Almandrade

Não diz respeito à arte a invasão de caricaturas como certos monumentos e muros pintados que mascaram ou são atributos de decoração da paisagem urbana. O artista tem uma responsabilidade e uma cumplicidade quando leva para a rua o seu trabalho. Não é simplesmente colocá-lo na praça, sem passar por um processo de reflexão e adaptação ao espaço público. Vivemos num mundo dominado pela imagem, e a arte deve ser a imagem que desvia o olhar para o pensamento e para o poético.

Se fazemos parte de uma civilização da imagem, das técnicas de publicidade, do design, do planejamento, a visualidade urbana é um campo simbólico onde tudo é substituível, o que significa o processo contínuo de construção e reconstrução do espaço urbano. Um lugar de lutas, de lazer, de trabalho e devaneios de gerações. Esse espaço construído sem surpresas, sem novidades, sem expectativas, precisa ao menos ser conservado como corpo vivo de uma sociedade. A cidade necessita da arte para construir seu espaço sensorial. A paixão pelas formas, pelas cores, sempre fez parte da história do homem, desde os tempos das cavernas.

A arte e a rua estão às vezes ligadas pelo mesmo equívoco. Os lugares públicos são invadidos por determinadas imagens, sem dúvida fenômenos culturais, mas sem nenhuma preocupação de conceito e forma com a realidade local; distante, portanto, daquilo que a história tem nos ensinado como arte. O pacto que vai determinar a inserção da arte na cidade não se reduz a finalidades utilitárias de estetizar o campo social. O espaço urbano é um suporte de visualidades estranhamente díspares, e a intervenção da arte é um meio de gerar conhecimentos que alteram ou enriquecem a percepção do cotidiano, além de marcar a paisagem urbana com a referência do enigma que faz da cidade também um abrigo de imagens poéticas.

Para se defender da ameaça do tempo e sustentar uma demanda de eternidade, o homem inventa, com a arte, símbolos secretos que atravessam gerações e os depositam, entre outros compartimentos, no espaço urbano. As ruas e praças são incorporadas de significações singulares (imagens subjetivas), que revertem a banalização da imagem urbana desenhada por um planejamento que desconhece ou desconsidera as fantasias e devaneios de seus usuários.

Escassos recursos para se construir espaços habitáveis, perdas de tempo nos deslocamentos, carência de valores simbólicos, um esquema rigoroso e impessoal de um planejamento voltado para a ortopedia social, contradizem as necessidades materiais, sociais e psicológicas da qualidade de vida nas grandes cidades. É inegável a exatidão da vida prática moderna modelada pela economia, pela administração e pelo tempo do relógio, intensificando ainda mais a indiferença aos sentimentos e às paixões. É reduzido, ao usuário, o direito de viver sua própria individualidade. Ao contrário da publicidade, que invade o espaço habitável para vender um produto, ou de certos murais e monumentos que ilustram o compromisso de um sintoma cultural, a arte devolve ao sujeito sua intranqüilidade perdida, expõe ao olhar o desconhecido, fazendo um convite ao pensamento. Com a arte, se introduz na cidade um comportamento perceptivo, um olhar descontraído. A liberdade de imaginar.

A arte devolve ao homem o prazer de estar diante de signos que não ditam ordens de serviço ou de consumo.