Nos últimos meses, marchands-des-tableaux e colecionadores têm visto leilões de arte em quantidade exuberante pelo Brasil afora. Nestes primeiros meses de 2020 mais de três mil peças foram oferecidas pelo melhor lance somente no triângulo RJ-SP-BH. Pela boa qualidade de muitos desses lotes e os baixos preços, a crise chegou para alguns amantes da arte que se sentem obrigados a dispor de obras que, em outras circunstâncias, não o fariam. Os preços caíram e muitos artistas viram seus trabalhos ser arrematados por preços abaixo da linha de suas próprias tabelas. Algumas obras de artistas já falecidos e de alta qualidade, têm sido misteriosamente oferecidas duplamente muito caras ou muito baratas, casos como Di Cavalcanti, Aldo Bonadei, Gomide ou Guignard. Afora a crise econômica e deste maldito virús, os preços caíram por que a oferta foi muito maior que a procura.
Além disso, há perigosas e centenas de ofertas que beiram casos de polícia, tamanha é a cara de pau de certas casas de leilão a oferecer trabalhos a literais preços de banana, todos descaradamente falsos. O leitor, sabendo que um “vaso de flores”, óleo sobre tela de Bonadei, está à venda na Cristhie´s de New York por cinquenta mil dólares, compraria um do mesmo autor e com o mesmo tema, do mesmo tamanho por cento e oitenta reais? Pois este está à venda para o primeiro ingênuo que acredita em milagres no mercado de arte.
É difícil imaginar que no Brasil haja um Caravaggio (1571-1610) em leilão, mas recebi e-mail anunciando uma pintura dele ocorrido no final de ano passado, cujo preço estava “sob consulta”. Se for autêntico, é quadro para milhões de dólares e pode ser comprado até por museus americanos ou europeus. Mas atenção, não basta ser um belo retrato com fundo preto e com cara de pintura do século 17 para ser um Caravaggio. Por último, ofereceram-me um óleo de Raimundo de Oliveira (1930-1966), datado de 1971. Parece piada. Não era.
Conheço colecionador milionário e cheio de coisas boas nas paredes do apartamento, que lê as notícias de vendas de outros artistas pela Europa, Hong Kong e Estados Unidos e lamenta “ser tão pobre”. Exageros à parte, o rico colecionador se refere à venda, por exemplo, de uma escultura, que ele jamais compraria, de Hitler ajoelhado, de autoria de Maurizio Cattelan, polêmico artista italiano, vendida por US$ 17,2 milhões. Seu preço inicial era de US$ 10 milhões, mas ele foi crescendo na mesma medida que cinco colecionadores competiam quem daria o último lance. Em dezembro de 2019, um óleo de Picasso foi vendido por US$ 179,3 milhões e um de Modigliani por US$ 170,4 milhões. Picasso, todos conhecem. Modigliani foi um infeliz pintor não contemporâneo de si mesmo, por isso não foi reconhecido em seu tempo, morreu jovem demais, pobre demais, deprimido demais e com a cabeça cheia de absinto de tanta angústia e incompreensão.
Diante de valores como esses, investidos em arte e apenas em dois quadros, é difícil não se sentir pobre, assertiva que deixará o leitor perplexo com tanta cabotinice desse autor. Mas quando se fala em arte, fala-se no nível de desejo e não é possível comparar qualquer coisa quando alguém se encontra no nível da necessidade, como a maioria dos brasileiros. De qualquer forma, arte brasileira sempre foi barata e estão aí, ainda vivos, os vários mineiros de Belo Horizonte que não compraram nada de Guignard e hoje lamentam as oportunidades perdidas. Não reconheceram a grandeza do adorável senhor de voz fanhosa que insistia em vender seus trabalhos argumentando “compre, é muito bonito”. Há ainda o inverso disso. Nos anos 1930, 1940 um trabalho de Oswaldo Teixeira custava o preço de dois quadros de Portinari.
Portanto, quem deseja formar uma pinacoteca de modernistas brasileiros ou contemporâneos, é preciso desenvolver o olhar, se informar sobre os artistas, ouvir e acreditar em colecionadores amigos e marchands mais experientes que aceitam orientar os neófitos em arte, estar de olho nos leilões e aproveitar o momento. Arte nunca esteve tão barata neste primeiro semestre de 2020.