1834 -1903

Foi um artista singular e uma das figuras mais teatrais do século XIX. Nascido nos Estados Unidos passou grande parte de sua infância na Rússia, antes de voltar a seu país para se alistar no Exército. Sem nenhuma vocação militar, aos 21 anos foi pintar em Paris. Mas foi em Londres, onde se estabeleceu em 1859, que ganharia notoriedade.

Whistler criou um estilo ousado e original de pintura, privilegiando a harmonia da composição em detrimento do tema. Aos olhos dos vitorianos seus quadros pareciam inacabados, e o artista chegou até a processar um crítico por ter descrito seu trabalho como "um vidro de tinta lançado na cara do público". Apenas no fim da vida sua arte foi reconhecida.

UM MODO EXTRAVAGANTE DE VER A VIDA

Excêntrico no vestir-se e nas atitudes, Whistler era dotado de uma energia inabalável, apesar da aparência frágil. Via o mundo como um observador intransigente, espirituoso e sempre mordaz.

"Para começar", escreveu James Abbot McNeill Whistler num fragmento de sua autobiografia jamais concluída, "não sou inglês." Apesar de ter vivido na Inglaterra por mais tempo que em qualquer outro lugar, viajava constantemente e sempre se considerou um estrangeiro. Nasceu em 14 de julho de 1834 em Lowell, Massachusetts, e aos 9 anos foi com a família para a Rússia. Seu pai, o major George Washington Whistler, renunciou à sua patente militar para fazer uso de seus conhecimentos como engenheiro civil. Assim, em 1843, transferia-se com mulher e filhos para São Petersburgo para trabalhar como engenheiro do czar, encarregado das construções ferroviárias. Viveram ali como bons burgueses: o jovem Whistler costumava patinar no rio Neva, aprendia francês com o tutor sueco e desenvolveu uma paixão por paradas militares e exibições de fogos de artifício.

Noturno em negro e ouro

MILITAR OU DANDI?

Em 1845, quando contava 10 anos de idade, Whistler começou a frequentar as aulas de desenho da Academia Imperial, e um ano mais tarde despontava como o primeiro da classe. Mas, no verão de 1848, sua mãe, temendo os efeitos de um novo inverno russo, levou a família para Londres. Em abril do ano seguinte, uma nova mudança: seu pai morreu de cólera e a família se viu forçada a retornar aos Estados Unidos.

A mãe, Anna Mathilda, era uma mulher extremamente piedosa e puritana, e alimentava a esperança de que o filho se tornasse ministro protestante. O jovem, no entanto, não possuía a menor vocação para a vida religiosa. A carreira artística estava fora de cogitação. Foi então que em 1851, Whistler se alistou na Academia Militar de West Point. Mas também não havia sido feito para a vida militar, rebelando-se contra a severa disciplina. E quando, três anos mais tarde, fracassou num exame de química, foi dispensado do Exército.

Determinado a tornar-se um artista, em 1855 Whistler seguiu viagem com destino a Paris. Na capital francesa ingressou no curso livre de pintura do estúdio de Charles Gleyre, tornando-se um entusiasta da pintura realista de Gustave Courbet. Foi por essa época que despontou na sociedade parisiense como dândi e como uma figura espirituosa, de muita verve e grande senso de humor. Fisicamente era magro e de baixa estatura. De aparência frágil, era, no entanto, animado por incansável energia. O cabelo, do qual sempre se envaideceu, era fino e encaracolado, com uma curiosa mecha branca na fronte. Suas roupas eram invariavelmente excêntricas: em Paris costumava andar com um chapéu de palha de abas largas enfeitado por uma fita, monóculo, terno branco e sandálias de couro. Suas atitudes eram sempre, no mínimo, teatrais, numa combinação de animosidade e humor corrosivo e mordaz.

Em 1859, Whistler transferiu-se para Londres para viver em meio ao conforto bem maior da casa de seu cunhado. Trouxe consigo a tela Ao Piano, que, em 1860, foi aceita pela Academia Real inglesa e elogiada por John Millais, pintor a quem muito admirava. Por essa época deslocava-se com frequência para Paris. Visitou também a Bretanha (1861) e a costa mediterrânea (1862), onde trabalhou em conjunto com Courbet. Retornando a Londres, desentendeu-se com o cunhado e adquiriu um estúdio próprio. Foi então que passou a trabalhar sobre um tema que se tornaria recorrente em sua obra: o rio Tâmisa. Começou também a trabalhar com a modelo que seria sua companheira durante os sete anos seguintes — Joanna Heffernan, conhecida como Jo. Whistler alugou uma casa defronte ao Tâmisa e ali os dois viveram até 1863, quando a mãe do pintor foi para a Inglaterra e Jo se viu forçada a se transferir para um quarto nas redondezas.

Whistler firmava-se, então, como um artista de grande originalidade e como uma das mais extraordinárias personalidades de seu tempo. Tornou-se amigo de um vasto círculo de pintores e escritores londrinos, tendo especial afinidade com o pré-rafaelita Dante Gabriel Rossetti, com quem compartilhava uma paixão por porcelanas azuis e brancas e objetos japoneses dos mais variados tipos. Mas, em fins de 1865, foi para Trouville, na França, para juntar-se ao seu antigo mentor, Gustave Courbet, que via chocado a Europa com sua arte rebelde.

Em 1866 decidiu de repente que sua honra como homem de West Point exigia que participasse de ações militares. Assim, detendo-se apenas para fazer um testamento deixando todo seus bens para Jo, embarcou para Valparaíso com o intuito de ajudar os chilenos, à época em guerra com os espanhóis. Chegou a tempo ver a frota espanhola bombardear a costa, e logo depois cessaram as hostilidades. Seguiu-se uma longa espera antes que encontrasse um navio que o levasse de volta. O único proveito dessa farsesca aventura foram alguns estudos do porto e algumas marinhas.

Nesse meio tempo, Jo fora levada pela pobreza a procurar trabalho em Paris, onde Courbet a retratou num quadro erótico mostrando um casal de lésbicas. Quando Whistler retornou à Inglaterra, ambos retomaram a antiga vida em comum, mas apenas por um breve período. No ano seguinte, Jo desapareceu e, a partir de então, seria raramente mencionada pelo pintor.

No plano artístico estava, na época, muito confuso, tornando-se por demais intolerante no trato com as pessoas. Aos poucos, porém, conseguiu organizar-se, tanto no plano pessoal quanto no profissional. Deu vazão a uma parcela de sua agressividade tomando aulas de boxe, e iniciou os célebres Noturnos e retratos. Apesar de a maior parte dos Noturnos não ter sido vendida, Whistler estava certo de que nessa série havia, finalmente, manifestado seu gênio de forma plena. Os retratos obtiveram um êxito bem maior e, pela primeira vez, pôde livrar-se de suas dívidas.

Ao piano

UMA NOVA AMANTE

Em 1875, sua mãe, então com 71 anos, teve que deixar Londres por motivos de saúde, e Whistler levou Maud Franklin — a nova amante — para morar com ele.

Um dos patronos de Whistler nessa época era Frederick Leyland, um armador de Liverpool extremamente rico. Em 1876, Leyland decidiu reformar sua casa de Londres. A peça mais importante que ostentava era um quadro de Whistler, e, por isso, pediu que o pintor opinasse sobre a nova decoração. Whistler sugeriu algumas alterações, e Leyland seguiu para Liverpool, dando dinheiro e carta branca a Whistler para realizar as modificações necessárias. Trabalhando febrilmente durante todo o verão, o artista cobriu as paredes, o madeiramento, as venezianas, as portas e até mesmo o teto com desenhos de pavões azuis e dourados. Era a Sala do Pavão, atualmente instalada na Freer Gallery, em Washington. Concluído o trabalho, convidou amigos, jornalistas e outros patronos para vir admirar sua obra-prima. Quando Leyland retornou, ficou furioso por sua casa ter sido aberta ao público, e pagou a Whistler apenas parte do combinado. O artista respondeu com um retrato nada lisonjeiro do armador e o relacionamento de ambos terminou. Foi um retrocesso em sua carreira.

Esse episódio foi seguido por um desastre ainda maior. Em julho de 1877, o prestigiado crítico John Ruskin — na época o mais influente da Inglaterra — condenou o Noturno em Negro e Ouro: A Descida dos Fogos, acusando o artista de "lançar um vidro de tinta na cara do público". O pintor, que jamais conseguira resistir a uma briga, processou-o imediatamente por difamação. Apesar de obter ganho de causa, os gastos excessivos com o processo o deixaram seriamente endividado, e sua reputação sofreu sensível abalo.

Em situação financeira desesperadora — estava falido —, o desconcertante Whistler vivia de maneira extravagante. Indiferente a tudo, não hesitava em oferecer sofisticados e concorridos cafés da manhã, em sua nova casa no bairro de Chelsea. Mas o inevitável aconteceu em maio de 1879, quando requereu falência, declarando dívidas no montante de 4 500 libras. Dois dias antes da venda de seus bens, que incluía a casa, ofereceu um último café da manhã, seguindo depois para Veneza para encontrar-se com Maud.

Nos meses de exílio e privações que vieram a seguir, esteve muito dependente do apoio de Maud. Em Veneza concentrou-se nas águas-fortes e, de volta a Londres em 1880, fez uma exposição que contribuiu para resgatar a fama perdida. Recebia encomendas de retratos, e uma segunda exposição contou com a presença do Príncipe e da Princesa de Gales. O reconhecimento e o respeito estavam, enfim, cruzando seu caminho. Um pequeno grupo de seguidores se reunia à sua volta. Entre eles, distinguia-se a figura do não menos espirituoso Oscar Wilde. Ambos se divertiam trocando insultos mordazes — uma forma de publicidade, pois a imprensa os reproduzia — e os dois tiveram uma relação de amizade por algum tempo.

A Princesa do País da Porcelana

WHISTLER APAIXONADO

Em 1866, enquanto Maud estava na França, Whistler mantinha contatos frequentes com Beatrix Godwin — ou Trixie, como ele a chamava —, ex-mulher de seu amigo, o arquiteto William Godwin. Viúva pouco tempo mais tarde, Trixie passou a visitar regularmente o estúdio de Whistler. Maud precipitou os acontecimentos ao posar nua para um jovem discípulo de Whistler, de nome William Stottard, e, em 11 de agosto de 1888, Whistler e Trixie se casaram. E provável que, pela primeira vez em sua vida, ele estivesse apaixonado.

O casamento parece tê-lo amadurecido e, apesar de terem ocorrido novas desavenças, no plano profissional sucederam-se êxitos e honrarias. Em março de 1891, seu retrato de Thomas Carlyle foi comprado pela Corporação de Glasgow por 1000 guinéus. A venda causou tremendo impacto no mundo da arte. Em seguida, o retrato de sua mãe foi adquirido pelo governo francês, e o artista foi condecorado com a Legião de Honra. Uma retrospectiva de sua obra foi organizada em 1892, e Whistler passou a atrair o interesse dos colecionadores.

Whistler e Trixie se mudaram, então, para Paris, vivendo numa casa especialmente decorada em seu estilo extravagante. No final de 1894, Trixie adoeceu — estava com câncer — e os dois voltaram a Londres. Whistler escreveu que a doença de Trixie fizera de sua vida "uma prolongada ansiedade e terror". Lutava para continuar trabalhando, mas a preocupação com a saúde da mulher se confundia com dúvidas acerca de sua própria capacidade criativa. E, para aliviar a frustração, entregava-se aos mais mesquinhos litígios. Trixie morreu em maio de 1896. Consumido pela dor, aos poucos Whistler se recuperou. Ainda tinha forças para lutar em mais uma causa judicial, que, ao fim de dois julgamentos, conseguiu vencer.

Mas já não tinha forças para vencer uma enfermidade circulatória que o fazia sentir frio a maior parte do tempo. No inverno de 1900 vai para o norte da África para cuidar da saúde, que, segundo declarou, fora arruinada "por viver em meio às pinturas inglesas". Vende sua residência na França, confinando-se a maior parte do tempo numa casa que alugou em Chelsea. Em 1903, depois de sofrer por algum tempo de pneumonia e de uma doença cardíaca, vem a falecer. Estava com 69 anos. Entre os poucos amigos e parentes que compareceram ao enterro, podia-se entrever uma senhora idosa: Jo Heffernan.

Sinfonia em Branco 1: A Moça Branca

EM BUSCA DA HARMONIA

Ao longo de toda sua vida Whistler absorveu influências e estilos variados, sempre buscando, porém, a harmonia das formas e das cores, o que imprimiu unidade ao conjunto de sua obra.

Como homem, Whistler revelou sempre um temperamento exuberante, agressivo e sardônico. Como pintor, porém, era o oposto, pois em suas telas se mostrava sutil, discreto e sensível. Se o alcance de sua obra foi limitado, Whistler, no entanto, se destacou como um dos mais singulares pintores do século XIX.

Eclético, Whistler recebeu formação acadêmica, mas logo se entusiasmou com a pintura realista de Courbet e Fantin-Latour. Após um breve período pré-rafaelista em que partiu para uma concepção mais idealista da pintura, aproximou-se dos impressionistas, embora rejeitasse importantes teses e práticas desse movimento. Se pintou ao ar livre, nunca usaria as cores luminosas dos impressionistas. Suas inúmeras paisagens e marinhas apontam muito mais em direção a Corot e às gravuras japonesas, de que era um ardente admirador. A influência da arte japonesa se reflete no gosto pela simplificação das linhas e na combinação harmoniosa de tons neutros, que, por sua vez, mostram uma dependência à arte de Velázquez e Van Dyck. Whistler é mais conhecido atualmente por seus óleos (paisagens e retratos, sobretudo), mas foi excelente também na litogravura e na aquarela.

Arranjo em Cinza e Negro: Retrato da Mãe do Pintor

UM APRENDIZADO NÃO CONVENCIONAL

Com exceção das aulas na Academia Imperial de São Petersburgo, o único aprendizado formal que Whistler recebeu como artista foi no Exército: em West Point estudou desenho; e, no Departamento de Cartografia Costeira, em Washington, aprendeu a técnica da água-forte utilizada na confecção dos mapas. Quando chegou a Paris, já havia adquirido a independência de ideias e a confiança em seu próprio método, que iriam surpreender o mundo ao longo de sua vida. E parece que aprendeu muito mais com o círculo de artistas franceses seus amigos do que com as idas pouco frequentes ao estúdio de Gleyre.

Logo no início de sua carreira, Whistler se opôs ao tipo de pintura em que os acadêmicos ingleses se distinguiam: o quadro altamente elaborado que contava uma história ou ilustrava uma moralidade, fazendo apelo a uma riqueza de detalhes anedóticos e criando uma deslumbrante ilusão de tridimensionalidade. Seu único interesse era com a harmonia de cores, o jogo de luz e sombra, o conjunto, enfim. Caminhava em busca da expressão do impalpável. Impossível não evocar Debussy, que, aliás, tinha em Whistler seu pintor preferido.

Para sublinhar seu descomprometimento com uma arte que veiculasse ideias, Whistler com frequência criou obras cujos títulos eram tomados de empréstimo da música. Ao fazer isso, revelava sua filiação à teoria da "arte pela arte", que valorizava a música por seu aspecto, digamos mais abstrato. Assim, suas cenas de rio eram "Noturnos"; seus retratos, "Sinfonias" "Harmonias"; e os retratos dominados pelo preto e pelo cinza, "Arranjos". Ao escolher o título, quase sempre privilegiava o esquema cromático em detrimento do tema.

Apesar de apreciar o desconforto que seus títulos musicais provocavam também os usava como uma declaração de suas convicções artísticas. "Tal como a música é a poesia do som”, disse certa vez, "a pintura é a poesia da visão e o tema não tem nenhuma relação com a harmonia dos sons ou da cor". Noutros termos, a pintura é basicamente uma experiência visual, que não deve ser confundida com a literatura a moral.

Púrpura e Rosa: Lange Leizen

WHISTLER, O PERFECCIONISTA

Whistler era um escravo de seu ofício. Em sua opinião, um quadro não estava inteiramente concluído enquanto cada vestígio do trabalho dispensado para realizá-lo não tivesse desaparecido. A tela acabada teria que ser o resultado da imagem original concebida de início pelo artista. Essa ânsia de perfeição tornava seu método de trabalho extremamente laborioso, levando com frequência a perder as esperanças de prover da pintura o seu sustento.

E, particularmente nos retratos, Whistler travava enormes batalhas consigo mesmo. Sofria durante a preparação da paleta e da tela, com a colocação do modelo na posição que desejava e com a disposição de quaisquer adereços. Para grande frustração de seus modelos, pelos quais não tinha a menor compaixão, frequentemente apagava o resultado de todo um dia de trabalho extenuante. Dizem que começou centenas de retratos, mas na verdade só concluiu poucos.

A partir de 1859 iniciou uma série de águas-fortes tendo o Tâmisa como tema, e, mais tarde se tornaria o poeta das brumas londrinas ao pintar a série Noturnos (1870/75) — cenas de Londres, sobretudo de Chelsea, de extremo refinamento, forte intensidade poética e com um sabor fin de siècle. Nessas telas defrontava-se com dificuldades menores, apesar de o processo de trabalho raramente ser menos penoso. Ao retratar o Tâmisa e a cidade à noite ou ao crepúsculo, reduziu os ancoradouros, armazéns, barcos e pontes, e até mesmo pessoas, a simples manchas de cor. Apontava assim em direção ao Abstracionismo.

Antes de pintar um Noturno, em geral diluía as tintas de tal maneira que acabavam por escorrer pela superfície da tela. Com o intuito de reter o "molho" — termo que empregava para definir as tintas diluídas — usava telas altamente absorventes, que lhe permitiam criar a impressão de véus de cores, por onde as formas emergem ou desaparecem. Por essa época, criou uma técnica que consistia em borrifar as tintas sobre a tela, com rápidos toques do pincel, antecipando a técnica da Action Painting, que floresceu nos anos imediatamente posteriores à II Guerra Mundial.