Foi o mais célebre retratista da era eduardiana. Nascido em Florença, passou a infância viajando pela Europa. Estudou arte em Paris e criou um estilo realista e tradicional de pintura, adotando também procedimentos do Impressionismo e de antigos mestres como Velázquez. A naturalidade e o brilhante apuro de seus retratos granjearam-lhe projeção nos Estados Unidos e na Inglaterra.
Depois da fase dos retratos, Sargent concentrou-se em murais e decorações de tetos para edifícios públicos de Boston. Gostava de viajar, dedicando-se a registrar diferentes paisagens e temas figurativos em óleo e aquarela. Tímido e reservado transbordava em gentileza e simpatia. Apesar de nunca ter se casado, era extremamente dedicado à família e ao seu círculo de amizades.
CIDADÃO DO MUNDO
As constantes viagens de Sargent o levaram a importantes centros europeus, onde se sobressaiu como artista de extraordinária habilidade e como homem sofisticado, de fina e arguta inteligência.
O norte-americano Fitzwilliam Sargent, médico formado pela Universidade da Pensilvânia, exercia a profissão na Filadélfia, onde, em 1850, casou-se com Mary Newbold Singer, filha de um rico comerciante de peles.
O temperamento inquieto e romântico da Sra. Sargent não se adaptava às limitações da vida provinciana dos Estados Unidos da época e, quando o primogênito do casal morreu, em 1853, a saúde de Mary se debilitou e o casal decidiu ir para a Europa em viagem de recuperação. O que se iniciou como um projeto temporário viria a se tornar um modo de vida, pois os Sargent acabaram se fixando no outro continente.
Fora de sua pátria, levaram uma existência itinerante. Em janeiro de 1856, em Florença, nasceu o segundo filho do casal, John Singer Sargent. Logo viriam à luz mais duas filhas, Emily e Violet. John e suas irmãs tiveram uma infância nada convencional. A falta de raízes levou-os a tornarem-se emocionalmente independentes desde cedo.
Emily sofria de uma doença na coluna vertebral, que a incapacitava para uma série de atividades e brincadeiras comuns à infância. Em seu isolamento forçado, ela contava com o apoio e o afeto (recíproco) de seu irmão John.
Essa rotina de viagens facilitou a Sargent a aquisição de uma cultura mais abrangente, pois tinha recebido uma educação formal pouco regular. Cresceu com um domínio fluente do italiano, falava francês e um pouco de alemão, tinha bom conhecimento da literatura europeia, era excelente pianista e músico apaixonado. Arte, história e línguas estrangeiras constituíam aspectos vivos de uma cultura que se descortinava à sua volta.
DESENHOS DOCUMENTAIS
Sargent começou a desenhar como forma de documentar os passeios que ocupavam tanto o tempo da família. A mãe, ela própria uma aquarelista diletante, estimulava-o a desenhar as cenas de viagens, e os cadernos desse período continham desenhos de plantas e aves, esboços arquitetônicos e cópias de velhos mestres.
O Dr. Sargent tinha esperanças de que o filho viesse a seguir a carreira naval, mas logo ficou claro que o jovem estava determinado a tornar-se pintor. Recebera alguma instrução na Itália, mas um aprendizado mais completo se fazia necessário. Paris, com seu sistema de ensino em ateliês, no qual um grupo de alunos trabalhava com um único mestre, concentrando-se no desenho e na pintura a partir de um modelo vivo, parecia oferecer as melhores oportunidades de estudo. A escolha recaiu no ateliê de Carolus-Duran, retratista e professor de renome. O aprendizado de Sargent consistiu na aplicação dos ensinamentos de Carolus-Duran, adepto da pintura realista ao ar livre ou com modelo vivo. Trabalhava com afinco, absorvendo ao mesmo tempo o ensino formal tradicional e as novas ideias que circulavam por Paris. Vivia a existência de um jovem estudante de arte. Tinha muitos conhecidos, mas poucos amigos íntimos. Todos o consideravam uma figura simples, simpática e educada, além de um companheiro generoso. Mas sua reserva o mantinha-o isolado, e assim o seria por toda a vida.
Em 1876, Sargent cruzou o Atlântico pela primeira vez, visitando os Estados Unidos com a á mãe e a irmã Emily. Embora cosmopolita por criação e mergulhado na cultura europeia, apegava-se resolutamente à sua cidadania norte americana, recusando-se a abdicar dela.
Nas férias de verão, juntava-se a um grupo de colegas para desenhar e pintar no campo. Em Cancale, na Bretanha, fez esboços ao ar livre para um quadro que impulsionaria sua carreira: Catadores de Ostras em Cancale (1877). Foi seu primeiro êxito. Valeu-lhe uma menção honrosa no Salão de Paris de 1878 e refletia o interesse do autor pelos impressionistas.
ESTRELA DO ATELIÊ
Sargent passou a ser a estrela do ateliê. Seu mestre, Carolus-Duran, estava suficientemente impressionado para permitir que o jovem talento o ajudasse na pintura de um grande painel decorativo para o teto do Louvre. Em meio ao projeto, Sargent fez um retrato de Carolus-Duran, com o qual conquistou outra menção honrosa, no Salão de 1879. Essa tela marcou uma reviravolta na carreira de Sargent. Era já um artista profissional com estúdio próprio e começava a receber encomendas.
Em 1883, aos 27 anos, mudou-se para um estúdio mais elegante no Boulevard Berthier e pintou um retrato da Sra. Henry White, esposa do primeiro-secretário da Embaixada dos Estados Unidos em Londres. Essa cativante tela certamente contribuiu para assegurar a Sargent outras encomendas do gênero. Ao ser exposta na White Grosvenor Crescent House, pôde ser apreciada por toda a sociedade londrina, em meio à qual havia muitos clientes em potencial. Mas nem tudo ocorreu como o esperado.
O retrato de madame Gautreau, uma elegante beldade parisiense, famosa por seu aspecto inquietante e pouco comum, revelou-se um desastre. Não era uma encomenda. Sargent se aproximou da jovem dama por intermédio de um amigo comum e tentou obter dela o consentimento para retratá-la. Fascinava-o sua pele morena e exótica, a pureza de seus traços, seu impressionante perfil. Era um modelo difícil, mas Sargent persistiu, convicto de que o quadro iria, sem dúvida, firmar sua reputação. Exposto no Salão de 1864, como Madame X, causou escândalo. Tanto o público como a crítica reagiram com hostilidade. Esse incidente desestabilizou Sargent e lançou uma sombra sobre sua carreira em Paris.
O apoio viria das mãos de Henry James, célebre escritor norte-americano que vivia na Europa. Conhecera Sargent em Paris em 1884 e admirava a obra do artista, assim como o próprio Sargent como pessoa. Via-o um pouco como um personagem de seus romances, e o descrevia como alguém "civilizado até nas impressões digitais". Quando o futuro de Sargent como retratista em Paris se mostrou precário, Henry lhe falou sobre os atrativos de Londres.
Sargent tinha estado na Inglaterra em 1884, época em que pintou uma série de quadros da família Vickers, incluindo diversos interiores primorosamente iluminados. No ano seguinte voltava à Inglaterra e, juntamente com seu colega, o artista Edwin Austin Abbey, fez uma viagem de barco pelo Tâmisa, indo de Oxford a Windsor. Foram até Broadway em Costwolds e hospedaram-se na Farnham House, casa do ilustrador Frank Millet, onde a atmosfera era acolhedora e a companhia estimulante. Broadway foi um momento de lirismo na vida de Sargent. Fez estudos ao ar livre, e, armando seu cavalete mais ou menos ao acaso, pintava rápida e fluentemente, concentrando-se nos efeitos de colorido e da luz cambiante.
Ainda em 1885, o rompimento com Paris se consumou, e Sargent mudou-se para o velho estúdio de Whistler na Tite Street, em Londres. Em 1886 viajava aos Estados Unidos, a convite do colecionador de arte Henry Marquand, que queria um retrato de sua esposa. A América o recebeu de braços abertos: uma exposição individual no St. Botolph Club em Boston foi saudada com entusiasmo; afluíam encomendas prestigiosas de retratos; e começaram os debates sobre o projeto dos murais para a Biblioteca Pública de Boston. Por essa época, iniciou uma duradoura amizade com Isabella Stewart Cardner, ativa anfitriã de Boston, que o admirava e colecionava seus retratos.
Na década de 1890, os Estados Unidos e a Inglaterra veriam Sargent no auge da fama. Lady Agnew, tela exposta na Academia Real em 1893, foi saudada como uma obra-prima e firmou sua reputação junto às instituições artísticas inglesas.
O RETRATISTA DA SOCIEDADE
Por volta do final da década de 1890, quando Sargent já era reconhecido como o maior retratista de seu tempo, a aristocracia, habituada a ser pintada pelos melhores, começou a formar filas para ser atendida. Por essa razão, Rodin o chamou de "o Van Dyck de nossos tempos". Caminhava em direção a um estilo mais formal de pintura, à maneira grandiosa de Reynolds, utilizando adereços para sugerir ambientações clássicas e visando criar um clima atemporal. Recebeu urna enxurrada de encomendas, mas seu entusiasmo estava em outro lugar: Boston.
Os murais de Boston ocuparam-no por um período que se estendeu de 1890, aproximadamente até 1921, envolvendo o artista em intenso trabalho na Inglaterra e no próprio local — Boston. O trabalho também o obrigava a deslocar-se inúmeras vezes para pesquisar no Egito Grécia, Itália e Terra Santa. Mas, apesar da dedicação e do esforço do artista, os murais foram criticados por "carecerem de paixão e terem concepção pouco inovadora".
Sargent por essa época gozava de uma situação financeira estável, mas a pintura de retratos já o estava cansando. Escreveu para Lady Radnor em tom intransigente: "Peça-me para pintar seus portões, sua cerca, seu palheiro — o que farei com prazer —, mas não o rosto humano!" Por volta de 1907 recusava praticamente todas as encomendas. Sua única concessão era o esboço a carvão, que podia desenhar rapidamente. Executou vasto número deles. Liberto da rotina de pintar retratos, podia se dar ao luxo de investigar e satisfazer seus próprios desejos, de escolher seus próprios temas.
FÉRIAS NOS ALPES
Por essa época, uma nova rotina surgiu na vida de Sargent. Nos verões ele passava três ou quatro meses viajando, desenhando e pintando aquarelas com suas irmãs Emily e Violet, os filhos desta e velhos colegas de ofício. Costumavam ir para os Alpes, descendo para a Itália ou para a Espanha no outono.
Sua situação familiar aos poucos foi-se alterando. Seu pai morrera em 1889, Violet se casou em 1891, mas foi a morte da mãe, em 1905, que teve reflexos mais profundos em seu espírito. Emily ficou sozinha e se apoiava cada vez mais no irmão que, por sua vez, também tinha nela um ponto de referência. Emily era sua confidente e só ela o conhecia integralmente. Foi a única mulher com quem se comprometeu, apesar de sua vida afetiva tranquila ter sido pontuada por especulações sobre casamento. No início da década de 1880, houve fortes rumores acerca de um noivado com Louise Burckhardt, a modelo para a Dama com uma Rosa. Anos mais tarde, cresceram boatos em torno de sua amizade com a Sra. Gardner e a Sra. Charles Hunter, generosa e incansável anfitriã e colecionadora de arte. Juntamente com Emily, era a pessoa mais próxima do artista.
A Primeira Guerra Mundial levou Sargent à França como artista oficial da guerra. Demonstrou extraordinária coragem sob o fogo cruzado, permanecendo emocionalmente alheio à carnificina. Sua obsessão em ver com olhos de pintor protegia-o de todo o impacto.
Sargent continuou trabalhando nos murais de Boston, notificando a um amigo: "Agora as obras nos Estados Unidos estão concluídas e, portanto, acho que posso morrer quando quiser". Em abril de 1925 reservou uma passagem para os Estados Unidos a fim de acompanhar os últimos painéis. Emily organizou um jantar de despedida, convidando Violet e muitos de seus amigos mais próximos. Foi um dia feliz e descontraído. Na manhã seguinte, Sargent foi encontrado morto em sua cama, com um volume do Dicionário Filosófico de Voltaire aberto à sua frente. Tinha sofrido um ataque cardíaco. Seu corpo foi enterrado no cemitério de Brookwood, em Surrey, Inglaterra. Tinha 69 anos.
O RETRATISTA MODERNO
A obra de Sargent denota a influência do Impressionismo aliada a um estilo de pinceladas rápidas e fluentes. Celebrizou-se sobretudo como retratista, produzindo uma imagem fiel da sociedade de seu tempo.
A abrangência da obra de Sargent, em geral, passa despercebida, em virtude de ele ter-se notabilizado primordialmente como retratista. Na verdade, pintou também paisagens, estudos de figuras e até mesmo murais, utilizando tanto a aquarela quanto o óleo.
Foi em Paris, sob a supervisão de Carolus-Duran, que Sargent começou a desenvolver sua notável fluência. Carolus-Duran insistia para que seus alunos pintassem “au premier coup” (diretamente, sem retrabalhar), estimulando uma execução rápida e fluente. Preocupava-se com os efeitos realistas, com objetos que fossem fiéis em termos de valores tonais e ensinava a aplicação, em primeiro lugar, dos meios-tons, e, a partir destes, dos claros e escuros.
Carolus-Duran era um apreciador incontido de Velázquez, pintor que, à época, gozava da preferência nos ateliês parisienses. Duran costumava pronunciar o nome desse grande artista espanhol ao caminhar pelo estúdio. Os primeiros retratos de Sargent em Paris revelam-no como o expoente máximo dos métodos de seu mestre, na medida em que, num estilo elegante, despojado e sóbrio, era capaz de, a um só tempo, sugerir nuanças de temperamento e criar uma atmosfera de meditação.
rans Hals foi um artista que, além de Velázquez, exerceu profunda influência sobre a técnica de Sargent. Ao visitar Haarlem, em 1880, Sargent ficou surpreso com a expressividade, a verve e o brilho das telas de Hals.
Na década de 1870, Carolus-Duran era considerado um modernista. Amigo de Manet estava em contato com as novas ideias que, à época, assolavam Paris. Muitos dos primeiros estudos de paisagens de Sargent refletem a preocupação dos impressionistas com os efeitos da luz. Mas, nesse estágio inicial da carreira, ocupava-se sobretudo com a elaboração de retratos, tendo poucas oportunidades de pintar paisagens ao ar livre. O final da década de 1870 viu um renascimento de seu interesse nessa área: pintou uma série de paisagens na Bretanha e em Nice, utilizando uma paleta mais suave e pinceladas mais livres e entrecortadas.
Foi a Inglaterra, contudo, que assistiu ao florescimento da fase impressionista de Sargent. Em meio ao cenário pastoril da região de Broadway, dedicou-se, no verão de 1885, a experiências ao ar livre. Era visto com seu cavalete, armando-o onde quer que sua disposição o levasse. Pintava apenas o que via. Sua rotina diária consistia em cobrir a superfície de uma tela com uma tênue camada de cor, fazendo um esboço completo. Na manhã seguinte, com a tinta já seca, pintava outro estudo sobre a mesma tela. "Frequentemente eu chorava ao ver os esboços luminosos sendo impiedosamente sacrificados", comentou o amigo e escritor Edmund Gosse. Os estudos remanescentes desse período são vibrantes em sua luminosidade e na sensualidade cromática. E as pinceladas arrojadas traem a descontraída "maneira" impressionista.
AMIZADE COM MONET
Sargent passou o verão de 1888 em Calcot, no Tâmisa, e o de 1889 em Fladbury junto ao rio Avon. Os quadros dessa época, focalizando paisagens ribeirinhas, possuem uma específica ressonância impressionista. Lembram Claude Monet. Sargent provavelmente conheceu Monet já em 1876, mas parece que foi só no final da década de 1880 que os dois se tornaram mais próximos. Sargent visitou Giverny, a casa de Monet na Normandia, comprou quatro de seus quadros e fez três retratos de Monet. É particularmente brilhante nesses estudos o tratamento da luz incidindo sobre a água adotado por Sargent. Os quadros em que aparece sua irmã Violet, com paisagens de rios ao fundo lembram a série de Monet de jovens com guarda-sóis, de pé contra o céu azul. Mas há uma distinção clara: Sargent jamais levou as preocupações do Impressionismo às últimas consequências. As figuras são representadas de maneira mais tradicional e possuem mais identidade e maior integridade em relação às composições impressionistas.
NOVOS TEMAS
O efeito desses experimentos sobre os retratos de Sargent aparece sob a forma de pinceladas mais soltas e ricas, um espectro de cores mais luminoso e vitalidade e leveza de toque. Após a virada do século, quando a moda da pintura de retratos começou a declinar, Sargent passou a dedicar mais tempo a outros temas que despertavam seu interesse. Pintou óleos e aquarelas com detalhes arquitetônicos, palmeiras, estátuas clássicas, grupos de beduínos e outras cenas. Mas a pintura mural passou a ser a sua forma predileta de expressão. A partir de 1890 o trabalho de decoração de edifícios públicos em Boston passou a absorver grande parte de sua energia criativa. Grandiosos, os murais de Sargent se inspiram na escultura e diferem do restante de sua obra pela monotonia das cores.
Os modelos que posavam para Sargent lembram-se dele como um pintor vigoroso e expressivo. Costumava recuar lentamente do cavalete até determinada distância, observando o modelo e a tela enquanto se movia; em seguida, corria resoluto em direção ao cavalete acrescentando uma nova e precisa pincelada. Desenhava com pincel grosso, carregado de tinta, construindo a figura a partir do fundo, em movimentos amplos. Um colega descreveu-o pintando "volumes grandes e esparsos, sem se preocupar com feições ou requintes formais. Num segundo estágio congregava, por fim, as massas de luz e sombra, imprimindo forma à figura".
Sargent aconselhava o mesmo procedimento aos alunos das escolas da Academia Real. Enfatizava a importância de cultivar sempre o poder de observação. E, numa frase que sugere algo da própria força que o movia, exortou-lhes: "Acima de tudo, viajem ao exterior, vejam a luz do sol e tudo o que há para ser visto...".