O diretor do Museu de Arte Moderna da Bahia fez bem, mostrou que sabe agir com bom senso abrindo o auditório do museu e convidando artistas, críticos e o público para sessões livres sobre uma possível mostra bianual de artes visuais. Um fantasma que ronda o inconsciente dos artistas, principalmente os mais jovens e se manifesta em reivindicações, que algumas vezes, chegam a ignorar a função sócio cultural da instituição. As falas são muitas, faltam os analistas. Uma mostra de arte de repercussão nacional é o objeto da ansiedade de artistas e uma promessa do Estado que merece uma atenção mais depurada. Nos últimos vinte ou trinta anos, não avançamos no pensamento, nem construímos, ainda, uma política cultural mais efetiva, apesar do investimento na mobilização de comunidades e operários da arte em torno do tema.
A discussão é oportuna coloca sobre a mesa questões pertinentes que ultrapassam as dúvidas da mostra, como: as próprias ações, não só do MAM, como também dos outros museus de arte, o estágio em que se encontra a formação dos artistas e a arte nos dias hoje. Entre a burocracia dos editais, as leis de incentivo e a superioridade do mercado, os museus se encontram numa corda bamba, sem recursos para realizar seus projetos e manter uma programação livre de pressões externas alheias aos compromissos culturais da instituição.
Se o MAM deve, ou não, promover uma mostra nacional de arte, primeiro é necessário que ele disponha de um projeto curatorial e a referida mostra esteja integrada nesse projeto, para não vir a ser uma grande festa isolada, que acaba com a ressaca do dia seguinte. Afinal, museu não é instituição de caridade para adotar "pobres artistas" e muito menos casa de eventos à disposição de proponentes. Embora muitas salas de exposição se encontrem atualmente à espera de propostas premiadas nas loterias dos editais, algumas até nem precisariam apelar pra sorte, para ter visibilidade: são necessárias ao circuito cultural.
Depois que a cultura foi dominada pela barbárie, numa sociedade que privilegia a produção de mercadorias culturais, o pensamento foi derrotado pela indústria do entretenimento e o poder do mercado. Quem acaba decidindo o que é arte, é o mercado, com o apelo publicitário, ele impõe o valor de legitimação. As feiras mobilizam os investidores, superaram em termos de expectativa as bienais de arte, que foram transformadas em supermercado de periferia, com produtos mais em conta para o consumidor de classe média. Não se acredita mais na linguagem, mas no valor de troca. O pensamento é o líquido derramado que brilha na superfície da obra, com prazo de validade limitado. Se, objeto de arte, for um falso brilhante, não importa, satisfaz à chamada economia criativa.
O público de formação estranha à história da arte procura um investimento seguro. Uma bienal de arte, como uma feira de automóveis, se não for um banco de informações confiável, trás para o mercado novidades para estimular ou chamar a atenção do consumidor. Mas com um mínimo de inteligência, pode trazer discussões para uma avaliação, informação e transformação do meio de arte, neste caso o auditório do MAM, sem querer, faz a provocação: Se o Estado, em nome de uma democracia cultural, investe na formação de proponentes, em cursos de preenchimento de formulários e de formatação de projetos, em detrimento da crítica, da informação de artista, formação de público, capacitação de recursos humanos e da qualificação dos espaços culturais, onde e como tornar a promessa da bienal viável?
O relato de quem vivenciou e de quem acompanhou os acontecimentos, mesmo distante no tempo, do final da década de 1960, das Bienais da Bahia, coloca em cena um contexto diferente do momento que estamos vivendo, esquecido no fundo da memória, importante para se retomar uma experiência, com as referências históricas. O cenário das artes em 1966 e 68 era de uma Bahia centro da descentralização da arte brasileira. A crescente industrialização do nordeste, a Sudene, o Centro Industrial de Aratu, o Banco do Estado da Bahia inauguravam uma nova consciência no Brasil e acreditava-se numa mudança na cultura do Nordeste, contexto favorável para a Bienal da Bahia, a mais importante exposição de arte do País, depois da Bienal de São Paulo.
Fechada a segunda Bienal, logo após a inauguração, em decorrência do momento político crítico que passava o País, não teve continuidade. A mudança cultural esperada com a industrialização, não passou de um sonho. A realidade cultural e política hoje é outra, mas é preciso conhecer o passado para dar um passo adiante. Se a promessa de mostra não for adiante, a discussão do MAM já vale a pena, a reconstrução da história é favorável ao pensamento, a cultura é quem lucra. Nem tudo é absurdo e bizarro.