No Brasil, o internacionalismo e o nacionalismo são, simultaneamente, as correntes básicas do movimento modernista nas letras e artes, a partir da segunda década do século passado. A "redescoberta" do país, no entanto, é motivada pelas constantes viagens dos modernistas à Europa e ao reconhecimento de uma cultura brasileira, ao retornarem do exterior.
O internacionalismo presente no movimento modernista é exaltado como recurso para o rompimento com o academismo passadista, por meio da nova informação que chega de Paris. A atualização das idéias estéticas, a partir de modelos europeus recentes, sobretudo na área de artes plásticas, surge como uma possibilidade de renovação da arte brasileira.
Cubismo, expressionismo, dadaísmo, surrealismo e o "clima" parisiense, no qual impera, nos anos 20, a multidisciplinaridade e a pluralidade das linguagens, resultam em inspirações que, direta ou indiretamente, alimentam os artistas modernistas brasileiros em sua busca de uma estética moderna.
Paris, em particular – além dos centros da Alemanha e da Suíça –, oferece ambiente propício para os breves contatos dos pintores e escritores modernistas com a Europa, que, diferentemente de outros artistas latino-americanos, não participam, como agentes, de mostras coletivas de qualidade ou de movimentos como o surrealismo, ocorrido na década de 20. A presença dos artistas, na época, é discreta, realizando exposições individuais, em galerias particulares, ou em mostras coletivas, como os salões oficiais.
Assim como sucede aos artistas norte-americanos, reunidos em torno de Robert Henri (1865-1929) e do círculo pessoal do fotógrafo Alfred Stieglitz (1864-1946) – o primeiro formado em Paris e um dos organizadores do Armory Show (1913), e o segundo, pioneiro na abertura das galerias de vanguarda em Nova York –, a primeira geração de artistas brasileiros revela, a princípio, alguns problemas na assimilação da arte dita moderna. Sobre a obra dos artistas norte-americanos da época, escreve a crítica de arte Barbara Rose: "(...) quadros que, embora corajosos ou provocantes, mostraram apenas um conhecimento superficial do vocabulário, não da gramática da arte moderna". O mesmo poderia ser aplicado à arte brasileira desse período de transição.
Um pequeno grupo composto de escritores e artistas plásticos de São Paulo e de um gravador do Rio de Janeiro, Oswaldo Goeldi (1895-1961), se forma na Suíça, de onde regressa com sólida bagagem intelectual, atualizados em relação ao que se passa na Europa no campo das idéias. Além de Goeldi, autor das primeiras gravuras modernas no Brasil, Antonio Gomide, Regina Gomide Graz e John Graz, os dois primeiros formados na Escola de Belas-Artes de Genebra, e os escritores Sérgio Milliet e Rubens Borba de Moraes passam a integrar o grupo modernista após o retorno da Suíça, nos anos 20.
Anita Malfatti, depois de estudar na Alemanha e, posteriormente, no Art Student's League, em Nova York, volta ao Brasil, em 1916, e, no ano seguinte, realiza sua exposição de 1917-1918, deflagradora do modernismo brasileiro.
Os dois extremos do caráter modernista, o internacionalismo, procedente do contato com a Europa e, em particular, com Paris, e a pressão da realidade local, chamando o artista para o seu espaço e tradições, por meio do pluralismo cultural de um país como o Brasil, fazem com que surja, a partir do modernismo, conforme a pesquisadora Telê Porto Ancona Lopez, uma nova perspectiva de atuação, que se propõe por um duplo caminho: romper com a arte de importação; e pesquisar o popular, ou seja, restaurar a dignidade da língua e das manifestações populares por meio da pesquisa do dado popular, influindo na literatura.
Assim sendo, a modernidade focalizada pelo movimento modernista no Brasil, embora impregnada de internacionalismo, significa um momento em que é evidente o despertar da consciência nacional no meio artístico.
Em meio à efervescência política mundial do início do século passado, com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), e, no Brasil, com os movimentos anarquistas (1917 e 1918), uma mostra de arte viria a ser o marco do modernismo no país: a exposição de Anita Mafaltti de 1917 / 1918.
O marasmo do meio artístico paulista é quebrado com essa exposição, realizada de 12 de dezembro de 1917 a 11 de janeiro de 1918. Encorajada pelo jornalista Arnaldo Simões Pinto e pelo pintor Di Cavalcanti, Anita inaugura sua mostra, com 53 obras, em sala térrea, cedida pelo Conde de Lara, na Rua Líbero Badaró, nº 111. A exposição torna-se um acontecimento que desperta grande interesse do público e da crítica.
Em 20 de dezembro de 1917, Monteiro Lobato publica no suplemento Estadinho do jornal O Estado de S. Paulo, o artigo "A Propósito da Exposição Malfatti", também conhecido como "Paranóia ou Mistificação?", no qual tece violenta crítica ao trabalho da artista, revelando-se verdadeiro porta-voz do pensamento acadêmico em voga. Embora tenha marcado definitivamente o trabalho de Anita, a crítica de Lobato tem o mérito de gerar uma polêmica entre intelectuais e artistas solidários à pintora. Oswald de Andrade e Mário de Andrade, jovens escritores, e pouco depois o escultor Victor Brecheret unem-se a ela contra os defensores da arte acadêmica, colocando em pauta, pela primeira vez, o conflito entre a arte moderna e os passadistas. Esse episódio sinaliza o início do movimento modernista no Brasil. Segundo o crítico Paulo Mendes de Almeida, é "uma tomada de consciência nacional de um problema que, até então, não fora sequer equacionado entre nós".
Durante os anos de 1920 e 1921, "o grupinho de intelectuais paulistas" reúne-se para discutir, no ateliê da pintora Anita Malfatti, nos bares da cidade, na redação do jornal Correio Paulistano ou no apartamento de Oswald de Andrade. Suas idéias são publicadas em artigos na imprensa, provocando e envolvendo a área cultural da época.
Ao contrário da década anterior, os modernistas estão, agora, informados sobre o futurismo e debatem seus principais autores. Guilherme de Almeida, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, todos lêem as brochuras futuristas.
Nesse primeiro momento, para romper com os princípios e as técnicas, o grupo dispõe-se a tudo, inclusive a aceitar as idéias de Marinetti. "Afinal, Marinetti oferecia, aos descontentes, uma doutrina, e a dialética poderia torná-la ampla, capaz de compreender um sem-número de direções. Ademais, pela rebeldia de suas opiniões e pela estranheza de suas realizações (ou pelo menos declarações públicas), já estavam catalogados como perturbadores da ordem estética... Ser futurista poderia valer por um título de glória", conta o historiador Mário da Silva Brito.
Para os intelectuais e o público da época, o futurismo é tudo aquilo que parece diferente ou inusitado, assim considerado pelos críticos conservadores, em 1920 e 1921. Passa a ser futurista tudo o que se afasta dos padrões convencionais vigentes.
São futuristas – segundo a visão conservadora – Brecheret, Vicente do Rego Monteiro, Di Cavalcanti, Anita Malfatti e John Graz. Esses artistas estão no saguão do Teatro Municipal como representantes, entre outros, das artes plásticas na Semana de Arte Moderna, uma idéia de Di Cavalcanti levada a efeito pelo grupo modernista e por patrocinadores pertencentes à sociedade paulistana. Assim como o são Guilherme de Almeida, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, entre outros escritores.
Mário já negara ser futurista, em artigo-resposta a Oswald de Andrade. Também o faz num trecho do "Prefácio Interessantíssimo", de seu livro Paulicéia Desvairada, publicado em 1922, após a Semana de Arte Moderna:
"Não sou futurista (de Marinetti). Disse e repito-o. Tenho pontos de contato com o futurismo. Oswald de Andrade, chamando-me de futurista, errou. A culpa é minha. Sabia da existência do artigo e deixei que saísse."
A polêmica entre os dois inicia-se no ano anterior, 1921, o que não impede a concretização da Semana de Arte Moderna, pois os modernistas lutam por uma "arte livre". Se 1920 é de planejamento e de opções, o ano seguinte é marcado por ser de combate, rompimento, hostilidade, afirmações, conquista de terreno e preparo para o grande evento, pela derrubada das regras e sistemas em busca de meios amplos de expressão e comunicação.
O ano de 1921 inicia-se com o discurso de Oswald de Andrade a Menotti del Picchia no Trianon, São Paulo, prenunciando o clima da Semana de Arte. Termina com o artigo "A Moderna Orientação Estética", de Cândido Motta Filho, publicado no Correio Paulistano, em 17 de outubro:
"A arte, sendo manifestação da Vida, não pode furtar-se às leis da vida. As filosofias variam; as ciências variam; a moralidade varia; o costume varia; o Universo vive em constante transformação; os seres variam, os minérios endurecidos variam. Por que a arte há de ser mumificada, há de estancar-se diante da muralha chinesa? Hoje, os heróis da estética estão vendo a realização de seu sonho. A Arte será, como sempre foi, o espelho de uma época. Modificar-se-á com os caprichos incompreensíveis da vida; mas, em todas as suas manifestações, terá liberdade, imensa liberdade. Imitar o clássico, copiar o passado, cingir-se e estritamente, a ele, é matar a arte. Ela é a inspiração e não imitação; arte é sentimento livre e não servilismo. Como impor à ultra-sensibilidade moderna o passado calmo, diverso, para nós, quase que incompreensível? A Arte tem algo de Proteu. E encarar a Arte é encarar Proteu. Absurdo!"
Em janeiro e fevereiro de 1922, os jornais paulistanos e cariocas começam a divulgar o evento modernista organizado em torno de uma exposição de arte e três festivais: o primeiro da Pintura e da Escultura, o segundo da Literatura e da Poesia e o terceiro, Festival da Música, a ser realizado entre os dias 13 e 18 de fevereiro daquele ano.
"Diversos intelectuais de São Paulo e do Rio, devido à iniciativa do escritor Graça Aranha, resolveram organizar uma Semana de Arte Moderna, dando ao nosso público a perfeita demonstração do que há em nosso meio em escultura, pintura, arquitetura, música e literatura sob o ponto de vista rigorosamente atual."
Correio Paulistano, São Paulo, 29 de janeiro de 1922, p. 1.
"A Semana de Arte Moderna, a realizar-se proximamente no Teatro Municipal, vem agitando de tal forma o nosso meio artístico e intelectual, que se conservar alheio a esse movimento seria dar provas de um parti pris, que não se coaduna, absolutamente, com o grau de progresso que atingiu a imprensa moderna."
A Gazeta, São Paulo, 3 de fevereiro de 1922, p. 1.
[a mesma nota anuncia a contratação de Mário de Andrade como articulista do jornal.]
"A notícia de uma projetada Semana de Arte Moderna, em São Paulo, foi recebida com um prêmio de curiosidade, misto de entusiasmo, nas nossas rodas intelectuais e altamente mundanas. E era natural que assim acontecesse! É a primeira vez que se vai tentar, no Brasil, um certame dessa natureza."
Jornal do Commercio, São Paulo, 7 de fevereiro de 1922, p. 4.
No dia 13 de fevereiro de 1922, o Teatro Municipal de São Paulo abre suas portas para o Festival da Pintura e da Escultura, que integra a Semana de 22. O murmúrio de prazer e indignação toma lugar já no saguão de entrada, ocupado por pinturas, desenhos, colagens, esculturas e projetos arquitetônicos dos artistas plásticos paulistas e cariocas.
No interior do Teatro, com cadeiras e frisas tomadas "por distintas famílias da nossa melhor sociedade", a primeira noite do Festival é apresentada em dois momentos: a primeira parte é aberta pelo escritor Graça Aranha, que faz sua conferência "A Emoção Estética na Arte Moderna", ilustrada por poesias de Guilherme de Almeida e Ronald de Carvalho e pela música executada por Ernani Braga. Em seguida, iniciam-se os concertos de música de câmara de Villa-Lobos – a Sonata II, para violoncelo e piano (1916), e o Trio II, para violino, cello e piano (1916).
A repercussão é imediata: a assistência obriga os poetas a declamar outras poesias, e a apresentação de Villa-Lobos é coroada por frenéticos aplausos.
A segunda parte do festival – Pintura e Escultura – é preenchida pela conferência de Ronald de Carvalho "A Pintura e a Escultura Moderna do Brasil" e por solos de piano de Ernani Braga – Valsa Mística, da Simples Coletânea (1917); Camponesa Cantadeira, da Suíte Floral (1919); e A Fiandeira (1921) –, além de um octeto, sob a direção de Villa-Lobos – Três Danças Africanas: Farrapos - Dança dos Moços (1914); Kankukus - Dança dos Velhos (1915); e Kankikis - Dança dos Meninos (1916).
Além dos concertos, as últimas palavras de Ronald de Carvalho, "concitando os paulistas a procurarem seus artistas que tão bem sabiam interpretar, quer no mármore como na tela ou na poesia, a violenta e forte vida americana", são ditas "debaixo de vibrantes aplausos", comenta, no dia seguinte, o Jornal do Commercio.
A idéia da realização de uma semana de arte, para divulgar as novas posições artísticas, cabe a Di Cavalcanti, quando do lançamento de seu álbum Fantoches da Meia-Noite, editado pela Casa Editora O Livro, de Jacinto Silva, em São Paulo, em novembro de 1921. É também atribuída à senhora Paulo Prado, d. Marinette Lebrun, que sugere que se faça algo como em Deauville, França: temporadas com diferentes festivais, mesclando moda, exposição de quadros, concertos e outras atrações. Di Cavalcanti se entusiasma e leva adiante a proposta do evento, que marca o início do modernismo no Brasil.
No dia 29 de janeiro de 1922, o jornal Correio Paulistano anuncia a "Semana de Arte", que acontece entre os dias 11 e 18 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo: "Diversos intelectuais de São Paulo e do Rio, devido à iniciativa do escritor Graça Aranha, resolveram organizar uma semana de arte moderna dando ao nosso público a perfeita demonstração do que há em nosso meio em escultura, pintura, arquitetura, música e literatura sob o ponto de vista rigorosamente atual".
A presença de Graça Aranha, autor de Canaã, na Semana de Arte Moderna, dada como "iniciativa", é importante devido ao seu prestígio nos meios intelectuais da época.
A Comissão Patrocinadora da Semana é formada por Paulo Prado, Alfredo Pujol, Oscar Rodrigues Alves, Numa de Oliveira, Alberto Penteado, René Thiollier, Antônio Prado Júnior, José Carlos Macedo Soares, Martinho Prado, Armando Penteado e Edgar Conceição.
O Correio Paulistano, de 29 de janeiro de 1922, publica a relação de "artistas modernos" presentes na Semana:
"Música - Villa-Lobos, Guiomar Novaes, Paulina D'Ambrosio, Ernani Braga, Alfredo Gomes, Frutuoso e Lucília Villa-Lobos.
Literatura - Mário de Andrade, Ronald de Carvalho, Alvaro Moreyra, Elysio de Carvalho, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Renato Almeida, Luiz Aranha, Ribeiro Couto, Deabreu, Agenor Barbosa, Rodrigues de Almeida, Afonso Schmidt, Sérgio Milliet, Guilherme de Almeida, Plínio Salgado.
Escultura - Victor Brecheret, Hildegardo Leão Velloso, Haarberg.
Pintura - Annita Malfatti, Di Cavalcanti, Ferrignac, Zina Aita, Martins Ribeiro, Oswaldo Goeldi, Regina Graz, John Graz, Castello e outros.
Arquitetura - A. Moya e Georg Przyrembel."
A relação dos artistas divulgada pelo Correio Paulistano é contestada por artistas e membros da comissão patrocinadora do evento. Enrico Castello e Regina Graz, em depoimento, afirmam não ter participado da exposição. Anita Malfatti diz ao historiador Paulo Mendes de Almeida que nem todos os artistas estão representados na lista. Outros não constam da relação, como J.F. (Yan) de Almeida Prado e Vicente do Rego Monteiro, segundo o livro A Semana de Arte Moderna, de René Thiollier.
Tanto Martins Ribeiro como Oswaldo Goeldi não puderam ser confirmados posteriormente por Aracy Amaral como participantes, em depoimentos obtidos de seus contemporâneos.
A Semana, com seus três festivais ocorridos nas noites de 13 e 17 e na tarde de 15 de fevereiro, é realizada no Teatro Municipal, alugado por 847 mil-réis pelo "empresário" do evento, o escritor René Thiollier, a quem Paulo Prado solicita a colaboração.
Pouco ou quase nada é divulgado pelos jornais na época sobre a exposição de artes plásticas. As publicações registram apenas poucos comentários sobre as obras, por Sérgio Milliet, Graça Aranha, Menotti del Picchia, Mário de Andrade, e as defesas de Oswald de Andrade aos artistas presentes em geral: "No saguão do Municipal, estarão expostas, desde às 20 e meia hora, esculturas e pinturas futuristas".
A exposição de arte moderna acontece no saguão do Teatro. Fica aberta ao público durante os oito dias do evento. Os artistas expositores, que se dizem "vanguardistas", apresentam-se, segundo a descrição de Yan de Almeida Prado, à esquerda e à direita da escadaria, onde se encontram os relevos de Brecheret. No centro do saguão, há outros trabalhos de Brecheret e a maquete da casa da Praia Grande, do arquiteto polonês Georg Przyrembel.
Às noites, o público lota o saguão do Teatro. "Não havia quem não se deixasse tomar de pavor e êxtase, ao defrontar com os horrores épicos da senhorinha Anita Malfatti. E não a poupavam!", relata René Thiollier. Mas Anita não é a única criticada.
Os passadistas não se colocam somente contra as artes visuais. Direcionam sua fúria ao movimento e ao conjunto das inovações artísticas apresentadas na música, pintura, escultura e poesia durante os dias em que transcorreu a Semana de Arte. Assim, instaura-se um debate que permeia a década de 1920, na imprensa e nos círculos intelectuais e artísticos nacionais.
Mas, no dia 14 de fevereiro de 1922, uma nota no jornal Correio Paulistano registra: "Nunca os nossos artistas se congregaram em hostes, ligando num mesmo elo a pintura, a escultura, a música e a poesia. Essas formas de expressão emotivas andaram sempre, se não divorciadas, pelo menos isoladas e quase interdependentes. Sob esse ponto de vista, a Semana de Arte Moderna é digna de nota".