Quem conhece a Frick Collection em plena Quinta Avenida em New York sabe que é constituídas de belos Rembrandt, Ticiano, Rafael, Mantegna, um precioso Vermeer e mais dezenas de obras-primas da pintura clássica. Sabe também que, dos pintores modernos, um único Van Gogh, um jardim em flor, faz parte da coleção. Quando se pergunta a algum funcionário o motivo de suas ausências, a explicação é uma só: “Mr. Frick não gostava deles”. É possível que este Van Gogh tenha sido uma das poucas peças desta pinacoteca que não tenha passado pelas mãos de um importante marchand chamado Duveen, indicador para dezenas de milionários americanos, do que era bom e deveria ser comprado. Se o Van Gogh ali existente foi escolha do Sr. Frick – e não há nenhuma informação que ele tenha passado por Duveen - parabéns a ele pelo seu bom gosto. Deveria ter seguido seu próprio instinto, abandonado parcialmente as indicações do célebre marchand e penetrado mais no terreno dos modernos que aquele galerista detestava. É constrangedora, na coleção Frick, a ausência de telas a partir do impressionismo.
Com a publicação do livro de S. N. Behrman Duveen O marchand das vaidades entende-se o motivo da falta de artistas a partir daquela escola nesta e em tantas outras coleções americanas famosas. Joseph Duveen foi um comerciante de quadros e objetos de arte com galerias em New York, Londres e Paris durante dezenas de anos, e até 1939, fazia a cabeça de americanos riquíssimos e desconhecedores de arte e pintura. Foi um esperto e inteligente marchand e tornou-se uma pessoa tão importante no seu tempo que cada peça passada em suas mãos tornava-se sinônimo de requinte e bom gosto e daí em diante era conhecida como “um Duveen”. O livro (Ed. Bei, 2002) conta a trajetória deste comerciante possuidor de extraordinário “feeling” quando defronte de uma obra-prima. Editado com 52 anos de atraso em relação ao original americano e, com certeza, aproveitando o grande número de novos colecionadores e galeristas no Brasil, chega nos informando como se construíram as pinacotecas dos Srs. Frick, J.P. Morgan, Mellon e de outros yankees que legaram seus acervos particulares para museus americanos. O livro não explica por que o Sr. Duveen tinha horror dos pintores modernos ou porque ele não percebeu que, no futuro, eles valeriam tanto dinheiro quanto os Rembrandt e Rafael que ele não cansava de negociar.
Se algum cliente de suas galerias comprasse uma tela moderna, ele a recompraria do próprio cliente por um preço maior que este havia pagado, apenas para que aquele não a visse diariamente e “não se acostumasse com a pintura moderna”. Ele próprio a manteria no sótão de suas galerias, bem longe de seus próprios olhos. O medo dele era que seus clientes apurassem o olhar e passassem a ver e sentir o que os olhos dele não conseguiam. O literal negócio do Sr. Duveen era garimpar obras-primas clássicas nas coleções européias e colocá-las à disposição de americanos, convencendo-os a adquiri-las numa época em que um milhão de dólares era uma montanha de dinheiro capaz de comprar uma coleção inteira de preciosidades inimagináveis nos dias de hoje. Acertou no que era já consagrado e errou ao negar o valor dos pintores das novas escolas. Apesar dr Duveen ter falecido em 1939, quatro meses antes de iniciar uma guerra que ele imaginava não ocorrer, não há uma única citação de interesse dele por Cézanne, Monet ou por um pintor revolucionário, mais que consagrado em 1939, chamado Pablo Picasso e cuja importância naquele momento e no futuro, Duveen não percebeu. Como o livro mede a qualidade de suas indicações pelo tanto que cada quadro foi valorizado comercialmente, registre-se que por um valor muito inferior ao que ele vendia um Rembrandt, poder-se-ia comprar vários de Picasso ou de Braque. Hoje todos eles são valiosos, mas o retorno do investimento teria sido centenas, talvez milhares de vezes maior, em comparação com aqueles valores investidos no que ele indicou.
Duveen agiu assim por que ele acreditava no que fazia e se interessava sobretudo pela sua comissão. Naquela época, comprar um Picasso por um valor irrisório, não lhe renderia nada. Duveen foi um homem do seu tempo a olhar para os artistas consagrados há séculos. Nunca pretendeu e nem tinha interesse em ser profeta da arte.
Quem depende de indicação de marchands para formar uma coleção sabe que eles dão preferência para aqueles pintores com os quais ganham mais em detrimento de outros que, melhores, oferecem menores comissões ou não fazem concessão a galerias; afirmação que a maioria deles negará. Por esta razão muitas coleções particulares pelo mundo afora são formadas com ausências incompreensíveis depois que o tempo cuidou de separar e consagrar o bom, do comercial. Mas não se imagine que os marchands, por isso, sejam pouco importantes. São muito importantes e para cada um, preocupado apenas com o seu ganho, há vários outros despertadores de interesse e sensibilidade em novos colecionadores que compreendem a importância do requinte de suas vidas quando acompanhadas de arte. Registre-se que sem Duveen não haveria a Frick Collection nem a National Galery of Art de Washington com seu fabuloso acervo e mais todos os adjetivos necessários para descrever tanta grandiosidade e beleza.
É possível que, de seu lugar no paraíso, Mr. Joseph Duveen ou Conde de Millbank, tenha torcido o nariz pela forma apenas comercial como é biografado, reclamado da ausência de se mencionar o seu conhecimento, o seu bom gosto e a sua cultura, segurado o volume nas mãos e exclamado: “não é um Duveen!”. Apesar disso e do lançamento anacrônico, a leitura é obrigatória para quem se interessa em conhecer uma vida fascinante e tem interesse por arte.