Em 1948 a consciência política-intelectual nacional estava quase toda no partidão. Era grande a pressão para que artistas que despontavam entrassem para a esquerda. Pesquisando, vamos descobrir a importância da recomendação política nos prêmios nacionais. Como a esquerda nunca apoiou gente sem talento, artistas e pintores precisavam dele e da benevolência dos intelectuais para crescer, ser reconhecidos, valorizados e premiados. Alguns poucos intelectuais ousavam ser de direita. Quem o fosse era considerado um canalha. E habitualmente era.

Pois foi nesse ambiente que o embaixador Josias Leão apresentou Inimá de Paula a Portinari, um artista engajado na esquerda. Este o endossou e avaliou em 1948, na hoje célebre exposição do Instituto de Arquitetos do Rio, apresentando-o ao cenário intelectual brasileiro. Inimá tinha trinta anos de idade e a confiança de Portinari foi o que ele precisou para se acreditar e ser acreditado como pintor. “Só a partir daquela exposição e da garantia pública de Portinari me acreditei como pintor e artista e senti que podia viver de pintura”.

Fez mais que isso. Passou a escrever sua própria história. Entrou e saiu do Partido Comunista, foi premiado, viajou pelo Brasil e para Paris, fez amigos do porte de Bandeira, Aldemir, Shiró, Guignard, Kaminagai, Portinari, Di, Severini e Lhote, para citar apenas os colegas de paleta. Fez uma trajetória de artista que sempre executou uma pintura imune ao tempo.

Em 1968 a Galeria Guignard, então dirigida por um guerreiro cultural chamado Sálvio de Oliveira, e Inimá promoveram a mais bela exposição de pinturas já realizada em Belo Horizonte até esse momento. Compete com ela, em beleza, apenas a Retrospectiva de Vicente de Abreu, organizada por Ângela Gutierrez quando secretária de Cultura de Minas e realizada no Palácio das Artes. A exposição de Inimá naquela galeria não foi um sucesso. A discreta venda foi sendo feita ao longo dos anos seguintes, e a marinha reproduzida na capa do seu catálogo foi vendida somente em junho de 1972. O Casarão Vermelho, uma obra-prima arrasadora, não vendido, foi presenteado por Inimá a uma família de amigos conterrâneos que o vendeu anos depois a Renato Sampaio, seu biógrafo.

Hoje que o tempo permite uma leitura sem emoção desse evento, a única explicação para a falta de sucesso imediato foi a perplexidade que aquelas cores exacerbadas e exuberantes causaram. Elas e os traços seguros e espontâneos fazem de cada quadro dessa exposição, hoje, uma iconografia de sua pintura.

Em 1968 não era apenas Belo Horizonte que estava perplexa. Todas as seqüelas de 64 foram fixadas nesse ano. As esperanças de uma geração se dissolviam a cada momento. O País inteiro estava perplexo.

Pode-se imaginar que Inimá teve aí o mesmo sentimento de Vermeer, Van Gogh, Ismael Nery e tantos outros que não foram compreendidos em sua própria época. “Il faut être de son temps”, lamentava Manet quando sentia que era incompreendido. Nada mais triste para o artista que não é contemporâneo de si mesmo, condição inexorável para ser reconhecido e valorizado. Estando à frente de uma geração, não compreende não ser compreendido.

É costume brasileiro, e de Minas em particular, tratar mal seus filhos ilustres e empreendedores. Inimá foi uma feliz exceção. Apesar disso, é muito possível que nossa geração ainda não tenha se dado conta da sua dimensão na vida intelectual brasileira. Essa consagração maior virá com o tempo, que inclui e valoriza o que é bom e rechaça aquilo que é apenas fruto do desejo das entranhas do mercado de arte.

Em 2000 fez um ano que morreu esse artista consagrado ao longo de mais de oitenta anos de vida e mais de sessenta dedicados ao que ele mais amou, a pintura. Sabia tudo dela. Sabia também da força e da importância da pintura de Guignard, mas nunca se deixou influenciar por ela. Influenciou-se por um tempo apenas pelos dois mestres que teve em vida: Portinari e Lhote. Nunca foi seduzido por modismos em pintura. Ele sabia que moda em arte é a própria máscara da morte, por isso fazia sua pintura de cavalete de sempre. E que pintura! Ia do tachismo ao retrato e auto-retrato, da natureza-morta ao paisagismo com a espontaneidade reservada aos que têm a dádiva de Deus.

Ao morrer em 1999, tornou-se imortal pela bagagem de mais de três mil quadros cujo conteúdo regional brasileiro faz dele um pintor internacional. Morreu consagrado como o maior paisagista desse final de século.

Sua última exposição ocorreu em 1º junho de 1999, na Casa da Fazenda do Morumbi, quando foi condecorado pelo governo do Estado de São Paulo. Já doente, o mestre não compareceu. Mas compareceu e viveu a alegria intensa da exposição comemorativa de seus oitenta anos de idade no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio, em dezembro de 98, organizada pelos futuros integrantes da fundação que leva seu nome. Foram oitenta quadros expostos e mais de oitocentos espectadores apenas na noite de abertura, a admirar uma exposição que não tinha nenhuma preocupação didática; queria apenas mostrar a grandeza e o talento definitivos de um artista na sua maioridade intelectual. Apesar de doente nos últimos meses de vida, produzia uma pintura de uma vitalidade desconcertante. É assim seu último auto-retrato e era assim que seus amigos o viam: cheio de vida e cores num corpo marcado pelo tempo. 

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