezas ao primeiro olhar. Se pinta pouco, a dificuldade é que suas obras não se valorizem por falta de oferta. É assim com qualquer objeto no mundo capitalista. Ser um artista maduro na idade ajuda por que a vida artística tem vicissitudes avassaladoras e, se ele passou por elas e ainda pinta, significa que seu desejo é tão grande quanto sua obstinação em superar aquelas dificuldades. Viver profissionalmente da arte é andar sobre o fio da navalha todos os dias.
J. Vermeer (1632-1675) foi um artista barroco holandês e que pintou pouquíssimo, somente quarenta quadros na sua vida. Pelo menos essa é a quantidade fixada por especialistas em suas obras. Sua biografia é de uma tristeza sem fim. Teve vários filhos, viveu e morreu pobre deixando a viúva cheia de dívidas, que foram parcialmente pagas com os quadros deixados em seu ateliê. Passaram-se quase duzentos anos esquecido. Em 1866 um crítico de arte apresentou uma dissertação sobre seus trabalhos e, a partir daí, suas pinturas foram se valorizando. Há 39 de seus quadros conhecidos e presentes em museus e poucas coleções particulares. Existe, portanto, um deles desaparecido e que pode surgir a qualquer momento em uma velha casa na Holanda ou na Bélgica. Como ele não assinava seus quadros (apenas dois são assinados) sua última obra descoberta e colocada em leilão, ficou anos sendo examinada por especialistas até que foi considerada original dele. É uma peça de 21x17 cm vendido por 21 milhões de dólares.
E nem foi Vermeer o único a ser descoberto depois de morto. El Greco, na Espanha, também ficou duzentos anos desconhecido. A escola surrealista o redescobriu, o imitou e ele se valorizou demais.
Casos como o de Vermeer e de El Greco ainda ocorrem, mas são raros sobretudo nos dias de hoje quando pintores em geral produzem muito. Há casos de pintores e suas famílias que retêm boa parte de suas produções para evitar empréstimos de colecionadores ou galerias no caso de uma exposição retrospectiva no futuro, se lixando pro mercado.
Quando o artista morre, com frequência, quadros de grande beleza somem do mercado por que os colecionadores os seguram esperando outra oportunidade para vendê-los, ou a própria família guarda o que tem e até compra de volta o que é oferecido. Belezas avassaladoras não são encontradas em quem pinta demais. Nenhum artista se levanta pela manhã e declara para si mesmo “hoje vou pintar uma obra-prima”. Isso não existe. Obras-primas ficam prontas sem que o artista perceba e com frequência somente são reconhecidas anos depois de produzida, vendidas inicialmente com preço habitual do artista.
O passar dos anos faz todos nós envelhecermos e isso não é diferente com os artistas. Com a velhice surgem as dificuldades psicomotoras que fazem a mão insegura e as linhas dos desenhos surgirem trêmulos, irregulares, prejudicando comercialmente a fase boa da juventude quando tudo era de alta qualidade. Os artistas que vivem menos têm a vantagem de deixar um acervo menor e de beleza incomparável, sem nada de baixa qualidade. Aqueles que têm longevidade maior e que produzem bastante podem deixar um legado de peças de baixa qualidade, misturada com aquelas da juventude, baixando o preço do conjunto. Qualquer das duas opções afeta o mercado. Infelizmente para os primeiros, quem se aproveita da valorização são os colecionadores. Ressalta-se aqui o fato de não haver uma idade certa para que o artista devesse parar a sua produção. Isso depende de cada pintor e como ele viveu sua vida pessoal. Picasso produziu até poucos dias antes de seu falecimento e tudo era bom.
A política está em todo lugar, inclusive na arte e no seu mercado. Ser de esquerda ajuda e muito o artista para ser escolhido em premiações diferentes e alcançar bom preço no mercado. O Partido Comunista Brasileiro, por exemplo, nunca apoiou artistas sem talento, mas as premiações nacionais e internacionais eram sempre destinadas a pintores de esquerda e passavam por ele. Isso ocorria por que a maioria dos intelectuais estava no Partidão e eram eles a integrar os juris de premiação. No passado, nenhum dos jurados premiava algum pintor descaradamente de direita. Se o leitor for paciente pode verificar nas listas dos premiados anualmente as ausências de artistas importantes e que não ganharam prêmio algum nos anos 1930 em diante até 2000. Se pesquisar a biografia dos ausentes, vai descobrir que eram todos de direita.
Por incrível que pareça, é possível que a religião praticada pelo artista influa no seu preço, fazendo-o cair. Emerick Marcier era judeu e se converteu ao catolicismo romano, pintando temas do Novo Testamento. A comunidade judaica não o perdoou por isso e nem compra seus trabalhos. Assim, seus preços hoje estão longe, muito longe da altíssima qualidade de sua pintura.
E há por fim mais três causas de valorização ou desvalorização. A primeira é própria da vontade do mercado de arte que constrói e destrói alguns pintores sem que eles percebam. As novas gerações de colecionadores vão surgindo e são eles quem escolherão os pintores de suas próprias gerações, vão determinar “a moda”, beneficiando alguns em detrimento de outros, mesmo que estes sejam mais talentosos que aqueles. A segunda é determinada por decoradores que escolhem os quadros para seus clientes. Como há decoradores e há decoradores, é possível que alguém sem talento ganhe uma montanha de dinheiro por indicação deles e há casos que os mesmos decoradores escolham artistas primorosos e façam seus preços subirem pela nova procura em mercado tão disputado. Por último, um marchand que conhece um ou outro artista talentoso a um simples olhar e acredita nele, fará um belo trabalho de venda e de valorização que seriam impossíveis sem ele.
Se o leitor pretende formar uma coleção, este escriba recomenda que compre aquelas obras que cantem canções de amor no seu coração. Aquelas que o deixem apaixonado e que ninguém se cansará de vê-las todos os dias.