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Rafael Sanzio também conhecido por Rafaello Santi ou Rafaello Sanzio, foi um perfeito artista do Renascimento. Afável, sereno e encantador como homem, era pintor de qualidades insuperáveis. Viveu em busca da beleza ideal, inspirando-se nos conceitos artísticos da Antiguidade Clássica. Sem ser tão inovador como Leonardo ou revolucionário como Michelangelo, pode-se dizer que superou a ambos no que se refere à perfeição das linhas, beleza do colorido e harmonia das composições. Rafael está intimamente associado ao lugar onde nasceu, Urbino, mas criou a maior parte de sua obra — as belas madonas e os surpreendentes afrescos — em Florença e Roma, sendo reconhecido como um dos maiores artistas de sua geração. A doença, porém, atingiu-o no auge da fama, vindo a falecer no dia de seu aniversário, em 6 de abril de 1520, quando completava 37 anos.

Uma Vida de Serena Luminosidade

A genialidade de Rafael se aliava a um encanto irresistível enquanto

homem. Tranqüilo mas sempre ávido por novos desafios,

encarava o trabalho e a própria vida com a serenidade dos vitoriosos.

Raffaello Sanzio — Rafael — nasceu a 6 de abril de 1483 no ducado de Urbino, região central da Itália. Pouco se sabe de sua mãe, Magia Ciarla, mas seu pai, Giovanni Santi, foi poeta e pintor, tendo sempre trabalhado na sofisticada e próspera corte de Urbino. A estabilidade política fez com que o governo do Duque Federico de Montefeltro incentivasse o desenvolvimento das artes na cidade. Era, portanto, um ambiente artisticamente receptivo e estimulante, que se revelou de suma importância para a formação de Rafael.

ÓRFÃO AOS 11 ANOS

Rafael era uma figura meiga e simples por natureza. Tendo sido criado desde a mais tenra infância dentro da corte de Urbino, teve oportunidade não só de adquirir cultura, como também de entrar em contato com patronos influentes. Supõe-se também que o jovem Rafael tenha assistido o pai no trabalho e, embora o talento de Giovanni fosse limitado, a atmosfera artística em que viviam estimulou o desejo do rapaz de se tornar pintor.

Em 1491, a mãe de Rafael morreu. Três anos mais tarde, falecia também o pai, deixando-o órfão aos 11 anos. Ficou sob a tutela de um tio, um padre de nome Bartolomeo.

Não existem registros sobre os seis anos seguintes da vida de Rafael. Mas sabe-se que, pelo início de 1500, deixou Urbino, indo para Perugia trabalhar no estúdio de Pietro Perugino. A obra de Perugino — quase sempre mal avaliada nos dias de hoje — despontava naquela época (final do século XV) como uma das mais significativas da arte italiana. Quando Rafael chegou a Perugia, seu mestre estava pintando uma série de afrescos para o Collegio del Cambio (Associação .de Banqueiros), e Rafael deve tê-lo ajudado nessa tarefa. Mas já era um artista independente, trabalhando por vezes com seu conterrâneo Evangelista di Piandimeleto.

Permaneceu com Perugino por quatro anos ou mais, pintando altares e retábulos para igrejas de Perugia e da vizinha Città di Castello. Continuava, porém, ligado à corte de Urbino, criando belos e estranhos painéis de temas sacros para o Duque Guidobaldo da Montefeltro.

As aspirações de Rafael eram, porém, bem maiores. Sua carreira foi desde o início marcada por um ávido desejo de aprender, de assimilar novas idéias. Sem se deixar ofuscar pelo renome que já desfrutava em Urbino, decidiu desvendar horizontes mais amplos, partindo para Florença — a capital artística do Renascimento. Chegou no outono de 1504, aos 21 anos de idade. A experiência em Florença foi estimulante para o jovem artista, porque foi um período de importantes acontecimentos na capital da Toscana: a estátua em mármore do Davi de Michelangelo tinha acabado de ser instalada em frente à sede da Prefeitura, e Leonardo da Vinci trabalhava na Batalha de Anghiari para a Câmara do Conselho.

FLORENÇA E ROMA

Rafael respondeu avidamente ao desafio desse novo ambiente. Estimulado pela experiência dos desenhos de Leonardo, começou a exercitar-se no tema da Virgem com o Menino, produzindo a primeira das belas madonas que o celebrizaram. Juntamente com alguns eventuais retratos, essas madonas compunham quase todo o trabalho que executou por encomenda durante os quatros anos vividos em Florença.

EM 1508, Rafael foi incumbido de uma tarefa que iria mudar o curso de sua carreira — e de sua vida: a decoração dos aposentos papais (as Stanze) para o Papa Júlio II. No ano anterior, o pontífice, indignado, decidira que não poderia mais morar nos apartamentos dos Borgia, convivendo com os afrescos claramente autopromocionais encomendados por seu antecessor, Alexandre VI. Assim sendo, Júlio II convocou uma equipe de artistas para decorar quatro salas do segundo andar do palácio do Vaticano.

stanze resize 92d6bStanza

Essa equipe era integrada, entre outros, por Bramantino, de Milão, e por Perugino. Rafael logo seria também convocado e, já em 1509, era nomeado pintor oficial da corte pontifícia. O trabalho estava em andamento quando Rafael foi chamado a assumir a inteira responsabilidade pela decoração. Isso significava que teria o direito de pintar sobre o trabalho já realizado. Mas, num ato de extrema delicadeza, deixou intacta no teto a pintura feita por seu mestre, Perugino.

Ainda hoje é um tanto incompreensível como Rafael, com sua pouca experiência em afrescos e sem nunca ter criado obras de grandes dimensões, pôde ter sido encarregado de empreendimento tão grandioso. O fato é que a ligação entre Rafael e o papa, que soube avaliar o gênio do artista, resultou numa série de afrescos que se incluem entre as mais surpreendentes criações do final do Renascimento. A decoração da primeira sala, a Stanza della Segnatura (o local onde eram assinados os documentos oficiais), ocupou Rafael pelo período de três anos, ou seja, de fins de 1508 até 1511, e firmou sua reputação como o mais importante pintor de Roma.

O AUGE DO PRESTÍGIO

Em 1511, Rafael executou o primeiro dos inúmeros trabalhos encomendados por Agostino Chigi, abastado banqueiro de Siena, amigo íntimo e conselheiro de Júlio II.

Entre 1508 e 1511, esse homem requintado, de grande poder e influência, mandara construir uma suntuosa vila, a cargo do arquiteto Peruzzi, fora das muralhas de Roma. Para valorizar ainda mais sua propriedade, Chigi pediu a Rafael para pintar um afresco na loggi a do jardim de sua residência. Foi assim que criou O Triunfo de Galatéia, tela vagamente inspirada numa cena da mitologia clássica. A qualidade e o sucesso desse afresco levaram Chigi a encomendar uma série de outros trabalhos, incluindo o projeto para sua própria capela mortuária na Igreja de Santa Maria del Popolo.

A disposição de Rafael para o trabalho era algo impressionante. Quase simultaneamente (meados de 1511), iniciava os trabalhos no segundo dos aposentos de Júlio II — a Stanza d'Eliodoro. O papa não viveu o suficiente para ver o trabalho concluído, morrendo em fevereiro de 1513. Mas a perda desse poderoso patrono não alterou o curso da carreira de Rafael, uma vez que seu sucessor, o requintado e generoso Leão X, logo reconheceu seu talento. A Stanza d'Eliodoro foi completada sob os auspícios do novo papa, que imediatamente contratou Rafael para outros projetos.

stanza di eliodoro resize 69f48Stanza d'Eliodoro

Estava no ápice de sua carreira. Em agosto de 1514, foi nomeado arquiteto oficial do papa, sucedendo a seu amigo e conterrâneo Bramante. Logo assumiu a responsabilidade de dar prosseguimento aos projetos de construção da Basílica de São Pedro. A designação para o cargo era consagradora e representava mais um desafio que ele confiantemente aceitava. Ao mesmo tempo, era contratado para decorar uma terceira câmara no Vaticano, a Stanza dell'Incendio. Trabalhava em ritmo acelerado e com determinação — uma característica do gênio e da personalidade de Rafael. Simultaneamente produzia a mais célebre de suas madonas, a Madona da Cadeira, e continuava ativo retratista. Por essa época, escrevia a seu tio Simão: "Penso que meu patrimônio em Roma está valendo 3 000 ducados de ouro; tenho uma renda anual de 50 escudos e, como arquiteto da Basílica de São Pedro, outros 300 ducados; além disso, cobro o que quero por meus trabalhos". Não tardou a surgir uma proposta de casamento.

madonna da cadeira resize 9a2c9Madona da Cadeira

Foi ainda em 1514 que o influente Cardeal Bibbiena ofereceu-lhe sua sobrinha, Maria, como esposa — uma clara indicação do status e da popularidade de Rafael junto à corte papal. Sem querer ofender Bibbiena, Rafael concordou relutante, mas sempre adiava o enlace, e Maria acabou morrendo antes que o matrimônio fosse realizado.

Famoso por seu encanto pessoal, por sua serenidade e doçura, Rafael manteve inúmeros envolvimentos amorosos, embora a ligação mais duradoura pareça ter sido com uma cortesã, a lendária Fornarina.

ACÚMULO DE COMPROMISSOS

Em 1515, Leão X nomeou Rafael como superintendente das ruas e antiguidades de Roma, que o fazia responsável pela reurbanização e preservação da cidade. Na busca dos requeridos para a edificação da basílica, o papa decidiu aproveitar fragmentos de mármore obtidos em escavações arqueológicas. Para assegurar-se de que nenhum fragmento contendo inscrições clássicas fosse destruído, o papa decretou que os trabalhos de escavação fossem realizados na presença de Rafael. Além dessa tarefa, que ele levou adiante com desenvoltura, assumiu um projeto de reconstrução da planta da cidade, tal como era no período imperial. Era um trabalho gigantesco, que, juntamente com o projeto de construção da Basílica de São Pedro, acabou por desviar a atenção de Rafael da pintura. Mesmo assim, ainda encontrava tempo para desenhar os cartões que serviriam de modelo para a elaboração de uma série de dez tapeçarias encomendadas por Leão X para enfeitar as paredes da Capela Sistina.

pesca milagrosa rafael resize 34606Pesca milagrosa

Em vista do acúmulo de compromissos, Rafael começou gradualmente a delegar trabalhos a assistentes. De fato, a decoração da Stanza dell'Incendio, realizada entre 1514 e 1517, foi, em sua maior parte, feita por Giulio Romano e Gianfrancesco Penni, a partir de um projeto original de Rafael. E o último trabalho que fez para Chigi — uma série de afrescos para a abóbada da segunda loggia de sua villa — foi inteiramente elaborado por seus assistentes, embora o projeto do desenho fosse certamente de Rafael.

O ARTISTA CRITICADO

Os rivais de Rafael rapidamente começaram a apontar a qualidade inferior desse trabalho. Em janeiro de 1519, logo depois de concluída a Loggia de Cupido e Psique, como foi denominada, Leonardo Sellaio escreveu a seu amigo Michelangelo que essa obra era "uma vergonha para o grande artista". Até mesmo o célebre arquiteto Giorgio Vasari notou que os afrescos não possuíam a graça e a suavidade de características de Rafael, "porque haviam sido pintados por outros, a partir de desenhos de Rafael".

Apesar disso, quando Rafael voltou a pintar, provou que seu talento ainda estava vivo. Em 1517, foi contratado pelo Cardeal Giulio de Medici para pintar um painel sobre o tema da Transfiguração para a Catedral de Narbonne, na França. O trabalho não estava perfeitamente acabado, quando Rafael morreu. Mas, quando o painel foi desvelado sob a aclamação unânime do público, confirmou-se a genialidade do artista.

transfiguration raphael resize e206bTranfiguração

A Transfiguração foi a última grande obra de Rafael: na primavera de 1520 ele adoeceu. Muito embora Vasari tenha escrito, não sem uma ponta de moralismo, que a debilitação da saúde do artista se devia a excessos na vida amorosa, parece que ele contraiu uma febre fatal. Morreu, prematuramente, no dia de seu aniversário — 6 de abril de 1520 —, ao completar 37 anos. A seu pedido, foi enterrado no Panteão, templo da Roma Antiga, de arquitetura clássica, que ele admirava muito. Era uma Sexta-Feira Santa — coincidência que acentuou ainda mas o pesar reinante.

A Procura da Beleza Ideal

Rafael promoveu uma revolução suave, compatível com a serenidade de

seu temperamento: inspirando-se no legado da Antiguidade

Clássica, fixou na arte a tendência à busca da beleza ideal.

Nos dias de hoje, Rafael é lembrado sobretudo como o pintor das madonas. Suas belíssimas variações sobre o tema da Virgem com o Menino constituem, de fato, um dos pontos mais altos de sua arte. Mas a essência da técnica e do estilo de Rafael reside na habilidade em descrever os mais variados tipos, desde a jovem Virgem recatada até imponentes figuras humanas.

O ponto comum é o equilíbrio harmonioso das formas e a busca da beleza ideal. O resultado: uma arte nobre e elegante, que oscila entre o majestático e a graciosidade contida.

De acordo com alguns estudiosos, o gênio de Rafael repousa na fértil inventividade, quase sem paralelos na história da arte. Com absoluto domínio dos aspectos técnicos da pintura, Rafael criou uma variedade de figuras que expressam com perfeição o caráter do retratado.

Foi basicamente essa virtuosidade que transformou Rafael no artista ideal para a corte. Em seu Livro do Cortesão, Baldassare Castiglione, escritor italiano da época, sugere que o homem da corte deveria realizar-se em todas as atividades, e não sobressair apenas num campo, em detrimento dos outros. A arte de Rafael pode ser vista como o equivalente em pintura desse ideal renascentista. Sua silenciosa mestria em qualquer segmento da pintura e seus hábitos refinados asseguraram-lhe não só popularidade junto àqueles que compartilhavam dos ideais de Castiglione, como também refletem o universo sofisticado em que vivia.

Rafael criou seu estilo pelo esforço de observação e assimilação, no estudo constante da obra de outros artistas e na adaptação das diversas influências recebidas — sempre sabiamente filtradas. Os desenhos de Rafael incluem algumas poucas cópias "literais" dos trabalhos de outros artistas. Assim, os motivos que o inspiravam eram apenas o ponto de partida para suas próprias criações. Quando chegava a desenhá-los, já haviam sofrido inúmeras transformações, de acordo com as necessidades expressivas do momento.

No início da carreira, Rafael aprendeu muito com Perugino, sobretudo em termos de estrutura. Os grupos de figuras cuidadosamente equilibradas que aparecem em Esponsais da Virgem, por exemplo, evidenciam claramente os traços da famosa Doação das Chaves de Perugino. Também seguia a técnica de Perugino ao imprimir variedade às figuras pelo movimento contrastado das cabeças, pela luminosidade e pelo tom sereno.

esponsais da virgem rafael1 resize 05702Esponsais da Virgem

INFLUENCIA DE LEONARDO

Uma vez em Florença, Rafael logo deixou de lado o estilo de Perugino. Quase imediatamente, seus trabalhos começam a denotar a influência de Leonardo da Vinci, tanto pela leveza dos traços como pela crescente complexidade das composições. Mas a lição mais importante que Rafael aprendeu com Leonardo foi descobrir que as emoções devem ser expressas no corpo como um todo.

Os frutos dos anos florentinos logo se evidenciaram em suas pinturas para a Stanza della Segnatura, no Vaticano. Aqui, pela primeira vez, Rafael revelou sua capacidade de descrever toda uma gama variada de emoções e tinos humanos. Em A Escola de Atenas e em A Disputa do Sacramento, pessoas de todos os tipos e idades se movem e reagem numa infinita variedade de gestos harmoniosos.

escola de atenas rafael resize b4948Escola de Atenas

Rafael conseguiu atingir esse equilíbrio na variedade pela intensa e esmerada elaboração prévia de suas obras. Pois a quantidade de esboços e desenhos de Rafael é imensa.

Para os projetos de maior envergadura fazia desenhos de cada estágio da composição, de rápidos esboços de cabeças e mãos até detalhados estudos do drapejamento dos tecidos. E, com freqüência, os grupos de pessoas eram desenhados e redesenhados.

A GRACIOSIDADE NATURAL

Além do aspecto sistemático do trabalho, as qualidades que mais impressionavam seus contemporâneos eram a aparente naturalidade e a espontaneidade de sua obra. A Escola de Atenas e A Disputa do Sacramento não deixam transparecer a preparação elaborada nem o planejamento que precederam sua criação. Essa aparente facilidade foi considerada a marca suprema da arte de Rafael. A verossimilhança também é algo que surpreende. O visitante que entra na Stanza terá a impressão de estar numa sala rodeado por seres humanos reais.

Mas não eram apenas as figuras que os visitantes admiravam nas Stanze de Rafael. As composições de fundo e a variedade de "efeitos especiais" eram objeto do mesmo enlevo. Ao comentar A Libertação de São Pedro, por exemplo, Vasari observou que Rafael "descreveu tão habilmente o jogo de sombras, o fulgurante reflexo das luzes, assim como a luminosidade vaporosa da tocha em contraste com a atmosfera sombria, que se pode afirmar que ele é o mestre de todos os pintores.

libertacao de san pedro resize 1dbdfLibertação de São Pedro

Em seus últimos trabalhos, as figuras humanas adquirem vigor e solidez, provavelmente refletindo o impacto das grandiosas figuras de Michelangelo. Esse processo de 'assimilação está mais bem ilustrado em A Transfiguração. Aqui podemos encontrar ecos dos gestos animados e dos rostos de Leonardo, as majestosas figuras de Michelangelo e as formas nobres da escultura clássica. No entanto, a combinação desses elementos — o resultado — é puro Rafael, com sua incomparável capacidade narrativa. Rafael, síntese do Renascimento e expressão plena do humanismo na arte.