Veneza na época do nascimento de Giovanni Battista (ou Giambattista) Tiepolo, nascido em 1696, já era uma cidade turística importante, de grande procura por suas belezas naturais, por sua arquitetura, por seus jogos de azar e por sua vida noturna intensa. Seu pai faleceu quando Giambattista tinha apenas 1 ano, mas como negociante de navios, deixa mulher e cinco filhos em condições financeiras confortável.
Veneza, na época de seu nascimento, nos planos cultural e político, vivia de glórias do passado. A república veneziana estava sob o controle exclusivo de uma aristocracia altamente corrupta e reacionária, opondo-se a mudanças, numa resistência a quaisquer idéias que viessem do exterior.
A vida de um artista na Veneza do século XVIII era especialmente difícil e competitiva. O Estado, que até então era o patrocinador da maioria das obras-primas da arte renascentista vivia tempos de declínio.
Turistas chegados à cidade buscavam pequenos souvenirs, enquanto a aristocracia mantinha um interesse pela arte dos mestres antigos e não optavam pela compra de obras da vanguarda da época. Este apoio vinha da igreja, incentivando os novos valores, onde o sucesso de um artista, independente de quem o protegesse, dependia da rapidez com que podia criar suas obras. Desta adaptação veio o sucesso de Tiepolo.
Veneza só veio a ter a sua primeira academia de Pintura e de Escultura em 1750, e até então, Tiepolo segue um hábito medieval, tornando-se aprendiz de um estúdio.
Seu primeiro biógrafo, Vincenzo Da Canal, relata que o zeloso Gregorio Lazzarini foi seu mestre, mas que o artista "todo espírito e fogo" rapidamente o abandona seguindo seu próprio caminho – mais livre e rápido.
Diante de tal personalidade, torna-se um autodidata, recolhendo lições nas ruas, nos estúdios de pintores modestos, no exercício diário do desenho, na arte de Veronese, Tintoretto e Caravaggio, ou seja, buscando informações que contribuíssem com seu desenvolvimento.
PRIMEIROS EXITOS
Aos 20 anos Tiepolo foi vencedor de uma competição de pintura com a obra A Travessia do Mar Vermelho, a qual lhe proporciona evidência no mundo artístico da época. Esta obra, exposta nas proximidades da Igreja de São Roque, numa galeria ao ar livre, mais tarde foi perdida.
Em 1717, já no ano seguinte, Tiepolo consegue ser acolhido pela Associação de Pintores Venezianos, a qual era extremamente exigente, e dois anos após, bem estabelecido na vida, casou-se com Cecilia Guardi, irmã do paisagista Francesco Guardi, mantendo uma união feliz.
Desta união nasceram 9 filhos, Domenico — nascido em 1727 — e Lorenzo, em 1736, foram seus assistentes.
A aristocrática família Dolfin, patronos mais ousados da época, asseguram o futuro de Tiepolo, dando-lhe o seu apoio. A decoração da imensa sala de seu palácio em Veneza, com várias cenas da história romana pintadas a óleo, lhe foi encomendada. O arcebispo de Udine, membro da mesma família encomenda a pintura dos afrescos de uma galeria de seus palácio. Estes foram os primeiros trabalhos do artista em afresco, arte que estava renascendo em Veneto — arredores de Veneza — após mais de um século de abandono. A reputação de Tiepolo se deve, aliás, aos afrescos, arte que dominou com invulgar virtuosismo.
Um arquiteto, um estucador, um ornamentista, um dourador e um quadratura (pintor arquitetural), que se responsabilizava pela diferente e elaborada estrutura de frisos e superfícies onde seria assentado o afresco, sendo o elemento mais importante do grupo, depois, sem dúvida, da figura do pintor, compunham nos séculos XVII e XVIII a equipe que desenvolvia o trabalho para a pintura dos afrescos.
O sucesso desse esquema decorativo dependia, portanto, de uma harmoniosa colaboração entre estes dois especialistas. E, uma vez estabelecida, esta parceria, só era desfeita após a morte de um dos membros.
Em Udine, Tiepolo trabalhou com o quadratura Mengozzi-Colonna, que sempre recebeu os mesmos elogios pelos afrescos em que ambos trabalharam.
ENCOMENDAS FORA DE VENEZA
Com a decadência de encomendas na Veneza setecentista, os artistas são obrigados a procurar trabalho em outras cidades — de preferência onde tivessem direito a pagamentos extras. Após sua primeira experiência fora de sua cidade natal - Udine, Tiepolo passa um longo período fora de Veneza, isso na década de 1730.
Foi nas cidades lombardas de Milão e Bérgamo que Tiepolo, criou alguns de seus melhores trabalhos. Agora cada vez mais famoso, e recebendo grande número de encomendas.
Em 1736 Tiepolo foi convidado à decorar o Palácio Real de Estocolmo, mas recusou, alegando que o pagamento oferecido não era suficiente - o que diz muito sobre o grande prestígio de que desfrutava.
Suas primeiras obras demonstravam um traço pesado como por exemplo 0 Sacrifício de Isaac, mas aos poucos foi desaparecendo, atingindo, já em 1740 uma maturidade artística.
Em referência ao grande pintor veneziano do século XVI, famoso pelo suntuoso colorido de sua arte, seus contemporâneos começaram a chamá-lo de "o novo Veronese". Simultaneamente a esta paixão por Veronese na Veneza do século XVIII, renasce um interesse pelo estilo arquitetônico do veneziano Andrea Palladio, seu contemporâneo. É significativo que pelo menos duas obras de Tiepolo inspiradas em Veronese (as da Igreja de Gesuati em Veneza e da Villa Cordellina em Montechio Maggiore) foram executadas em edifícios desenhados pelo arquiteto neopalladiano Giorgio Massari.
O interesse de Tiepolo pela cultura renascentista veneziana fora despertado pela contribuição do perito e conhecedor de arte Francesco Algarotti, este foi o seu maior incentivador. Em 1743 Algarotti foi a Veneza com o propósito de adquirir telas antigas e modernas destinadas à magnífica galeria de arte de Augusto III da Polônia.
Tinha a intenção de expandir essa coleção, de modo a formar uma mostra panorâmica de toda a história da pintura. Algarotti ficou tão impressionado com a obra de Tiepolo que passou a fazer elogios ao seu trabalho em termos que escapavam aos convencionais lugares-comuns.
O Banquete de Cleópatra foi célebre tema do quadro de Tiepollo, que sem dúvida foi Algarotti quem ajudou a encontrar.
Durante o banquete, a rainha egípcia dissolveu uma pérola num copo de vinagre para impressionar Marco Antônio com sua riqueza. Esse foi o pretexto necessário para que Tiepolo pintasse uma festa grandiosa, no estilo Veronese. Uma das maiores e mais conhecidas versões desse tema, pintada por Tiepolo na década de 1740, foi o afresco para a sala de banquetes do Palácio Labia em Veneza. Os Labia, família de mercadores que tinha comprado havia pouco tempo seu título de nobreza, estavam ansiosos por tornar pública sua fortuna. Assim sendo, pouco antes de Tiepolo dar início aos trabalhos, os Labia ofereceram um concorrido banquete. Durante a cerimônia tentaram reeditar o gesto de Cleópatra, jogando no Grande Canal um valiosíssimo serviço de prata. Mais tarde as preciosas peças seriam resgatadas em sigilo, com o auxílio de uma rede de pesca previamente instalada nas águas do canal.
A partir de 1750, Tiepolo já era um artista consagrado. Sua fortuna atingia tão elevadas cifras que, sua irmã tendo falecido em 1752 não lhe deixou nada, alega que "já era rico demais".
Por volta deste mesmo período recebeu uma importante — e rendosa — encomenda: a decoração do palácio do Príncipe-Bispo Carl von Greiffenklau, de Würzburg, na Alemanha, onde teve assessoria de seus dois filhos.
O Palácio, obra-prima do extraordinário arquiteto do rococó, Balthasar Neumann, era o maior e mais suntuoso que todas as construções do gênero que Tiepolo conhecera na Itália.
A sala do trono exibia um deslumbrante teto em estuque branco, vermelho e ouro, e Tiepolo foi convidado para pintar as paredes com motivos que com ele se harmonizassem.
O sucesso foi tanto que lhe encomendaram a decoração da gigantesca abóbada das escadarias. Como já acontecera com outras de suas obras, o vigor e a eloqüência transcenderam o conteúdo temático — aspectos da história de Würzburg e uma alegoria de Greiffenklau subindo aos céus rodeado por admiradores do mundo inteiro.
Retornando à Itália em 1753, Tiepolo começo a trabalhar em afrescos para villas na região de Veneto, onde já trabalhara anteriormente.
Contrastando com os palácios de Veneza, cujo objetivo primeiro era impressionar, as inúmeras villas construídas em Veneto nos séculos XVII e XVIII eram simples residências de verão ou casas de fazenda.
Tiepolo em 1757 adquiriu uma dessas propriedades em Zianigo, nas proximidades de Veneza, e seu filho Domenico a decorou com alegres motivos mitológicos e cenas fantásticas.
Perto de Veneza, na Villa Valmanara, pai e filho pintaram outra série de afrescos, nos anos de 1757 e 1758. O grande poeta alemão Goethe, considerava esses afrescos como os melhores dentro do conjunto de sua obra.
Porém, o artista, retornaria ao seu já consagrado estilo heróico nos afrescos da monumental Villa Pisani em Stra. Foram os últimos que fez para residências venezianas.
Em fase de terminar os trabalhos na Villa Pisani, Tiepolo foi convidado por Carlos III da Espanha para trabalhar no Palácio Real de Madri, que ele acabara de construir.
Na primavera de 1762 Tiepolo parte para Madri, na companhia dos filhos Domenico e Lorenzo, embora tenha relutado aceitar o convite, por já não ser jovem e também por relutar em separar-se da família.
OS ÚLTIMOS ANOS EM MADRI
Já na Espanha, os acontecimentos não aconteceram como Tiepolo queria. Tendo pintado o enorme afresco no teto do Palácio Real – Apoteose da Espanha - parecia estranhamente diminuto para as grandiosas dimensões do palácio. Mas não foi só esse fato que acabou sendo imprevisível. Tiepolo encontrou um sério rival, pela primeira vez - Anton Raphael Mengs, célebre artista neoclássico que detinha o posto de primeiro-pintor do rei.
Os partidários de Mengs, sabendo do convite feito ao artista italiano, renegaram Tiepolo a um modesto segundo plano, sob o pretexto de que o Rococó era um estilo ultrapassado. Vivia-se, então, a alvorada do Neoclassicismo.
Misteriosa foi a razão que moveu Tiepolo a permanecer em Madri, mesmo depois de ter concluído os afrescos do palácio.
O monarca espanhol concordou e o encarregou de pintar várias telas para a Capela Real de Aranjuez. Embora, estas obras não tenham sido aprovadas pelo confessor do rei, onde mandou que fossem recolhidas - grande humilhação para Tiepolo, que decorreram por dez anos de frustrações e desencontros, somente tendo sido encerrados subitamente no dia 27 de março de 1770, data de sua morte.
Tiepolo foi enterrado na Capela de San Martín, em Madri.
A arte de Tiepolo permaneceu por mais de um século, onde foi sepultada pela indiferença ou pela franca hostilidade do Neoclassicismo emergente.