Ele criou algumas das telas mais encantadoras da arte impressionista. Treinado como pintor de porcelana, passou de artesão a artista aos 19 anos de idade. Durante sua longa carreira, e a despeito das várias mudanças de estilo, suas telas sempre evocaram um mundo despreocupado e sonhador, cheio de cores e luz da alegria popular. No início, enfrentou críticas e zombarias, mas, aos 40 anos, já era famoso como pintor de retratos da sociedade. Foi também quando se casou. Teve uma vida familiar feliz e, apesar do sofrimento infligido pelo reumatismo que o aleijou na velhice, pintou até morrer, aos 78 anos.
A Plena Capacidade de Viver
A vida de Renoir foi longa e feliz. Alegre e generoso por natureza,
sempre cativou aqueles que o cercavam. Corajoso também,
nunca se deixou derrotar, nem mesmo pela doença que o aleijou.
Pierre-Auguste Renoir nasceu em Limoges região central da França — em 25 de fevereiro de 1841 e teve quatro irmãos. Seu pai, Léonard, era alfaiate; a mãe, Marguerite, costureira. A família mudou-se para Paris quando ele estava com 4 anos.
Embora fossem pobres e todos trabalhassem muito, Renoir teve uma infância feliz, marcada pela descoberta de que era dono de uma bela voz. Aliás, o compositor Charles Gounod quis lhe patrocinar uma educação musical completa, conseguindo para ele um lugar no coral da Opera de Paris. Mas, embora só tivesse 13 anos, Renoir sabia que "não havia sido feito para isso". E, ao contrário, aceitou uma oferta de trabalho numa fábrica, como pintor aprendiz, para decorar porcelana.
Demonstrou-se tão habilidoso que logo o apelidaram de "Senhor Rubens". Pouco depois recebia a incumbência de pintar o perfil de Maria Antonieta em delicadas xícaras de porcelana branca. Trabalhou nessa pequena fábrica durante cinco anos, até que a técnica da pintura a mão ficou obsoleta com a criação do processo mecânico de estamparia em louça. Este foi seu primeiro contato com a máquina e bastou para colocá-lo em definitivo contra a produção em massa e a padronização da vida.
PERCORRENDO O LOUVRE
Enquanto permaneceu na fábrica, Renoir visitava as galerias de arte do Louvre durante as suas folgas do almoço. Apaixonara-se pelas estranhas pinturas do século XVIII sobre as festas da corte, pintadas por Watteau, Boucher e Fragonard, assim como pelas dramáticas e coloridas telas de Delacroix. Mas, como depois diria a seu filho Jean, sua maior inspiração foi uma magnífica escultura do século XVI, A Fonte dos Inocentes. Finalmente, depois de pintar durante um ano alguns quadros obscuros e murais, decidiu ser artista.
Em 1862, aos 21 anos de idade, Renoir inscreveu-se na Escola de Belas-Artes e foi aprovado logo no primeiro exame. Achava que tinha sorte; na verdade, tinha talento.
Também passou a freqüentar o estúdio de Charles Gleyre, uma escola particular de pintura, bastante respeitada em Paris. Apesar de acadêmico, Gleyre reforçava a importância de se desenhar ao ar livre. Essa característica, assim como o admirável grupo de alunos que freqüentava sua academia, marcou profundamente a carreira de Renoir.
Entre eles estavam Claude Monet, Alfred Sisley e Frédéric Bazille, por intermédio de quem Renoir conheceu Edgar Degas e Edouard Manet, além de escritores e críticos em evidência. Formaram um grupo que se encontrava regularmente nos cafés, para discutir suas teorias: desse modo começaram a emergir as primeiras idéias do que seria o Impressionismo.
Renoir trabalhava com Monet na Floresta de Fontainebleau, a 60 quilômetros de Paris — um dos locais preferidos pelos parisienses para seus passeios domingueiros e preferido também pelos escritores e pintores: tanto a população que o freqüentava como sua natureza exuberante serviam de tema para suas criações.
Além de Fontainebleau e de suas pequenas vilas vizinhas, como Barbizon e Chailly, surgiram outros agrupamentos, ao norte de Paris, ladeando o rio Sena, que atraíam os entusiastas das regatas e cuja paisagem também se imortalizou na arte: entre outras, Argenteuil, Bougival, a ilha de Chatou ep balneário La Grenouillère. Ali os freqüentadores se banhavam, organizavam-se alegres reuniões nos cafés ao ar livre, alinhados ao longo do rio, e nas embarcações. A festa permanente de Paris se espalhava. "Como se ria naquele tempo", diria Renoir mais tarde; "as máquinas ainda não tinham tomado as vidas por inteiro, havia tempo para viver e nós o fazíamos da melhor forma!"
Nesse clima, pouco a pouco Renoir definia um estilo próprio. E do trabalho em conjunto com Monet resultariam telas hoje conhecidas como as primeiras pinturas do Impressionismo.
Mas os tempos não eram só de festa: eles viviam em dificuldade financeira. Renoir, ao menos, recebia alguma ajuda de sua família, dividindo-a com Monet. Mas nenhum deles tinha dinheiro para tintas ou telas, e, se conseguiam comprar algum material, é porque Bazille contribuía com uma parcela de sua pequena renda. Em 1866 Renoir apresentou-se para o Salão oficial, mas seu quadro (A Hospedaria da Mãe Anthony) foi rejeitado. Dois anos depois ele conseguia ser aceito com Lise.
UM HOMEM ADORAVEL
Em 1870, a guerra franco-prussiana veio interromper esse período de intensa criação artística. Renoir foi convocado, mas, logo que pôde, voltou a Paris, ali chegando em 1871. E mesmo no período da Comuna continuou a pintar. Seu grupo voltaria a se reunir em 1874, embora sem Bazille, morto em combate. Por intermédio de Monet, Renoir conheceu Paul Durand-Ruel, o primeiro marchand que apoiou os impressionistas e que aceitou trabalhar com suas obras: logo Renoir venderia o suficiente para que pudesse alugar um estúdio na Rue Saint-Georges.
Este estúdio, que ocuparia por mais dez anos, tornou-se importante ponto de encontro para o grupo dos impressionistas e seus companheiros. O irmão mais novo de Renoir, Edmond, já despontava como escritor e crítico notável, e, como morava no andar inferior, esse ponto de encontro ampliou-se ainda mais. As vezes, Renoir precisava sair para se isolar um pouco e poder trabalhar em paz. Nessa época, o Impressionismo já havia firmado suas bases. Embora sem nome ainda, já se sabia qual era sua proposta: uma impressão momentânea, roubada ao tempo e ao espaço, percebida na conjunção de manchas coloridas; climas, atmosferas, fragmentos da vida que — sabe-se, sente-se — logo retomaria seu ritmo normal; enfim, o instante, em oposição ao eterno, ao imutável. Para os impressionistas o mundo era exatamente este — o das ruas reluzentes, da luz, da vida cotidiana, que a fotografia imobilizava no tempo. Por isso, os jovens pintores se uniram e decidiram se rebelar contra a mumificação da arte oficializada nos salões. Por isso, também, sentiram-se atraídos pela fotografia e se aproximaram de Nadar, famoso fotógrafo parisiense que os apoiou, cedendo, inclusive, seu estúdio para exposições.
Em 1874 inaugurou-se a primeira exposição dessa pintura jovem, realizada pelo grupo que, pomposamente, se intitulava Sociedade Anônima dos Artistas, Pintores, Escultores e Gravadores. Mas o público zombou, indignado diante daquelas manchas coloridas. Assim, na década de 1870, o, trabalho de Renoir, tal como o dos outros impressionistas, além de mal recebido pelo público, foi ignorado, senão ridicularizado pelos críticos acadêmicos. Mas, aos poucos, e depois de várias exposições, o público já não zombava tanto, sentia mais. E, de repente, começou a se encontrar: cada um por si, se via, ou passando um pacato fim de semana às margens do Sena, ou num camarote de teatro, ou dançando alegremente num baile.
Um desses novos admiradores elegeu Renoir como seu favorito, iniciando uma coleção de suas obras. Este fato trouxe maior confiança ao pintor, embora modificasse pouco sua situação: ele ainda dependia das comissões sobre os retratos -que pintava por intermédio do Salão oficial, até que famílias abastadas da classe média, como os Charpentier e os Bérard, tornaram-se suas clientes, possibilitando que ele continuasse a pintar as cenas parisienses e mesmo retratos de amigos ou, ainda, de gente anônima.
Já era, então, famoso.
UM TEMPERAMENTO VITAL
Figura esbelta, de conduta simples, adorável, Renoir inspirava extraordinária afeição entre seus amigos — a quem ele devotava imensa lealdade e afeto com gestos generosos.
Durante todo esse tempo, não se casara, apesar de alguns romances. Rejeitava a idéia de casamento como um obstáculo que o afastaria de seu objetivo principal — a pintura.
Mas, quando se aproximava dos 40 anos, conheceu Aline Charigot, quase vinte anos mais jovem que ele. Seu relacionamento se aprofundou durante o verão de 1881, enquanto Renoir trabalhava na que seria urna das obras-primas do Impressionismo, O Almoço dos Remadores, em que ela foi um dos modelos.
Embora se amassem muito, esse romance seria interrompido. Renoir vivia uma crise em sua pintura e, a despeito da sugestão de Aline para que se retirassem para sua pequena casa na Borgonha, ele relutava em deixar Paris e temia a perspectiva de filhos. Aline, então, pôs fim a tudo.
Renoir começou a viajar: primeiro foi para a Normandia; em seguida, Argélia — país que ele associara a Eugène Delacroix —; depois foi para a Espanha e a Itália, estudar os mestres do passado: Velázquez em Madri, Ticiano em Veneza, Rafael em Roma — e os murais de Pompéia.
Renoir, porém, não conseguia esquecer Aline e voltou a Paris para casar-se com ela. Esta seria uma união harmoniosa, duradoura e extremamente feliz. Aline lhe deu paz de espírito, filhos e, conforme ele mesmo disse, "tempo para pensar. Ela criou uma atmosfera de atividade a meu redor exatamente do tamanho de minhas necessidades e preocupações".
Renoir adora a esposa e modelo: descobre as formas opulentas de Aline, delicia-se com a plástica de seu corpo. Ousado, retrata-a nua em A Banhista Loira (1881) — como que despindo uma madona de Rafael. E também adora a vida em familia. Tem três filhos, trabalha muito, vende muito, é alegre e mantém uma vida social descontraída.
Cheio de vitalidade, pinta, viaja, pratica esporte. Em 1904, uma retrospectiva de sua obra acaba por consagrá-lo definitivamente. Mas um pequeno acidente em 1897 — a queda de uma bicicleta lhe quebra um braço — teria sérias conseqüências. Um ano depois recrudescia o reumatismo que lentamente iria aleijá-lo. Só não o impede de pintar: seu temperamento, sua vitalidade jamais fariam dele um derrotado. E tinha Aline e os amigos, que reforçavam sua determinação.
Em 1907, Renoir muda-se com a família para Cagnes, na Riviera Francesa. Les Collettes, como a chamou, era uma bela propriedade, cercada de oliveiras e de laranjeiras. E diante de si Renoir tinha o azul profundo e único do Mediterrâneo. A luz intensa e o clima descontraído amenizam suas dores e liberam um fluxo criativo expresso em estilo quase clássico e cheio de cores.
Mas em 1908 já precisa de bengala para caminhar; quatro anos depois seus braços se paralisam, e ele se vê confinado a uma cadeira de rodas. Mesmo assim, continua a pintar e só pára — temporariamente — quando Aline morre, em 1915. Durante seus últimos anos de vida; Renoir também faz algumas esculturas, tendo dois jovens ajudantes como seus braços; mas, sobretudo, pinta. Trabalhava num estúdio envidraçado em seu jardim, com o pincel amarrado nos dedos, sentado em sua cadeira de rodas: sereno e, apesar de tudo, vital. Um dia, depois de pintar algumas actínias (anêmonas-do-mar) que uma criada lhe trouxe, Renoir pede a um amigo que lhe retire o pincel dos dedos e comenta: "Acho que estou começando a entender alguma coisa sobre isto".
Morre naquela noite, 3 de dezembro de 1919.
Porque não Pintar a Alegria?
Na pintura, uma forma de expressar seu prazer pela vida: Renoir retratou seus
amigos, seus amores, as festas populares, enfim, a alegria de seu tempo,
explorando com profunda sutileza os contrastes entre luminosidade e sombras.
"Por que a arte não pode ser bonita?", perguntou Renoir certa vez. "O mundo já tem muitas coisas desagradáveis." Aqui se resume sua atitude em relação à pintura e à vida, já que ele mesmo tinha uma incrível capacidade para a alegria, e sua arte expressava esse prazer de viver. Renoir só trabalhava quando estava feliz e escolhia temas que considerava atraentes: paisagens exuberantes, pessoas se divertindo, frutas, flores, crianças brincando, festas, bailes e mulheres bonitas.
Embora pareça natural hoje, a escolha de seus temas foi radical e corajosa para a época. O mundo das artes em Paris ainda era dominado pelo Salão oficial, que preferia exibir obras sobre temas históricos e literários, pintadas academicamente. Apenas nos últimos anos é que os artistas jovens, como Gustave Courbet, tinham se voltado para os temas do cotidiano — que, na verdade, diziam muito de uma França em constante transformação.
Renoir logo descobriu que estava muito mais interessado na vida das esquinas do que nos exercícios habituais de copiar os gessos das antigas esculturas. Seu professor não conseguia persuadi-lo de que o dedão de um cônsul romano deveria ser mais importante que o dedão de um mineiro local. Um dia, exasperado, Gleyre lhe disse: "Sem dúvida, você escolheu a pintura apenas para se divertir". Renoir respondeu: "Certamente. Se não me agradasse, não o faria".
OS ANOS IMPRESSIONISTAS
Enquanto estudava no estúdio de Gleyre, Renoir aproximou-se de um grupo de colegas liderado pela personalidade dinâmica de Claude Monet. Juntos, pintaram as paisagens de Fontainebleau, trabalhando ao ar livre. Renoir, muito impressionado com Courbet, usava tons de marrom e preto em suas obras. Um dia, porém,
o pintor Narcisse Diaz aproximou-se dele e lançou a questão: "Por que, afinal, você pinta com tons escuros?" Isso despertou Renoir, encorajando-o a utilizar tonalidades mais claras, cores do arco-íris que ele havia aprendido a manejar logo no início de sua vida, quando pintava em porcelana.
Durante o final da década de 1860, Monet e Renoir trabalhavam muito próximos, já que ambos se sentiam atraídos pelas cenas de rio e pela vista esfuziante de Paris. Por isso mesmo, muitos quadros seus dessa época retratam cenas idênticas.
Como pintavam ao ar livre, não podiam controlar a luz e, certamente por isso, imprimiam um ritmo mais veloz a seus trabalhos, um ritmo diferente do habitual entre as quatro paredes de um estúdio, com o modelo à disposição. Sua pintura tornou-se mais rápida, sem os detalhes de acabamento da pintura acadêmica. De confecção mais simples, era feita de manchas justapostas que, em seu conjunto e à distância, adquirem forma, volume, expressão e uma infinidade de matizes.
Embora também gostasse de paisagem, Renoir não escondia sua preferência em pintar gente. E o que buscava num modelo era sobretudo "um ar de serenidade" e uma pele que captasse a luz.
Durante os anos impressionistas, Renoir desenvolveu com raro talento sua admiração pelo efeito da luz que, passando entre a folhagem, cai em sombras espalhadas pelo chão e sobre as formas humanas. Em seu quadro Le Moulin de La Galette, uma composição complexa, utilizou essa luz, que passa entre as árvores, para unir as figuras com seu ambiente. Mesmo que tenha elaborado o quadro no estúdio, diariamente visitava o local — um salão de baile em Montmartre —, mergulhando na vida local e desenhando ali mesmo.
Na década de 1870, Renoir expôs junto com os impressionistas, mas ao mesmo tempo submetia suas pinturas ao Salão oficial. Enquanto o pintor Camille Pissarro, seu amigo anarquista, queria atear fogo ao Louvre, Renoir era visitante assíduo de suas galerias.
MUDANÇAS DE ESTILO
No início, Renoir não via contradições entre a insistência dos impressionistas em pintar diretamente da natureza e seu reverente estudo dos grandes mestres do passado.
Mas, em 1883, quando voltou de uma viagem à Itália, já não conseguia conciliar as duas posturas. Absorvendo suas impressões das viagens, modificou seu modo de pintar.
Foi sobretudo o contato com as obras de Rafael que contribuiu para que se modificasse sua posição em relação à forma. E suas figuras ganharam contornos precisos, seus corpos não mais se fundindo com o sol, com a folhagem. Essa alteração — que no fundo o aproximou dos cânones oficiais —, juntamente com a fama que alcançara, talvez tenha contribuído para a aquisição de um quadro seu pelo governo. Honra rara. Mas Renoir já não era famoso só na França. A Europa inteira o admirava, a elite de todos os países disputava suas pinturas. E, no entanto, não era nas obras daquele momento que estava o melhor e o mais característico de sua produção, como pintor impressionista, nem do ideal estético que ele tanto defendera. Renoir havia adotado um estilo severo, delimitando suas figuras com contornos duros e sinuosos. Em As Banhistas (tela de 1884), embora a paisagem seja nitidamente impressionista, as figuras femininas, de formas opulentas, remetem sobretudo a Rafael.
Mas, em 1890, esses traços nítidos e duros haviam se derretido novamente: Renoir voltou, então, a um estilo mais de acordo com seus instintos, com seu temperamento. E começou a utilizar cores mais quentes, especialmente vermelhos — talvez em conseqüência de suas antigas viagens à Argélia, onde ficara impressionado com
o calor e a luz mormacenta. Nesse período pintou seus filhos, a esposa Aline, Gabrielle (prima de Aline) e uma grande variedade de nus, todos em cores radiantes.
No final da vida, quando suas mãos se atrofiaram pelo reumatismo, Renoir não só continuou a pintar, como decidiu fazer pequenas esculturas em bronze, auxiliado por alguns ajudantes. Essas figuras arredondadas e sólidas vinham confirmar, mais uma vez, seu encanto e fascínio pelas formas humanas. "Eu nunca acho", disse ele, "que terminei um nu até sentir que posso beliscá-lo".