Edvard Munch1863-1944

Edvard Munch foi o maior pintor e artista gráfico da Noruega, expoente do Simbolismo e precursor dos expressionistas. As trágicas perdas da mãe e da irmã em sua infância deram um tom de morbidez à maior parte de sua obra. Inicialmente, guiou-se pelo Impressionismo, mas as viagens a Paris aproximaram-no dos imbolistas. Seu nome ficou conhecido em 1892, quando sua obra foi exposta em Berlim, causando escândalo e polêmica. Fixando-se na Alemanha, iniciou seu Friso da Vida, um conjunto de obras em que expressa sua visão de mundo, marcada pelo impacto do amor, da morte, da sexualidade e da solidão. Excesso de trabalho, álcool e desgaste emocional levaram Munch a um colapso nervoso em 1908. Então voltou a isolar-se na Noruega, dedicando seus últimos anos a murais públicos e a estudos de operários.

 Uma Mente Atormentada

Primeira contribuição da Escandinávia à pintura moderna, a obra de Munch materializa os fantasmas do homem do século XX — solidão, angústia, desespero — e marca o início do Expressionismo.

Respeitada família de classe média, os Munch viviam em Loten, uma pequena comunidade agrícola do sul da Noruega. Descendente de clérigos e soldados, o médico Christian Munch, irmão do historiador Peter Andreas Munch, era muito dedicado à esposa e às leituras da Bíblia. Tiveram cinco filhos. Edvard Munch, o segundo deles, nasceu em 12 de dezembro de 1863.

Em 1864, a família mudou-se para a capital, Christiania (que seria rebatizada com o nome Oslo em 1927), onde a tragédia se abateria sobre suas vidas. Edvard tinha 5 anos quando a mãe, aos 33, morreu de tuberculose, e 13 (em 1877) quando sua irmã predileta, Sophie, também morreu, vítima da mesma doença. Tais infortúnios precoces marcaram profundamente o menino e, por toda a sua longa carreira, as imagens do quarto de doentes e do leito de morte repetiram-se constantemente em sua obra.

A dança da vidaA dança da vida

A vida familiar de Munch foi claustrofóbica e opressiva. Doente desde criança, ele ficou confinado ao apartamento por intermináveis períodos de sua juventude, enquanto o fervor religioso do pai, que aumentara com a morte da mãe, levava-o à beira da insanidade — o velho andava horas seguidas de um lado para outro de seu quarto, rezando. Não é de estranhar que Munch escrevesse, mais tarde, sobre sua infância: “Doença, loucura e morte foram os anjos negros que ficavam de vigília sobre meu berço e me acompanharam pela vida afora”.

Felizmente, sua tia, Karen Bjolstada, incumbiu-se da direção da família, o que resultou numa influência estabilizadora. Pintora amadora, ela estimulava as crianças Munch a desenhar, e Edvard fazia cópias das ilustrações dos contos de Grimm. No início da década de 1880, ele tentava vender seu trabalho a revistas.

Nessa época já se havia decidido pela arte como carreira. Seus estudos de engenharia na Escola Técnica duraram menos de um ano — dali passou, em 1881, para a Escola Estadual de Artes e Ofícios. Seu primeiro supervisor foi Julius Middelthun, mas a influência dominante de seu primeiro aprendizado foi o pintor naturalista Christian Krohg. Em 1882 Munch juntou-se a seis outros artistas e alugou um estúdio onde Krohg dava aulas, informalmente.

Através dele, Munch aproximou-se dos escritores e pintores boêmios que estavam à testa da rebelião artística da Noruega. Liderado por Krohg e pelo novelista Hans Jaeger, o grupo denunciava a moral burguesa, reivindicando liberdades sexual e artística radicais. Na literatura, idolatravam o francês Emile Zola e na pintura defendiam o abandono do Realismo. Um comentador definiu-os como “aquele acampamento cigano de Christiania, meio debochado e acometido de pobreza”.

A Noruega, porém, era um ambiente provinciano demais para o talento de Munch. Em 1883, freqüentou a academia ao ar livre de Frits Thaulow, cunhado de Gauguin, e através dele obteve recursos para passar três semanas em Paris — dois anos mais tarde. A visita bastou-lhe para ver a maioria dos últimos trabalhos de Monet e dos impressionistas.

Algumas influências parisienses podem ser detectadas já na primeira obra-prima de Munch, A Criança Enferma (página 42), de 1885/86. Contudo, a expressão das feições e as formas simplificadas criavam um impacto emocional mais poderoso que a maior parte das pinturas impressionistas, aproximando o estilo do pintor dos mestres pós-impressionistas como Edouard Vuillard e James Ensor.

UMA BOLSA DE ESTUDOS EM PARIS

Quatro anos depois, Munch conseguiu recursos materiais para poder permanecer estudando na França. Com o êxito de sua primeira mostra individual, o governo norueguês concedeu-lhe uma bolsa de estudos sob a condição de que encontrasse um professor aceitável. Em Paris, preencheu essa exigência freqüentando as aulas de modelo vivo de Léon Bonnat.

Aos 27 anos, ele trabalhava com diligência nessas aulas, mas desinteressou-se logo pela abordagem convencional e acadêmica de seu mestre. Bonnat, por sua vez, ficou impressionado com o desenho de Munch, mas discordava do modo altamente subjetivo como utilizava a cor. Os dois homens romperam depois de um desentendimento acerca dos tons com que devia ser pintada uma parede do estúdio.

O gritoO grito

Apesar desse incidente, a estada de três anos em Paris foi crucial para sua formação artística. A morte do pai, em 1889, cortou os últimos laços familiares e permitiu que se dedicasse de corpo e alma à inquieta atividade do mundo artístico. Foi influenciado em particular pelo nascente movimento simbolista, que o levou a atribuir significado às cores, a simplificar as formas e a adotar temas alegóricos “decadentistas”, como o da mulher fatal.

Um episódio atraiu as atenções mundiais para Munch. Em 1892, a União dos Artistas Berlinenses convidou-o a participar de uma exposição na Alemanha. Suas pinturas causaram polêmica. Uma semana depois da inauguração, o comitê determinou que ele retirasse seus “borrões” da mostra. Mas alguns membros da União contestaram e, liderados por Max Liebermann, reuniram-se para formar a Secessão de Berlim.

Munch ficou encantado pelo furor que provocara e tomou rápidas providências para expor seus trabalhos em Düsseldorf e em Colônia. Seguiu-se uma extensa viagem por cidades alemãs e escandinavas. Nessas mostras, ele ganhava com sua percentagem nos ingressos o mesmo que com a venda de suas pinturas. Animado pela súbita notoriedade, fixou-se em Berlim e logo agregou-se a uma nova roda de artistas, que incluía o dramaturgo August Strindberg e o novelista polonês Stanislaw Przybyszewski, e que costumava reunir-se na taberna Zum Schwarzen Ferkel (“O Porquinho Preto”).

Na atmosfera excitante dos encontros do grupo, Munch planejava seu Friso da Vida: ambicioso projeto que pretendia reunir uma série de pinturas com temas afins e apresentá-las em conjunto, para que o todo criasse uma espécie de efeito sinfônico. O tema de ligação seria “a poesia da vida, do amor e da morte” visto pelo espelho distorcido das experiências pessoais de Munch. A série incluiu muitas de suas mais importantes pinturas, como O Grito, A Dança da Vida e Ciúme.

O SIGNIFICADO DO FRISO

O Friso expressava a visão de mundo do artista, marcada pelos contrastes entre a inocência, a sensualidade angustiada e a morte, geralmente encarnadas em figuras de mulher. O quadro A Dança da Vida, por exemplo, parte do tema do baile para traduzir a tensão entre os sexos, numa perspectiva angustiada que sugere ansiedade e solidão. Emoldurando a obra, duas mulheres solitárias simbolizam, respectivamente, a esperança do amor e a desilusão.

São as relações do próprio Munch com mulheres que o fazem refletir, nos quadros, essa imagem perturbada. Embora fosse alto e de boa aparência, ele mostrava-se sempre cauteloso para com o sexo oposto: é possível que a perda da mãe e da irmã o tenha deixado inseguro no relacionamento com mulheres — ele freqüentemente retratava o amor e a morte juntos. A história familiar de tuberculose e insanidade mental convenceu-o de que não seria prudente casar-se. Temia também que o casamento interferisse em seu trabalho. Seu primeiro romance, com a voluntariosa esposa de um médico oficial, obcecou-o durante anos, ao passo que em Berlim sentiu-se atraído pela mulher do novelista Przybyszewski, Dagny, retratando-a como sedutora em Ciúme. Sua última e desastrosa ligação, com Tulla Larsen, terminou num tiro: ela arrancou-lhe a junta de um dos dedos.

AnsiedadeAnsiedade

Embora residindo na Alemanha, Munch viajava constantemente, morando numa sucessão de pensões. Não era um homem saudável: a falta de dinheiro e a vida nômade o exauriam.

Ainda assim, ele viveu anos produtivos. Numa visita a Paris, conheceu Paul Gauguin e seus seguidores e, na Galeria Art Nouveau, de Bing, viu a célebre exposição de xilogravuras japonesas — um grande acontecimento na época. Também em Paris, interessou-se por novas técnicas de impressão, orientado por um renomado artista gráfico, August Clot.

ENCOMENDAS IMPORTANTES

As principais encomendas de Munch na virada do século vieram de seu amigo, o dr. Max Linde. Além de um soberbo retrato dos quatro filhos do médico, o artista completou para ele um fólio com estampas.

Em 1906/7 recebeu várias outras encomendas importantes de Max Reinhardt, como um friso para seu novo teatro Kammerspiele e o desenho dos cenários de Os Fantasmas e Hedda Gabler, de Ibsen. Nessa ocasião, morando no teatro, pintava durante o dia e bebia à noite. Mantinha-se afastado de outras pessoas, e um colega admitiu que “ele permanecia, ao mesmo tempo, um estranho e um mistério para nós”.

O tiro que lhe foi desfechado por Tulla Larsen, mais o excesso de álcool, o cansaço e a depressão começaram, aos poucos, a dobrá-lo. Munch tornou-se obcecado por sentimentos de perseguição, agravados pela crítica negativa que seus conterrâneos faziam à sua arte. Finalmente, em 1908, ao fim de uma bebedeira de três dias, sofreu um colapso nervoso. Foi internado na clínica de Daniel Jacobson, em Copenhague, onde permaneceu por oito meses em tratamento psicoterápico.

Munch sabia que sua arte atormentada estimulava-lhe as neuroses, mas preferiu ignorar o fato. “Não me livraria de minha doença”, escreveu ele, “pois devo a ela muito de minha arte.” Agora, contudo, queria recuperar-se. Assim, abandonou as imagens obsessivas e neuróticas do passado. Dali em diante iria retratar o que via, e não suas emoções.

Além disso, decidiu parar com sua vida nômade. Antes passava apenas os verões na Noruega, em Asgardstrand. Agora, fixara-se no vilarejo costeiro de Kragero.

Ironicamente, o fim da fase mais criativa de Munch coincidiu com um mais sólido reconhecimento de seu talento. Em 1908, foi nomeado Cavaleiro da Ordem de São Olavo e, em 1911, venceu a concorrência para decorar o Salão Nobre da Universidade de Oslo. Ali instalou um novo Friso da Vida, mas retratou forças universais — O Sol, A História, A Alma Mater — em vez dos movimentos interiores da alma.

PROJETOS FINAIS

Munch tinha planos de pintar outros murais públicos. Nutria a idéia de desenhar um friso com o tema dos operários e da indústria. Expôs desenhos preliminares no refeitório da Fábrica de Chocolates Freia em 1922, mas o projeto jamais foi executado. Quis também decorar a nova Prefeitura de Oslo, cuja construção se estendeu até 1933, mas começou a sofrer de uma doença nos olhos que o impediu de pintar.

Operários voltando para casaOperários voltando para casa

Passou seus últimos anos isolado em sua propriedade em Ekely. Ali vivia uma vida austera, cercado por suas obras, que chamava de “filhos” mas que tratava com negligência, espalhando-as pelo chão e pendurando-as nas árvores do jardim para secarem.

Com a ascensão do nazismo, sua arte foi rotulada de degenerada e banida dos museus alemães. Em dezembro de 1943 contraiu uma bronquite fatal, depois que uma bomba explodiu as janelas de sua casa. Morreu em 23 de janeiro de 1944. No generoso testamento, legou seu acervo completo de gravuras e pinturas — cerca de 20 000 no total — à cidade de Oslo.

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