Carlos Perktold (*)

Há dias encontrei-me com secretária de uma galeria de arte, cujo trabalho é lidar com pinturas, desenhos, esculturas, lito e xilogravuras há dez anos. Perguntei-lhe se neste período ela havia aprendido a diferençar a qualidade das pinturas entregues na galeria e nos leilões patrocinados pelo seu chefe. “Aprendi muito com ele, mas demora demais pra gente desenvolver o próprio olhar e conhecer o que é arte e o que é apenas pintura”. Corretíssima sua assertiva. Nascemos com potencial para desenvolver todos os sentidos. Fazemos isso com o paladar que, de um delicioso pirulito açucarado na infância, terminamos por apreciar um bom vinho na vida adulta. Fazemos isso também com a audição, que começa nas músicas que o leitor gosta mais e, mais tarde, entende porque Mahler, Bach e Beethoven são imortais.

Com o olhar não é diferente. O colecionador neófito em arte não deve imaginar que vendo um ou dois quadros periodicamente é capaz de definir o que é obra-prima ou não. A tarefa é em longo prazo, mas é prazeroso como poucas coisas na vida. Depois de algum tempo exercitando o olhar, o novo colecionador sentirá a beleza de algumas peças em detrimento de outras que não são tão belas. Durante esse exercício, o crescente interesse intelectual pela arte é fundamental para que se enraíze o desejo. Ler ou folhear livros de arte, frequentar leilões e galerias de arte, museus e exposições são indicações para um caminho apaixonante.

Nesta nova estrada o leitor notará que aumentou sua sensibilidade e se apaixonou pela arte e até aprendeu a não saber viver sem ela. A sensibilidade pessoal vai deixar rastros, registros, traços na memória que, com o passar dos anos, fará o interessado se lembrar de alguns quadros que ficaram gravados na lembrança afetiva e, ao se recordar deles, verá também a chance que perdeu em não adquiri-los. “Aquele era um bom quadro que deixei passar”.

O leitor que inicia sua coleção deve pautar por aceitar conselhos de pessoas mais experientes, aquelas que depois de frequentar durante anos museus, galerias e leilões, já têm o olhar desenvolvido e se dispõe a mediar as compras do amigo. É possível que em determinados momentos o conselheiro dê opiniões que o novato não concorde. Não se deixe levar pela sua inexperiência em contraponto à perícia dele. Aceite o conselho, sobretudo se vem sem interesse comercial. Com frequência vejo compradores em leilão encherem a sacola de peças de valor artístico baixo apenas para cobrir paredes. Compre um quadro por ano, mas “o quadro”. Arte no Brasil ainda é muito barata e com o crescimento do país, isso não durará muito. Novos colecionadores de bom gosto e ricos vão se aproveitar da ocasião.

Registre-se ainda e sempre que em toda boa arte há um mistério indecifrável. O Canal Arte 1 do dia 12/7/22 apresentou um programa a mostrar vários segredos em quadros de Almeida Junior, em especial “O Descanso da Modelo”, uma obra prima ímpar no qual aparece haver um diálogo com o artista e a mulher que, ao piano, descansa depois de horas posando. De que falaram? Quem era ela, que aparece apenas de meio perfil? Que relacionamento afetivo havia entre os dois para que surgisse a obra prima?

Foi apresentado ainda outro deslumbrante óleo sobre tela na qual a modelo, esboçada nua na tela do cavalete, mas vestida e cheia de recato após alguém bater na porta do atelier e ela quase pronta para se retirar também está cheio de mistérios se considerarmos a biografia do pintor com Maria Laura do Amaral Gurgel. A modelo é Maria Laura? Quem não era esperado e surgiu no meio da sessão? Por que ela se preocupa em não aparecer para a visita? Que perigo corriam os dois adultos surpreendidos para existir tanto medo e angustia na tela? É um momento de adultério? Almeida Junior teve um caso amoroso com Laura antes de se casar com o primo do pintor, paixão que perdurou depois da casada e por anos até que o marido descobriu o affaire por intermédio de cartas amorosas escritas pelo artista. O marido se separou da mulher dois dias depois, esperou pelo pintor onde ele estava hospedado e o esfaqueou em uma “lavagem de sangue” como era costume na época. Almeida Junior morreu com 49 anos deixando um legado imortal.

Não é mandatório conhecer a biografia do artista para saber sobre os eventuais mistérios de seus quadros, mas é algo que ajuda para compreender alguns conteúdos. É o olhar desenvolvido que descobrirá, primeiro que há um mistério. Quadro que diz tudo ao espectador é tão ruim quando um texto que não deixa nada para o leitor concluir. Em seguida há o interesse, a curiosidade e um chamamento internos que levarão o novo colecionador a tentar desvendar algum segredo. É inútil achar que o encontrará e o resolverá, mas é um novo fascínio a cada mirada. Essa não é a única, mas é uma das razões que faz o colecionador apaixonado nunca fechar sua pinacoteca. Há sempre novos mistérios em óleo sobre tela.

8/julho/22

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