O Impressionismo pôs em prática a primeira revolução moderna na arte. Com o rompimento da linha que contorna a figura o real da pintura começou a ser desvelado. O pintor começou a valorizar na tela a mancha pictórica, afastando-se cada vez mais da realidade, até a invenção do Cubismo que desencadeou a subversão da representação, a valorização das formas geométricas em substituição da anatomia, afirmação da autonomia da arte e a mudança de localização do sujeito/espectador diante da pintura.
Por traz do Cubismo, a história de um artista angustiado que reagiu ao impressionismo em busca do que a pintura tinha perdido: a profundidade. Curiosamente, é quem mais encaminha para a planificação, o espaço renascentista. Ao transmitir uma sensação de profundidade sem criar uma ilusão, reduziu a diferença entre figura e fundo. Paul Cézanne, o pai do Cubismo, sem qualquer incentivo, insatisfeito com sua pintura, considerava-se um fracasso e, quase no final da vida, reconheceu que tinha alcançado lentos progressos, “por que tão tarde?”, interroga a si mesmo. Mas esses pequenos progressos eram os recursos que Picasso e Braque precisavam para inventar a estética que direcionou os rumos da arte moderna.
A intenção de Cézanne era interpretar a natureza segundo os sólidos geométricos: o cilindro, o cone e a esfera. A arte que desde a Renascença estava mergulhada no excesso do real, tinha como verdade inquestionável a ilusão de espaço na superfície do plano, um pressuposto básico da tradição da pintura ocidental. Cézanne abriu as portas para os cubistas transgredirem as tradições e convenções da visualidade naturalista que orientava a arte no ocidente. O olhar cubista em movimento e a decomposição da forma, por livre vontade da imaginação e da fantasia do artista, construíram um espaço para desnudar as aparências e mostrar que a forma pode ser percebida de múltiplos pontos de vistas na mesma cena.
Na Renascença, era a geometria que regulava a relação entre o homem e o mundo representado no suporte bidimensional, ele era o observador privilegiado e centrado que dominava o entorno com o olhar. O Cubismo fragmentou o campo visual, descentrou o olhar e inventou um espaço multifacetado. Era a percepção da verdade moderna, confirmada pelo inconsciente descoberto pelo Dr. Freud, quando o sujeito perdeu sua posição de senhor absoluto e deixou de ser o centro organizador da representação. O Cubismo foi uma revolução na história do olhar. As contradições entre figura e fundo, claro e escuro, foram abaladas, a cor secundária. O que importava era o espaço construído pelas inquietações da percepção. Encerrava-se um modelo de ver, o compromisso de fidelidade com a aparência das coisas.
Sem um lugar fixo, o espectador passou a se desloca constantemente diante do que está à sua frente. Uma justaposição de perspectivas que mostra observações diferentes da mesma paisagem, o espaço moderno fragmentado, habitado pela velocidade da máquina. O Cubismo criou a estética da modernidade, um ideal de beleza inventado pelo raciocínio e pelas mãos de sujeito/artista. E dele sugiram as principais vanguardas revolucionárias que abalaram a ordem do olhar na primeira metade do século XX: O Construtivismo e o Futurismo de um lado e de outro, o Dadaísmo e o Surrealismo.
Les Demoiselles D’Avignon de Pablo Picasso dá início ao movimento, influenciado por Cézanne com sua pesquisa formal e experimental sobre as artes primitivas e as mascaras escultóricas africanas. Picasso, na rejeição de um lugar projetado para além do plano do quadro, renuncia à perspectiva. As coisas e o espaço se fundiram na pintura. As formas e os volumes foram geometrizados. Nas palavras do crítico e teórico do grupo, Apollinaire: “A geometria está para as artes plásticas, assim como a gramática está para a arte de escrever.” As partes de um mesmo objeto eram projetadas num mesmo plano, abstraindo sua aparência imediata. Um privilégio do bidimensional contra a idéia de arte como imitação da natureza.
Decompor a realidade e depois recriá-la a partir de um repertório de elementos geométricos era o objetivo do artista cubista, para revelar o que se passa despercebido na imagem, como: a estrutura de figuras humanas e de objetos. Os objetos vistos de vários ângulos, ao mesmo tempo, eliminam a ilusão de tridimensionalidade. Movimento das artes plásticas, o Cubismo influenciou a literatura, principalmente a poesia com uma preocupação voltada para a construção gráfica do texto, antecipando a poesia concreta.