Se o leitor já esteve em algum pátio de hospital psiquiátrico, por certo, foi visitar um amigo ou parente ou por que é profissional da psicopatologia. Se sua visita foi do primeiro caso, parabéns pelo amigo que é a visitar aquele companheiro que agora é quase irreconhecível, tão grandes foram as modificações processadas física, mental e afetivamente a cada crise dele. Parabéns também para aquele interno que tem um amigo como o visitante, esperançoso de vê-lo de volta como era antes deste triste episódio de internação. A tristeza, a desesperança e o nível de degradação que o ser humano em crise psiquiátrica chega é tão avassalador que é de descreditar em Deus ou pergunta-Lhe por que deixa as pessoas se transformarem e se desumanizar tanto.
Este parágrafo é a propósito de uma reunião de amigos artistas e críticos de arte que imaginam ser a loucura um potencial artístico para o doente. Para se assegurarem dessa assertiva, citam sempre Van Gogh, um gênio criativo e doente mental. Infelizmente, o que imaginam não é verdade. São raríssimos os exemplos ao longo da história de pessoas com diagnóstico dessa natureza e que deixaram um legado artístico ímpar. Há alguns, mas poucos casos: Caravaggio era sociopata e criminoso, mas brilhante pintor; Van Gogh, com diagnóstico misterioso até hoje e o esquizofrênico Artur Bispo do Rosário, um gênio criativo, são exceções sempre lembradas. Sou injusto quando não me lembro de outros, mas asseguro aos leitores que não são muitos, em especial se compararmos com a quantidade de internos. Não podemos correr o risco de romantizar a doença mental, como se ela fosse handicap para que seus portadores se tornassem artistas. Se isso fosse verdade, cada hospital psiquiátrico seria uma escola de belas artes, o que, definitivamente, não ocorre. Se essa inversão fosse verdadeira, seria uma justa recompensa de Deus aos infelizes internos do lugar.
Asseguram-me que O Museu do Inconsciente, da Dra. Nise Silveira, tem mais de 300 mil peças no seu acervo. Não as conheço, mas é possível que nem 0,01% delas sejam obras de arte. Elas foram propostas por ela e pelos médicos plantonistas como exercícios catárticos, por que é difícil preencher o dia do interno. Por certo, aqueles trabalhos ajudaram como ajudam hoje em qualquer outra instituição psiquiátrica, a aliviar sintomas, tensões e desespero dentro do hospital e, às vezes, causam alívio psíquico. Nada mais que isso. Elas não mudam diagnósticos e nem os transformam em artistas. Além disso, o que se sabe sobre o funcionamento do psiquismo humano é muito pouco. O que temos são postulados propostos por Freud, que criou dois sem renunciar a nenhum deles e outro por Lacan. São postulados bem elaborados e com os quais os profissionais da área trabalham, mas, repito, são postulados.
Proust foi colunista social e escreveu “A Procura do Tempo Perdido” e A. Lincoln era lenhador e foi presidente dos Estados Unidos. Imaginar que vamos encontrar novo colunista social a publicar nova obra-prima ou que outro lenhador será presidente da América do Norte é o mesmo que achar que em hospital psiquiátrico vamos encontrar novo Van Gogh ou novo Artur Bispo.