As mulheres que foram, em quase toda história da arte, objetos do olhar masculino, musas, modelos, no Brasil, elas marcaram presença com trabalhos singulares e inovadores, a exemplo de Maria Leontina (1917-1984). Conhecida por sua pintura produzida às margens dos movimentos: Concreto e Neoconcreto, mas seguindo de forma livre a tendência construtiva, Leontina passou pelo academicismo e o expressionismo, fez experiências com a cor e o gesto, direcionando sua pintura para um abstracionismo geométrico espontâneo. Um construtivismo lírico, e porque não, pessoal e sensível.
Essa exposição de desenhos de Maria Leontina, guardados na sua mapoteca, por cerca de vinte e cinco anos, é um achado quase arqueológico. Só a curiosidade de um curador com a permissão da família foi possível encontrar essas pequenas preciosidades. Quem visita o atelier de um artista sempre encontra surpresas, um mundo particular de quem passou a vida reinventando o olhar, fixando sobre superfícies ou suportes gestos, traços, cores, os devaneios da mão e as imagens do confronto com o estar no mundo.
Estamos diante de anotações, esboços, obras acabadas ou inacabadas. Não temos certeza. Não importa. São exercícios da artista que demonstra uma disciplina de trabalho. São desenhos em pequenos formatos, despretensiosos, com traços modernos e leves. Muitos parecem que vão sair do papel e flutuar no mundo da imaginação. Esses desenhos, além da qualidade estética de obra de arte, são documentos, registros que descrevem uma vida de trabalho, referências existenciais da artista que não comprometeram os valores plásticos de suas construções pictóricas.
O traço intencionalmente delicado do desenho de Leontina tem uma história, deixaram de ser contornos de coisas e passaram a ser intervenções e reações do sujeito para ocupar um espaço. Desenhos infantis, estudos acadêmicos, retratos expressionistas, naturezas mortas e desenhos geométricos que narram a passagem do figurativo para o abstrato. A ventura da artista para construir uma obra e a opção por composições não ortodoxas, narrativas visuais, indiferentes ao suporte teórico que sustentava a vanguarda geométrica, com um senso poético que surpreende a razão construtiva.