Na noite do próximo dia 26 de maio de 2011, no auditório do SESC São Paulo, Miguel Gontijo receberá o “Prêmio Mário Pedrosa”, concedido ao artista brasileiro que apresentou trabalhos com a mais contemporânea das linguagens artísticas de 2010.
Mário Xavier de Andrade Pedrosa, personagem ímpar de nossa cultura e que dá nome ao prêmio, nasceu em Pernambuco em 1900 e faleceu em São Paulo em 1981. Durante sua vida foi, intelectualmente, ativista dos movimentos artísticos e políticos do país, sendo um dos fundadores do PT em 1980. Marxista-Trotskista, expulso do Partidão em 1929, viveu o suficiente para sentir o paladar da vitória de saber que sua escolha política havia sido a mais acertada quando o tempo, esse senhor da verdade, expôs os horrores e assassinatos praticados por Stalin e denunciados por Kruschev em 1956.
Mário Pedrosa foi muito mais que um brilhante intelectual de esquerda, admirado pela maioria de seus contemporâneos e odiado pelos stalinistas. Ele foi o curador da Segunda Bienal de São Paulo em 1953, a mais importante de todas, quando, com seu prestígio, trouxe para a capital dos paulistas o célebre painel “Guernica” de Picasso, hoje acervo do Museu Rainha Sofia de Madrid e patrimônio nacional espanhol, de onde não sai mais, além de obras de Mondrian, Paul Klee, Calder, Munch, Duchamp e Juan Gris. Pois foi com esse curriculum, tão ameaçador aos militares de 1964, que Mário se exilou no Chile durante os anos da ditadura brasileira. Sorte dos chilenos. Ali ele criou o Museu da Solidariedade Salvador Allende, com acervo de mais de cinco mil obras dos mais importantes artistas do século 20, todas doadas com a generosidade dos autores e com o prestígio intelectual e artístico de Pedrosa. Quem há hoje no Brasil com influência e brilhantismo para realizar o que Mário Pedrosa fez pelo nosso país em 1953 ou para o Chile durante seu exílio? Pedrosa foi ainda Vice-Presidente da Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA) entre 1957-1970, hoje um órgão da Unesco; foi presidente da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA) em 1962, amante do modernismo, apaixonado pela pintura abstrata, fundador do movimento concretista, diretor do Museu de Arte Moderna de São Paulo e um dos fundadores do MAM-RJ. A sua biografia é a de que todo candidato a militante e intelectual gostaria de ter.
Mário Pedrosa, merecidamente, transformou-se em nome de prêmio na ABCA para o artista de linguagem contemporânea que tenha se despontado no ano anterior da sua entrega. O processo para recebê-lo começa com a indicação dos seus integrantes para este e mais nove categorias de prêmios. Em assembléia geral, são selecionados três nomes mais indicados e esta lista tríplice é submetida à votação pelos associados. Esses eleitores são professores doutores de história da arte, com tese defendida na França, Estados Unidos, Espanha, Brasil, Portugal e mestres com dissertações nestes e em outros paises. São também artistas, colecionadores, curadores e jornalistas especializados.
Este ano, Miguel Gontijo foi incluído na lista do “Prêmio Mário Pedrosa” e recebeu a maioria dos votos. Nada mais merecido. Se Mário Pedrosa estivesse vivo, o aplaudiria com o mesmo entusiasmo que, por certo, ele o será no dia 26 de maio. Talento e multiplicidades de obras que vão da pintura com o mais completo esmero requerido por quem conhece e sabe o que é composição com equilíbrio, ritmo, tensão e número de ouro, sem jamais cair no academicismo, passando por instigantes objetos e chegando ao mais primoroso dos desenhos, todas são peças criadas por um gênio nascido em Santo Antonio do Monte, pequena cidade do interior de Minas, que executa obra universal. Parte de seus trabalhos foi objeto de exposição com amplo sucesso de público na Fundação Clóvis Salgado (Palácio das Artes) em 2010, quando também foi lançado seu livro patrocinado pela V&M Tubes, pela Lei Rouanet, com mais de 500 reproduções de seus trabalhos.
Para não ficar longe do que hoje é considerado fashion, Miguel produz objetos intrigantes de causar perplexidade ao mais experiente conhecedor de arte. Dois deles merecem ser citados, ambos expostos na Sala Alberto da Veiga Guignard na citada exposição. O primeiro é um copo de estanho que recebeu de ponta-cabeça os tipos de impressão da velha máquina de escrever e o titulo de “Buquê de Intelectual”; o segundo é a desconstrução de um delicado par de óculos, invertê-los na nova construção de forma a virar uma frágil tesoura e chamá-lo de “Tesoura de Cortar Sutilezas”. As duas esculturas despertam um lirismo no espectador sensível que as admiram também com certo incomodo pelo inusitado e pela engraçada clareza exposta. Mas como certas piadas impressas que, sem o célebre “sem palavras” abaixo do desenho não são compreendidas, suas esculturas despertam encantamentos no espectador quando lê os títulos, compreende a linguagem do autor, acham-nas lindas e riem de alegria. Há ainda as pequenas esculturas construídas com palito de picolé, impensável instrumento artístico que, juntos e às centenas, se transformam em objeto de arte.
Em um mundo no qual há necessidade do marketing do megafone e uma corte enorme de súditos para louvar e enaltecer o artista para ele ser (re)conhecido, é possível que o leitor que não visitou sua citada exposição, não tenha sequer ouvido falar dele, tão discreta é sua forma de se apresentar pessoalmente, atitude estendida a sua obra. Seus marqueteiros são sua própria e excelente produção, mas pouca para quem precisa se projetar fora de nossas montanhas. Estas deveriam ser pontos de acesso para que o artista veja e seja visto de mais longe e não como refúgio de gente brilhante, mas tímida.
Como se deve sempre desconfiar daquilo que nos agrada à primeira vista, suas pinturas têm a vantagem de leitura difícil ao espectador neófito. Elas devem ser miradas e lidas como se fossem poemas bem escritos e ritmados, daqueles que lemos em voz alta lançando as palavras nas paredes de um living e elas voltam nos acariciando, exigindo do espectador apenas atenção e sensibilidade. Seus trabalhos têm a dimensão de um mundo novo e original, temperado com o talento reservado àqueles portadores do gift of God. Se ele é, junto com outros colegas de paleta, injustamente pouco conhecido em Minas Gerais e no Brasil, sua pintura já é admirada na Bélgica, França, Alemanha e outros países europeus, depois que o artista belga Michael Borremann o entrevistou em filme no qual estão, além de Miguel Gontijo, o arquiteto Gustavo Pena e seus belos projetos, a beleza do Jardim Botânico de Inhotim e os bonecos do Grupo Giramundo, fundado por Álvaro Apocalypse. O filme foi exibido nos canais culturais de televisão européia com repecursão que ele jamais encontrou no Brasil. Na agenda do nosso premiado há, a partir dessa exibição, encontros marcados com marchands europeus que, tendo visto seus quadros neste filme durante o final de 2010 e início deste ano, vêem à procura deles, com a certeza de encontrar peças de qualidade universal. Borremann se encantou com o que Gontijo fez de seus volumes da Enciclopédia Britânica, os quais, folha por folha, foram cuidadosamente pirogravados, formando sucessivos “desenhos” e cujo conjunto foi chamado “priceless” pelo artista belga.
A entrega do prêmio a artista mineiro com este curriculum valoriza a ABCA, que volta a prestigiar a pintura de qualidade universal, valoriza Minas Gerais pelo filho ilustre que tem e valoriza Miguel Gontijo, um gênio pictórico que, por certo, ficará na história da pintura brasileira.