amodigliani1884 - 1920

A vida de Amedeo Modigliani foi curta e trágica. Estimulado intelectualmente na casa dos pais, em Livorno, mudou-se para Paris, onde viveu em completa pobreza, mergulhado na bebida, nas drogas e numa sucessão de amantes. Convivendo com pintores e poetas, manteve-se, porém, afastado do movimento avant-garde, permanecendo fiel a seu próprio estilo, influenciado por um único pintor: Cézanne. Apesar de pintor e escultor extremamente talentoso, Modigliani vendeu poucas obras enquanto vivo. A pobreza e a boêmia debilitaram-lhe ainda mais a saúde, e seu empresário, na esperança de curá-lo, enviou- o ao sul da França com a amante grávida. À tentativa foi inútil, e Modigliani morreu um ano após essa temporada. Sua maior contribuição à arte foi a unificação dos valores tradicionais com o espírito moderno.

O Artista Boêmio

A sensibilidade romântica e o desprezo de Modigliani pela própria saúde, na exploração incessante de seu talento, levaram-no a desempenhar o trágico papel do jovem bonito mas desafortunado.

Amedeo Clemente Modigliani nasceu no dia 12 de julho de 1884, na cidade de Livorno, Itália. Existiam rumores de que sua família era descendente de banqueiros do Vaticano e sua mãe parente do filósofo Baruch Spinoza. Modigliani nunca negou tais rumores, que certamente continham alguma verdade.

O pai de Amedeo, Flamínio, era negociante e perdeu todos os bens no ano em que o garoto nasceu. A falência de Flamínio forçou-o a muitas viagens, deixando à mãe, Eugênia, a responsabilidade pela casa. Marido e mulher eram judeus sefarditas, descendentes dos colonos judeus da Espanha. A família Modigliani valorizava muito a educação liberal; aos olhos da burguesia de Livorno, Eugênia era tida como uma pessoa fora dos padrões: tinha o hábito de tomar chá, o que era coisa de ingleses, escrevia artigos literários e fazia trabalhos de objetivo mais prático que o de prazer intelectual, já que tinha sob sua guarda uma família muito grande, na qual Dedo, como Amedeo era chamado, era o caçula.

O jovem Modigliani cresceu num ambiente altamente descontraído e estimulante, tendo desde cedo desenvolvido interesses culturais muito acima dos de sua idade. A mãe familiarizou-o com os poetas românticos e simbolistas, como Leopardi, Wilde, Baudelaire e Rimbaud. Por intermédio de sua tia Laurie, tornou-se íntimo da filosofia de Nietzsche, em cujos textos exalta- se o artista que, devido à genialidade e à criatividade, afasta-se da sociedade. Mais tarde, em Paris, recitava para os amigos versos tão bonitos e pessoais quanto suas pinturas.

menina em azulA menina em azul (1918)

Modigliani cresceu como uma criança mimada e caprichosa, em parte por ser muito bonito e também porque sua saúde era bastante frágil. No verão de 1895 teve pleurisia, e em 1898 foi acometido de tifo. Naquele mesmo ano, entrou para a escola de arte de Guglielmo Micheli, mas saiu logo depois para formar um novo grupo. No fim de 1900, entretanto, a tuberculose, agravada por um ataque de pleurisia, interrompeu de vez seus estudos.

NOVOS ARES

Durante a convalescença, Modigliani viaja para Nápoles, Amalfi, Capri e, mais tarde, Roma e Veneza. Ao recuperar a saúde, deixa Livorno em 1902 para estudar, primeiro em Florença e depois em Veneza, onde faz vários amigos — entre eles o pintor Umberto Boccioni — e muitos estudos dos grandes mestres Bellini, Ticiano e Carpaccio.

Em janeiro de 1906, ele parte para Paris, resolvido a tentar a sorte como retratista. Logo ao chegar, adota o mesmo estilo de vida boêmio e descontraído que levava em Veneza, bebendo e se drogando com estimulantes e haxixe, na tentativa de superar a própria timidez.

jeanneAnna Zborowska

Após algumas semanas de vida luxuosa em um hotel, Modigliani começa a mudar de pensão em pensão, primeiro em Montmartre e depois ao sul do Sena, em Montparnasse. A pequena mesada que a mãe lhe envia não é suficiente para sustentar a vida que leva, entre bares e bordéis. Sem condições de pagar as dívidas, Modigliani dá seus quadros para saldá-las e sujeita-se a pequenos trabalhos, como fazer retratos na hora em troca de alguns francos.

Paris torna Modigliani mais sensível às suas origens judaicas, levando-o a descobrir afinidades artísticas e espirituais com os peintres maudits, os pintores malditos, judeus, párias e pobres.

Ao contrário deles, porém, Modigliani havia estudado pintura e recebido uma educação mais sofisticada.

COMPORTAMENTO IRRACIONAL

No entanto, psicologicamente abalado pelos constantes problemas financeiros e pelo abuso de drogas, Modigliani tornou-se cada vez mais “anti-social”. E expulso da comunidade artística de Paul Alexandre por destruir trabalhos de outros artistas. Fica agressivo quando discute o Cubismo, movimento que começava a superar o Fovismo e que tinha sido lançado por Libion, o patron do Café La Rotonde. Modigliani parece viver de acordo com suas inspirações literárias da adolescência e as idéias de Nietzsche sobre os gênios solitários. Comportamento que ele havia antecipado já em 1901, quando escreve em carta a um amigo: “Pessoas como nós têm direitos diferentes dos demais, pois temos necessidades que nos colocam... acima da moral comum”.

Nos primeiros tempos em Paris, Modigliani assume uma ultrapassada e “decadente” imagem de artista. Passa a vestir-se “sempre de veludo marrom, gravatas brilhantes e chapéu de feltro de abas largas”, como um amigo o descreveu. Modigliani detesta o macacão de trabalho de Picasso. Como as roupas que usava, a própria pintura de Modigliani estava fora de moda: uma estranha combinação de Impressionismo, Toulose-Lautrec e Art Nouveau. Foram anos de experiências e de autodescoberta. Em 1907 é realizada uma exposição póstuma dos trabalhos de Cézanne e, em seguida,Modigliani começa a imitar seu estilo, sugerindo formas e espaços por meio da cor. Essa nova preocupação com a forma leva-o aos primeiros trabalhos de escultura.

Entre 1904 e o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, ele produz poucas pinturas. Trabalhando com o escultor Constantin Brâncusi, focaliza suas atenções em um projeto ambicioso e por fim abandonado, do qual as suas cariátides são apenas uma pequena parte.

E nesse período que ele faz seu verdadeiro aprendizado. O mal que causa à sua já debilitada saúde não passa despercebido de sua mãe em seu retorno a Livorno, em 1909. Ela cuida dele e compra-lhe roupas novas. As mudanças ficam claras para seus antigos colegas da escola de arte em outra visita a Livorno, em 1912.

Quando Beatrice Hastings, a jornalista sul-africana, conhecida por seus vizinhos de Montparnasse como a Poetisa Inglesa, conhece Modigliani em 1914, não são apenas o talento e a obra do artista, que considera excepcionais, que a atraem: sua estranha aparência a fascina. Ela o descreve como “o pálido e encantador patife vestido de veludo surrado”. E com Beatrice que Modigliani mantém sua primeira relação estável. Um romance atribulado, em que ela tenta acompanhar Modi, como os artistas o chamavam, em sua obstinação e na capacidade de ingerir drogas e álcool.

O romance com Beatrice coincide com um período bastante vulnerável na vida de Modigliani. O profundo desalento e o gradual abandono da escultura são agravados pelas privações provocadas pela Primeira Guerra Mundial. Ele está freqüentemente doente, o dinheiro que recebia da família já não chega e ele se sente explorado por especuladores sem escrúpulos.

Muitos de seus amigos estão lutando na frente de batalha, e os cafés são freqüentados apenas por inválidos e estrangeiros.

Mas, paradoxalmente, é durante os anos da guerra que seus retratos ganham harmonia peculiar e força interior que os caracterizavam. Modigliani é encorajado pelo empresário Paul Guillaume, que compra todos os seus quadros e aluga um estúdio para que ele trabalhe. Ali ele pinta sua famosa série de nus, embora raramente retrate suas amantes dessa maneira.

O relacionamento de Modigliani com Beatrice torna-se conturbado e violento. As discussões terminam invariavelmente em agressões físicas. Certa vez ele atira, literalmente, Beatrice pela janela; de outra, foge para a rua, em estado de choque, após ter sido mordido nos testículos. Por volta de 1915, Modigliani já está quase totalmente dependente de drogas. Beatrice, incapaz de conter os excessos do amante, torna-se, também, uma alcoólatra. Um ano depois, o relacionamento está terminado.

Jeanne HebuterneJeanne Hébuterne (1919)

Em julho de 1917, Modigliani conhece Jeanne Hébuterne, jovem e talentosa aluna da Academia Colarossi. Pinta seu retrato, mais que de qualquer outra mulher, e a estudante de 19
anos dá-lhe uma filha, Jeanne. O relacionamento entre Modigliani e Jeanne Hébuterne é tão conturbado quanto o anterior. Conta-se que, neste período, Jeanne teve de ser internada várias vezes devido aos maus-tratos infligidos por Modigliani. No entanto, ao contrário de Beatrice, Jeanne era tímida e retraída, esposa devotada que suportava com resignação todas as infidelidades de Modigliani.

O sucesso ainda era uma ilusão nos últimos anos de vida de Modigliani, embora já existisse um crescente mercado para suas obras, principalmente devido a Leopold Zborowski, que substituiu Guillaume na função de seu empresário, em 1916. Zborowski percorria a pé as ruas de Paris, oferecendo as telas de Modigliani aos interessados e eventuais colecionadores. Mas não era fácil ver o seu trabalho, porque ele participava de poucas exibições.

UMA EXPOSIÇÃO SENSACIONAL

Em dezembro de 1917, Modigliani realiza sua primeira mostra individual, na Galeria Berthe e Weill. Até então, ele era praticamente desconhecido pela imprensa: nem mesmo as sete cabeças por ele esculpidas, que haviam sido incluídas no Salão de Outono, de 1912, chegaram a chamar a atenção. Zborowski, desejando atrair muitos visitantes, colocou vários nus na vitrina, que ficava em frente a uma delegacia de polícia. Lamentavelmente, a polícia, investida dos poderes extraordinários dos tempos de guerra, decidiu impedir a exposição “obscena” e fechou a galeria no dia da inauguração.

nudeNude (1917)

Zborowski era um poeta polonês, simpatizante dos “pintores malditos”, que tinha condições de dar a Modi uma pequena mesada, embora o artista já estivesse vendendo algumas obras.

Além disso, organizou a viagem de um grupo de artistas para o sul da França, em abril de 1918. Lá, Modigliani redescobriu sua admiração por Cézanne e pintou sua primeira paisagem desde os tempos de estudante na Itália. Foi para Cagnes-sur-Mer com um amigo, o pintor Chaím Soutine, que produziu inúmeras paisagens vibrantes, totalmente diferentes das imagens bem-comportadas de Modi.

Durante seus últimos anos de vida, Modigliani torna-se uma pessoa supersticiosa, não permitindo que seu estúdio fosse limpo ou que qualquer pessoa o interrompesse, com medo de perder a frágil inspiração. Perdeu também totalmente a confiança nos amigos e empresários.

Modigliani contraiu pneumonia no terrível inverno de 1920. Após passar quase todas as noites bebendo nos bares, sempre terminando no La Rotonde, voltava para casa pela manhã apenas em mangas de camisa. Alguns de seus contemporâneos o descreviam como alguém sempre “muito bêbado, muito chato e muito abatido”. Dias antes de morrer, desmaiou no estúdio onde morava com Jeanne, e a garota, assustada, não teve iniciativa para chamar um médico, limitando-se a sentar-se e vê-lo extinguir suas últimas energias. No dia 24 de janeiro de 1920 morreu de meningite tuberculosa, aos 35 anos. À tragédia do pintor segue-se a de Jeanne: grávida de muitos meses do segundo filho, ela atirou-se pela janela do apartamento, do quinto andar, logo após a morte de Modigliani. Cinco anos depois, seu corpo foi removido do cemitério de Bagneux para ser enterrado junto ao de Modigliani, em Le Père Lachaise.

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