Nascido em Sevilha, Velázquez foi pintor de prestígio na corte de Felipe IV em Madri. Fenômeno raro num artista, nunca esteve em conflito com a vida, trabalhando sempre em plácida felicidade.
Diego Rodríguez de Silva y Velázquez nasceu em Sevilha, nos primeiros dias de junho de 1599. Era o primogênito dos sete filhos de Juan Rodríguez de Silva e de sua esposa Jerónima (nascida Velázquez). Havia sangue nobre na família, e os pais levavam uma vida confortável mas não opulenta. Diego, como de hábito na Espanha, tomou o sobrenome da mãe e, no futuro, assinaria — empregando uma grafia variante — Diego Velásquez.
A época a mais próspera cidade da Espanha, Sevilha possuía o principal porto de comércio com as Américas, fazendo da Espanha a nação mais rica do mundo e impregnando-a de uma atmosfera cosmopolita. Sevilha era também grande centro cultural e, quando o jovem Diego — que, segundo consta, destacava-se nos estudos em geral — demonstrou especial interesse pela pintura, seus pais puderam escolher um professor entre os vários pintores talentosos que ali viviam. Há duas principais fontes de informação sobre os primeiros anos da vida de Velázquez que se contradizem quanto à educação do menino. Francisco Pacheco, certamente seu principal mestre, afirmou ter sido o único a ensiná-lo. Já o pintor e ensaísta Antônio Palomino conta que Diego estudou, de início, com Francesco de Herrera, o Velho. Herrera tinha fama de possuir um temperamento violento (seu filho, também pintor, chegou a fugir de casa) e, se Velázquez estudou com ele, deve ter sido por um breve período.
UM MESTRE COMPLACENTE
A partir de 1° de dezembro de 1610 — e por um período de seis anos — Velázquez iniciou estudos com Pacheco. Embora pintor medíocre, Pacheco parecia uma escolha ideal. Muito culto — era poeta além de pintor —, em sua casa se reuniam artistas e intelectuais. E, nesse ambiente estimulante, o próprio Velázquez se transformaria num homem com amplos interesse culturais, como mostra o inventário de sua biblioteca levantado após sua morte. Como professor, Pacheco parecia o oposto de Herrera: complacente, receptivo a novas idéias e generoso o bastante em espírito para reconhecer abertamente que Velázquez pintava melhor que ele próprio. Certa vez declarou: "Não considero nenhuma desonra o aluno superar seu mestre".
Em 14 de março de 1617, logo após ter concluído seu aprendizado, Velázquez submeteu-se a exames, sendo aprovado como “maestro pintor de ymaginería” (mestre-pintor de ícones religiosos), que era o mais alto posto atingido por um artista. Pouco mais de um ano depois, em 23 de abril de 1618, Velázquez casou-se com Juana, filha de Pacheco. A noiva ainda não completara 16 anos e o noivo não tinha chegado aos 19. Pacheco escreveu: "Casei-o com minha filha movido por sua virtude e integridade, seus dotes e pelas promessas de um grande e inato talento". Não existe nenhum retrato conhecido de Juana feito por Velázquez, mas é bem provável que ela tenha servido como modelo em algumas de suas primeiras telas, como A Imaculada. O casal teve duas filhas, Francisca, nascida em 1619, e Ignacia, que nasceu em 1621 e morreu na infância.
Velázquez fez rapidamente sua reputação em Sevilha com obras como a Adoração dos Magos, que já revelavam sua mestria. Em abril de 1622 visitou Madri, em parte para ver o Palácio Escorial com seus magníficos tesouros artísticos, mas também porque concebera o audacioso plano de pintar um retrato do novo rei, Felipe IV, coroado no ano anterior. Não obteve êxito em seu segundo intento, mas fez um retrato do grande poeta Luís de Góngora antes de retornar a Sevilha. Seu trabalho causou impacto em Madri e, em 1623, foi chamado de volta à capital pelo Conde-Duque de Olivares, primeiro-ministro do rei e, como Velázquez, um sevilhano. Incumbido de pintar um retrato do monarca, o artista obteve tanto sucesso que o convidaram para assumir um dos cargos de pintor da corte. Além disso, o rei, muito satisfeito, decidiu que, dali em diante, ninguém, com exceção de Velázquez, faria seus retratos. Aos 24 anos, ele se tornava, como que de repente, o pintor de maior prestígio da Espanha.
A corte espanhola mantinha rígidos padrões de etiqueta. Mas Velázquez criou uma impressão tão positiva no jovem rei — este era seis anos mais jovem que o pintor — que ambos desfrutaram de um relacionamento extraordinariamente caloroso. "A liberalidade e a afabilidade com que Velázquez é tratado por tão eminente monarca é inacreditável", escreveu Pacheco. "Ele tem um estúdio na galeria real, do qual Sua Majestade possui a chave e onde há uma cadeira para que todos os dias possa observar Velázquez trabalhando."
FAVOR REAL
Tal favoritismo despertou inveja nos outros artistas da corte, que acusaram Velázquez de ser capaz apenas de pintar cabeças. Para responder à difamação, Felipe ordenou a Velázquez e a três outros artistas que pintassem um quadro sobre o tema da expulsão dos mouros da Espanha, uma grande composição multifigurada. Velázquez venceu a competição, mas, lamentavelmente, a tela — seu primeiro trabalho de motivo histórico — acabou destruída num incêndio, em 1734.
Para acirrar os ânimos, Felipe, a partir de 1627, nomeou Velázquez para uma sucessão de postos na corte, que o artista acumulava com as funções de pintor. Essas nomeações viriam beneficiar o status social de Velázquez, em detrimento, porém, de sua arte. Porque, embora suas posições implicassem grandes títulos, como o de Supervisor dos Trabalhos do Palácio, esse tipo de trabalho o obrigava a despender tempo em assuntos burocráticos triviais. Contudo, desincumbiu-se de suas funções com eficiência, pois parece que seu temperamento se adequava a elas.
Em 1628/29 Rubens, o grande pintor flamengo, visitou a Espanha em missão diplomática e entrou em contato com Velázquez. Era o início de uma sólida amizade entre ambos. Juntos, foram ao Escoriai e voltaram deslumbrados. A partir de então, a obra de Velázquez tomou novos e decisivos rumos. No Escorial, teve oportunidade de conhecer e admirar os notáveis trabalhos do Renascimento italiano, que o levaram a descobrir o humanismo e a mitologia. Além disso, essas obras proporcionaram-lhe um novo estímulo, reacendendo nele o desejo sempre acalentado de ir à Itália.
Velázquez recebeu permissão oficial do rei para viajar à Itália em 26 de junho de 1629. E em agosto embarcava de Barcelona para Gênova. Em sua ausência, continuaria recebendo o mesmo salário. De Gênova, Velázquez partiu para Veneza, passando depois por Ferrara e Cento, a caminho de Roma, onde permaneceu cerca de um ano. Seguiu, então, para Nápoles, à época possessão espanhola. O maior pintor que ali vivia era outro espanhol, Jusepe de Ribera, e é provável que Velázquez o tenha conhecido. Em janeiro de 1631 estava de volta a Madri. Muitas das obras sabidamente criadas por Velázquez na Itália desapareceram (inclusive um auto-retrato e diversas réplicas de obras de arte famosas). Mas duas telas do período subsistiram: A Túnica de José e A Forja de Vulcano. Ambas evidenciam um aprimoramento no domínio da composição figurativa sob a influência da arte clássica e dos mestres renascentistas.
UM FESTIVAL DE PINTURAS
As duas décadas seguintes se caracterizaram como o período mais fértil da carreira de Velázquez. Pintou inúmeros retratos do rei e da família real (Felipe, aliás, não permitiu que ninguém mais o retratasse enquanto Velázquez esteve fora), e também uma empolgante série de pinturas eqüestres. E foi nessa época que realizou o melhor de sua arte sacra e criou também o único nu feminino remanescente, além de uma das maiores obras-primas da história da pintura: A Rendição de Breda, tela que mostra a capitulação da cidade holandesa diante dos espanhóis em 1625. A incomparável série de retratos de bobos da corte também data desse período. Sob o pincel de Velázquez essas figuras adquiriram tocante dignidade. Sua vida caminhava serena, pontuada por alguns poucos acontecimentos mais marcantes, como o casamento, em 1633, de sua filha Francisca com o aluno Juan Bautista Martínez del Mazo, ou sua promoção para algum novo cargo real. Nada de muito excitante.
E possível que Velázquez tenha feito uma curta viagem à Itália em 1636: a península italiana exercia forte atração sobre ele e, em novembro de 1648, partiu para nova e extensa visita. Ia agora em missão especial, pois o rei o incumbira de adquirir obras de arte em Roma. Tal como em sua primeira viagem vinte anos antes, Velázquez visitou diversas cidades (incluindo Nápoles, onde se encontrou com Ribera). Sua reputação o precedera e honraram-no com o título de membro da Academia de São Lucas.
Em 1650, o Rei Felipe enviou uma série de cartas que instigavam Velázquez a retornar a Madri. Mas o artista pode ter tido outros motivos, além dos relacionados com a arte, para prolongar sua estada na Itália. Isso é o que se deduz a partir de uma surpreendente descoberta documental publicada recentemente, em 1983. Os documentos revelam que uma viúva, de nome Marta, deu à luz um filho ilegítimo de Velázquez. A criança (seu nome era Antônio) foi descrita como um bebê de colo em outubro de 1652. Como Velázquez estava de volta a Madri em junho de 1651, é possível que jamais tenha conhecido o filho. Pediu permissão para retornar à Itália em 1657, mas sua proposta foi recusada. E tentador especular se Marta e Antônio ocupavam a mente de Velázquez tanto quanto as glórias da arte italiana. Mas tudo não passa de conjeturas e nada se sabe acerca do destino da mãe ou da criança.
Esse segredo parece não ter perturbado sua pacata vida em Madri. Sofreu um único golpe em 1654, quando sua filha Francisca faleceu, mas continuou a se dedicar à pintura e a seus deveres na corte com sua peculiar serenidade.
Dois anos antes havia sido nomeado para o mais honorífico de todos os cargos: Aposentador Mayor (Tesoureiro Real). Queria, porém, a glória máxima de um título nobiliárquico, e o processo quase interminável para obtê-lo arrastou-o ao longo dos últimos anos de sua vida. Felipe IV teve que conseguir permissão especial do papa (Alexandre VII) antes de poder sagrar Velázquez como Cavaleiro da Ordem de Santiago, em 28 de novembro de 1659. O auto-retrato do artista em As Meninas mostra-o com a cruz da ordem ao peito.
UMA EXAUSTIVA MISSÃO
Em 8 de abril de 1660, Velázquez deixa Madri rumo à ilha dos Faisões, no rio Bidassoa (fronteira entre Espanha e França), para os preparativos do encontro de Felipe IV com Luís XIV da França, que iria casar-se com a filha do monarca espanhol, Infanta Maria Theresa. Retorna a Madri em 26 de junho, exaurido pelo trabalho e pela viagem. Em 31 de julho cai de cama em seus aposentos no palácio real, queixando-se de febre. Uma semana mais tarde, vem a falecer. Era agosto de 1660. O rei lhe proporciona magnífico funeral, sendo sepultado na Igreja de San Juan Bautista, destruída em 1811, sem deixar vestígio algum dos restos mortais do artista. Sua condoída viúva segue-o menos de uma semana depois. A Espanha, após haver conquistado o mundo, precipitava-se lentamente na ruína. Os olhos de Velázquez, inebriados de luz, foram intérpretes fiéis dessa pompa decadente.