Comemorou-se no dia 26 de fevereiro de 2016 , cento e vinte anos do nascimento de Alberto da Veiga Guignard (1896-1962), celebração a comprovar sua imortalidade pelo legado pictórico deixado de herança para um país que trata mal seus filhos ilustres e talentosos. Guignard foi pintor e artista e, em uma de suas cartas dirigida aum admirador interessado nos seus trabalhos, deixou registrado que se sentia incompreendido e que "seria reconhecido somente cem anos após sua morte", portanto em 2062. Guignard era consciente de seu valor artístico, mas jamais imaginou que seria louvado logo após seu falecimento, aos 66 anos de idade. De complicações cardiorrespiratórias, alcoolismo e angústia de uma existência causada pelo defeito congênito do lábio leporino.
Suas obras são tão boas e tão importantes que podemos fazer uma analogia entre ele e alguns compositores, autores de sinfonias e prelúdios tão lindos quanto suas pinturas. Se o leitor duvida, experimente ouvir Bachiana n.5, de Villa-Lobos, diante de uma de suas paisagens ou a Pastoral, de Beethoveen, ou ainda Clair de Lune, de Debussy. A semelhança de imortalidade das peças é constatada por qualquer pessoa que já desenvolveu seus ouvidos e seus olhos diante de obras-primas. Como Guignard e Ouro Preto mantinham uma paixão mútua, experimente também entrar na velha cidade ouvindo Canon, de Pachelbel. Verá então o Barroco na sua plenitude e será difícil desassociar esse concerto das paisagens da cidade pintada por ele.
Sua paixão arrebatadora por Vila Rica começou quando ele a viu pela primeira vez. Ela era aquela musa que ele sempre procurou e que, finalmente, havia encontrado. O sentimento dele foi o mesmo quando se procura e se encontra a pessoa amada. Suas curvas ,ruas, casas antigas e preservadas do Brasil colonial e a neblina matinal com a transparência deixando surgir apenas o alto de sua igrejas e as nuvens no horizonte o fizeram apaixonar-se por ela de imediato. Como uma mulher amada, Vila Rica trazia uma áurea, uma luminosidade vindas das montanhas que a cercam e que funcionam como um rebatedor fotográfico, convidando-o para trazer seu cavalete, pincéis e cores, pronta para que ele produzisse uma obra imortal entre dois seres que se amam.
E ele, compreendendo o recado de sua amada, transmitia-lhe o mesmo amor que sentia pelas matizes e que, adicionada às linhas, produziu dezenas de paisagens, todos como o retrato da amada. Os dois faziam um retrato recatado. Ela expunha sua beleza de uma mulher iluminada durante o dia, vestida para o público com a luminosidade de todo o ano, mas sempre mais intensa nas arrefecidas manhãs de inverno, com o recato próprio de uma senhora de 300 anos de idade. Pela manhã, ele se levantava mais cedo e, do alto de seus morros, registrava nas telas sua beleza entre as neblinas que muito devagar iam se diluindo, expondo só para ele suas cenas mais belas. Aí ele produzia as paisagens hoje conhecidas como "imaginárias". Mas elas não são imaginárias. Elas estão lá ainda hoje, aguardando a visita do leitor para mostrar-lhe a beleza do que seu amado viu.
Há ainda os retratos, " a arte mais difícil", de amigos, admiradores e alunos e outros encomendados. Em todos ele, ele não se esquecia dela, deixando uma marca de uma de suas casas e igrejas ou valões de festas de são-joão, mesmo quando diante de outro belos modelos. Em alguns de seus autorretratos, fazia questão de coloca-la junto de si, como dois amantes cujo amor é eterno.
Celebramos neste fevereiro os 120 anos de seu nascimento, com a alegria de nos lembrarmos de alguém que veio para ficar, imortalizado nas suas pinturas e desenhos. Ela, a velha senhora chamada Vila Rica, continua no mesmo lugar, com a mesma beleza e com o mesmo recato, respeitando a lembrança e a saudade daquele que a amou e foi amado. .