A “inutilidade da arte” é essencial para a vida. A vivência com as artes fortalece a educação e a formação cultural mais ampla. Obras de arte, monumentos, mobiliários urbanos e objetos utilitários são instalados na cidade para atender não somente a funcionalidade, mas também o sentido, a memória e despertar a imaginação de quem nela vive. A depredação desses monumentos e objetos públicos vêm chamando a atenção na paisagem urbana e traz para a cena uma discussão sobre a cidade, cidadania, responsabilidade pelo bem público e educação patrimonial.
Por qualquer motivo, esculturas, placas de trânsito, pontos de ônibus, lixeiras, estátuas, prédios históricos etc. são alvos de ações hostis que comprometem a cultura e a qualidade urbanística. Não se trata de revolta contra valores, personagens, datas que esses monumentos significam ou representam, as intervenções e agressões não passam por nenhuma consciência crítica. O vandalismo é cada vez mais frequente, como um comportamento natural de uma sociedade individualista, que deu as costas aos valores e princípios, da moral e da ética. Estes foram substituídos por um desejo perverso de deixar na cidade o registro da violência e da impunidade. Uma brincadeira que aponta para a falta de compromisso com a coisa pública e com a memória da cidade. Essas ações e se espalham como um vírus no tecido urbano.
Só pra citar um exemplo surpreendente: A curadoria da 3ª Bienal da Bahia me solicitou uma escultura pública, que foi pensada para uma praça onde o transeunte pudesse interagir, sem esquecer a responsabilidade e a cumplicidade do artista com a cidade. A peça foi doada à UFBA e instalada no campus de ondina, entre a biblioteca, o restaurante e o pavilhão Glauber Rocha. Simplesmente, com menos de dois anos a peça foi danificada, transformada em mural pelos próprios estudantes. Se o vandalismo ocorre no lugar onde é o centro da educação e da cultura o que podemos esperar do estado dos monumentos da cidade? – O retrato da educação e da cidadania no Brasil dos últimos anos? – A educação deveria ser o principal meio da civilidade e do respeito aos valores indispensáveis à vida social. Mas é na própria escola que ocorre os primeiros gestos, como o chiclete na carteira, as pichações, a depredação das esquadrias e do mobiliário.
A cultura da cidade está em declínio. Houve uma perda de sentimento e cuidado com o patrimônio coletivo e com a paisagem urbana. Sem esquecer o aumento da população marginalizada, impossibilitada de acesso às mínimas condições de sobrevivência. Paralelo ao crescimento da cidade se desenvolveu todo tipo de marginalidade e violência.
Ao longo do tempo a cidade constrói histórias e guarda nas ruas, praças e monumentos, várias memórias. Esse território simbólico é propriedade de todos. Mas o desconhecimento e o desprezo pela cultura e a memória da cidade coloca em xeque a noção de cidadania e a responsabilidade pela guarda, vigilância e conservação desse patrimônio. Se a cultura está cada vez mais associada a entretenimento, tudo é diversão até pichação nos equipamentos e monumentos urbanos.
Os bens públicos, administrados pelo Estado, são de responsabilidade de todos, sua guarda, conservação e vigilância. Mas uma população que despreza a memória, ninguém mais presta atenção de quem é o busto, o que significa o monumento, muito menos se interessa em saber do serviço que aquele equipamento presta a população e quanto custa a sua manutenção.
Não há mais tempo para a prática da cidadania. A rua que era o lugar do encontro e do acaso, é apenas a via de passagem de trabalhadores e consumidores, expostos a todo tipo de insegurança urbana. E uma vez por ano, ela é a estrada do trio elétrico que arrasta o que resta nela e deixa no dia seguinte, cicatrizes no patrimônio natural e cultural.
Por outro lado, em nome da arte deposita-se qualquer coisa em qualquer lugar como se a cidade fosse um reservatório de uma forma estranha de autoafirmação. Aprendemos com o progresso a produzir lixo, toda espécie de lixo é lançado na cidade. É a barbárie moderna que decretou o fim da paisagem urbana, como uma construção coletiva e civilizada. Mais uma forma de agressão contra o espaço público. As intervenções da arte obedecem a outro raciocínio.