Rubens teve uma vida atribulada e extremamente produtiva. Artista, diplomata e chefe de família, ainda encontrava tempo e disposição para ensinar e comandar uma oficina ativa e prolífica.
Ironicamente, o mais célebre pintor da escola flamenga não conheceu Flandres antes dos 10 anos de idade, pois nasceu e cresceu na região da Vestfália, em terras germânicas. Seu pai, Jan Rubens, jurista de renome, fugira de Antuérpia em 1568 para escapar à perseguição religiosa (embora nascido católico, era suspeito de ter simpatias calvinistas), estabelecendo-se em Colônia. Ali se tornou conselheiro jurídico de Ana da Saxônia, casada com Guilherme, o Taciturno, Príncipe de Orange. Jan e Ana tiveram um romance, e ela engravidou. Não fosse a intervenção de sua esposa, Maria, mulher corajosa e de caráter resoluto, ele provavelmente teria pago o adultério com a vida. Graças a ela, sua pena foi bem mais branda: o banimento puro e simples para a cidadezinha de Siegen, na Vestfália; ali, em 28 de junho de 1577, nasceu o sexto dos sete filhos de Maria. A criança foi batizada com o nome de Peter Paul — em flamengo, Peeter Pauwel — embora adulto ele costumasse assinar adotando a forma italiana, Pietro Pauolo.
Foi permitido à família retornar a Colônia no ano seguinte, e em março de 1587 Jan Rubens morreu. Logo depois, a viúva Maria decidiu voltar a Antuérpia com os três filhos que ainda restavam — Peter Paul, seu irmão Philip, três anos mais velho, e uma irmã, Blandina, com cerca de 20 anos (três haviam morrido na infância, o filho mais velho abandonara a família). Os meninos já haviam recebido do pai os princípios de uma boa educação e, para completar sua formação, foram matriculados numa escola latina.
Em 1590, a vida escolar de Peter Paul chegou ao fim, e ele passou a viver à própria custa. Com 13 anos, tornou-se pajem da família da Condessa de Lalaing. Ali assimilou os modelos da vida cortesã, que se revelariam de grande utilidade no futuro. No entanto, não permaneceu com a condessa por muito tempo, pois já havia decidido seguir a carreira artística, inscrevendo-se como aprendiz de pintor no estúdio de Tobias Verhaecht, um parente por afinidade.
O APRENDIZADO DE RUBENS
Rubens estudou por breve período com Verhaecht antes de transferir-se para o estúdio de Adam van Noort. Passou cerca de cinco anos ali e, em seguida, foi para o estúdio de Otto van Veen, a fim de completar seu aprendizado. Bons mestres mas pintores medíocres, é difícil saber em que medida exerceram influência sobre o jovem aprendiz, mesmo porque subsistiram poucos trabalhos de Rubens desse período. Dos três, é possível que Van Veen tivesse mais afinidade com Rubens. Vivera em Roma, e seu amplo e sólido conhecimento da arte italiana plasmou sua carreira.
Já em 1598 a Associação de Pintores de Antuérpia admitiu Rubens como um dos seus, reconhecendo nele um pintor consumado. Em 9 de maio de 1600, aos 22 anos, influenciado pelo mestre, partia para a Itália. Foi de início para Veneza, onde teve sorte o bastante para conhecer um empregado de Vincenzo I, duque de Mântua, e impressioná-lo com seus desenhos. O duque também gostou muito dos trabalhos de Rubens e imediatamente o contratou.
Vincenzo Gonzaga era um notório patrono das artes, e trabalhar para ele possibilitou a Rubens conhecer vários dos maiores tesouros da arte italiana. O acervo artístico do Palácio Ducal, em Mântua, era magnífico, e uma das atribuições de Rubens consistia em fazer réplicas de pinturas famosas de outras localidades, para enriquecer ainda mais o acervo. No espaço de dois anos visitou os principais centros da arte italiana, incluindo Florença e Roma. Sua primeira visita à capital estendeu-se do verão de 1601 à primavera de 1602, e foi nessa época que recebeu sua primeira encomenda oficial: três retábulos para a Capela Santa Helena da Igreja de Santa Croce in Gerusalemme (Roma).
Em 1603 o Duque Vincenzo confiou a Rubens sua primeira missão diplomática: levar presente a Felipe III da Espanha, país que dominava politicamente os Países Baixos. A família real espanhola possuía uma coleção sem paralelo de obras dos grandes mestres venezianos, sobretudo de Ticiano, de modo que Rubens pôde incrementar sua formação artística.
No ano seguinte, retornava a Mântua. Mas os momentos mais produtivos do restante de sua temporada na Itália se deram em Roma. Viveu lá, com intervalos, de dezembro de 1605 a outubro de 1608. Nesse segundo período romano, Rubens continuou seu diligente estudo da arte do passado e do presente, enquanto compartilhava uma casa com seu irmão Philip, que era então bibliotecário do Cardeal Colonna.
Gozava de uma reputação crescente e tinha bons contatos, de forma que, em 1606, obteve um encargo de prestígio: pintar o altar-mor da Igreja de Santa Maria in Vallicella, conhecida como Chiesa Nuova. Mas não obteve pleno êxito. Sua primeira tentativa foi julgada insatisfatória, pois a luz se refletia sobre a pintura de maneira desagradável; assim, Rubens fez uma outra, em tom azul-acinzentado, menos sujeita a reflexos de luz. Tão logo concluiu o trabalho — era outubro de 1608 — recebeu notícias de Philip, então de volta a Antuérpia, de que sua mãe estava gravemente enferma. Viajou sem demora para junto da mulher doce e resignada que era Maria Rubens, mas ela morreu antes de sua chegada.
RETORNO A ANTUÉRPIA
Antes de Rubens retornar a Antuérpia, o Arquiduque Alberto de Habsburgo, regente dos Países Baixos, escrevera para Vincenzo Gonza¬ga requisitando a liberação do jovem artista pa¬ra trabalhar a seu serviço. Foi assim que, em 1609, Rubens assumiu o posto de pintor da corte de Habsburgo; segundo suas próprias palavras, "foi preso pelos grilhões do ouro". Criou laços mais ternos naquele ano, ao se casar com Isabella Brandt, de 17 anos, filha de um eminente advogado e humanista de Antuérpia e sobrinha da mulher de Philip Rubens.
Em pouco tempo foi assediado por alunos desejosos de estudar com ele e logo estabeleceu e consolidou sua reputação, não apenas como o principal pintor do norte da Europa, mas também como eficiente e empreendedor homem de negócios, à frente de sua oficina. As obras que proclamaram seu gênio de forma mais retumbante foram dois grandes retábulos — 0 Levantamento da Cruz (1610/11) e A Descida da Cruz, que revelam seu domínio absoluto do estilo grandioso dos italianos, ou seja, da forma de tratar temas elevados em termos heróicos. No plano doméstico, sua vida também floresceu. Em 1610 comprou um terreno onde ergueria uma casa de esplendor quase palaciano; no ano seguinte nascia Clara Serena, a primogênita dos quatro filhos com sua mulher Isabella.
Por essa época, Rubens lançou-se num novo e ambicioso empreendimento: a reconstrução e redecoração de inúmeras igrejas dos Países Baixos, durante a suspensão das hostilidades entre os povos do Norte — protestantes — e os do Sul — católicos (atuais Holanda e Bélgica). Isso ocorreu entre 1609 e 1621. Já rico e famoso, as encomendas se avolumavam em seu estúdio. Rubens foi capaz de executá-las apenas em virtude de sua inacreditável energia e poder de organização. E bem verdade que seus assistentes faziam grande parte do trabalho, enquanto o mestre dava os toques finais. De forte constituição física, trabalhava por longas horas e levantava-se às 4 da manhã para ir à missa. Seus hábitos simples e sistemáticos faziam de seu cotidiano algo rigorosamente organizado. Enquanto trabalhava, alguém lia em voz alta clássicos gregos e latinos, ritual, entrecortado apenas por uma refeição ligeira. Às 5 horas concluía sua jornada, saindo para cavalgar, conversar com amigos e beber. Humanista, interessava-se pela cultura de seu tempo, que se refletia na imensa biblioteca de sua casa.
A maior encomenda que recebeu em Flandres foi a decoração da igreja jesuíta de Antuérpia. Rubens já havia supervisionado a colocação das esculturas, e em 1620 concordou em criar 39 pinturas, a maioria executada por seus assistentes (entre outros, o jovem Van Dyck). Tragicamente, todas as pinturas foram destruídas num incêndio ocorrido em 1718, mas muitos esboços subsistem ainda hoje.
Chegavam também grandes encomendas do exterior, e não apenas de obras religiosas. Pouco depois de concluir a decoração da igreja jesuíta, projetou um jogo de doze tapeçarias contando a História do Imperador Constantino para Luís XIII da França; entre 1622 e 1625, executou uma série de 25 imensas telas encomendadas pela Regente Maria de Médicis, para a decoração de seu novo palácio (o Luxemburgo) em Paris. E uma das mais grandiosas realizações de Rubens. Aqui, ele mescla história, alegoria e a pintura de retratos, no intuito de homenagear a vida inglória de Maria.
Em 1626, na época em que atingia o auge da fama, faleceu Isabella, sua mulher. Embora abalado com a perda, não caiu em depressão e dirigiu suas energias não apenas para a pintura mas novamente para a diplomacia. Seu conhecimento de línguas foi de bom proveito nessa função. Dominava tão bem o italiano quanto o flamengo e conhecia ainda o francês, o alemão e o espanhol, bem como o latim, que ainda era uma língua internacional. A partir da morte do Arquiduque Alberto, em 1621, tornou-se conselheiro de confiança da Infanta Isabella, para quem viajou em missão diplomática à Espanha em 1628/29 e à Inglaterra em 1629/30. Em Londres negociou a paz entre os dois países e foi feito cavaleiro por Carlos I. Encantado com seu trabalho, o rei encomendou uma série de pinturas para decorar o teto da Sala de Banquetes de Whitehall. Rubens pintou os quadros em Antuérpia e só em 1635 concluiria o trabalho.
Nesse meio tempo, mais precisamente em 1630, Rubens casou-se novamente. Tinha 53 anos. Sua mulher, Hélène Fourment, filha de um próspero comerciante de sedas e sobrinha da primeira mulher, contava apenas 16. Do primeiro casamento haviam sobrevivido dois filhos. Hélène lhe deu mais cinco.
UM RECOLHIMENTO ATIVO
Em 1632 abandonou definitivamente as tarefas diplomáticas e, em 1635, comprou uma bela casa de campo, o Château de Steen, onde passava a maior parte do tempo dedicando-se à sua mais recente paixão: o paisagismo. Ainda trabalhava arduamente no estúdio de Antuérpia, e a demanda de pinturas era intensa. Em 1636 recebeu uma de suas mais vultosas encomendas: 120 telas com motivos mitológicos para a Torre de la Parada, um pavilhão de caça de Felipe IV da Espanha. Grande parte do trabalho final foi executado pelos assistentes, pois Rubens se vira impedido de pintar com a mesma intensidade desde que seu braço direito fora afetado pela gota. Surge o interesse pela perpetuação pictórica de sua imagem e, semi-inválido, faz um auto-retrato. E uma de suas últimas obras. Em 30 de março de 1640, Rubens morre em sua casa de Antuérpia. Estava com 62 anos. Oito meses depois, Hélène dá à luz seu último filho.