Almandrade

"De um objeto sem nome não sabemos o que fazer".

Maurice Blanchot

O homem carrega dentro de si o medo do desconhecido; para disfarçar este medo, ele atribui um nome ao fantasma que não conhece. A fala toma conta da coisa, uma espécie de abrigo onde o homem se protege, negando a coisa e reconstituindo-a longe do terror do real. O objeto, depois de nomeado, passa para o mundo da linguagem. Como um ser atravessado pela palavra, o homem se aproxima ou se distancia do mundo e das coisas, apropria-se do real e tenta dominar o desconhecido. A coisa e o mundo tornam-se imagens e conceitos, longe daquilo que o homem não desejava ver: as suas obscuras existências que ameaçam o seu saber organizado.

Para se tornar mestre dos animais, Adão lhes impôs um nome aniquilando suas existências, (Hegel, citado por Blanchot). Na busca da cômoda ilusão de ver um mundo ordenado e deter o incômodo do desconhecido, o homem usa do poder da palavra, subtraindo do ser a sua existência, mergulhando-o no nada da linguagem. Retendo enigmas inexplicáveis. A compreensão equivale a um assassinato da coisa, o conceito é a ausência do ser. Por mais que a fala se aproxime do objeto, há sempre um abismo entre o que se vê e o que se enuncia. O objeto é sempre diferente dos inventários das percepções possíveis.

O medo nos esvazia, causa pânico. É preciso encontrar um lugar, um conceito, para se depositar o que não se entende. É impossível para o homem suportar a coisa sem nome. O acesso mais fácil ao objeto ocorre a partir do que se pode falar sobre ele, condição imposta pelo desejo de conhecimento. Para isto, é preciso nomear o desconhecido, submetê-lo à lei da fala. O inexplicável é sempre um fantasma que angustia o homem. Ao se defrontar com a arte e sua maldição do incompreensível, ele procura se defender atrás de um nome. É como se o objeto sem uma designação ferisse o olhar.

"Je ne peins pas une famme, je fais um tableau”.

Matisse

O artista inventa a ilusão de uma obra para transgredir a linguagem ou, como queria Bataille, para pensar o impossível. Ao acumular um sistema de signos perversos, o olhar do artista vem reclamar a presença de um sujeito angustiado no conhecimento do mundo, um sujeito que desafia o desconhecido. A arte tem como tema a essência da linguagem, uma linguagem inquietante e contraditória, cercada de incertezas, que são as próprias incertezas do homem diante de seu destino. Com a experiência moderna, a arte mergulhou num túnel atrás do novo, de possibilidades desconhecidas de olhar. Momentos do belo que assumiram designações, uma mania do ocidente de tudo regulamentar e encaixar num determinado lugar. Todo movimento tinha um nome, gerando um desencadeamento de "ismos", que fazem a história do belo moderno.

O homem recorre à palavra para esconder seu medo de não entender esse objeto silencioso, que projeta uma sombra desconhecida e provocadora. A materialidade da arte poderia ser um fato sem explicação, embora ela garanta sua existência independentemente de conceituações; o homem precisa explicá-la, nomear sua intimidade, para se sentir seguro do terror daquilo que não faz parte do seu modelo de conhecimento. É interessante ver, como exemplo, as origens de certos nomes do belo moderno: A ironia de um crítico ao jovem pintor francês George Braque, ao afirmar que este reduzia o mundo a cubos, veio dar nome ao movimento de onde saiu as principais tendências da modernidade: o Cubismo. O Dadá veio de uma palavra tirada por acaso do dicionário "Larousse", que significava "Cavalo", na linguagem infantil. Palavra que não definia nenhum programa, a não ser a estranheza e a irreverência de um grupo de artistas com a sociedade e a própria arte.

Não se fala para dizer alguma coisa, mas para dominar o mundo e as coisas, para evitar o fantasma que não se sabe de onde veio e para que serve. Ou para negar a natureza da obra de arte, torná-la legível e estabelecer uma retórica da ordem cultural. Mas a fala não é suficiente para deter o complexo de "problemas" e "segredos" que envolvem uma obra de arte. Merleau-Ponty nos fala de um olhar interior, um terceiro olho que vê a obra de arte, que vê o nada que ela acrescenta ao mundo para celebrar o enigma da visualidade.

Depois de mais de cem anos de arte moderna marcada de rupturas e cortes com a história, era preciso se livrar da angústia do novo contra a tradição, encerrar este tempo moderno e fazer retornar o que foi esquecido. O que poderia vir depois do desencanto com o moderno e seus estilos, para dar conta dos novos procedimentos na linguagem da arte, só poderia ter um nome: Pós-Moderno, e encerrar definitivamente o difícil desejo de esquecer o passado e voltar a sonhar com ele, sem o complexo de culpa de não ser moderno.

A realidade da obra de arte não se limita à realidade definida por um conceito; qualquer definição não passa de tautologia. A arte vive este drama do lugar incerto, da necessidade de um nome que não a define. Ela não busca nem a verdade, nem a utilidade, ela imita realidades imaginárias, para estabelecer novas relações simbólicas com o mundo. Se não há falas sem respostas, a obra fala para demandar, de quem a olha, respostas silenciosas. Sustenta a fala do outro, mas não se deixa seduzir pelas verdades contidas nela. O desejo de dar nome, classificar o estilo, explica-se pelo fato de que a percepção é condicionada por costumes e convenções. “Só se vê o que estamos preparados para interpretar”, diz Peirce. Como o sábio que se limita dentro de seu próprio saber, vê o que está ao seu redor a partir do que sabe.

Por ser enigmas, as obras de arte irritam a teoria da arte (Adorno) e incomodam o olhar desavisado. Elas se resumem em questões insolúveis, porque, se respondem alguma coisa, respondem para si mesmas, falam de suas inquietações particulares. A designação pós-moderna é também mais um lugar incerto para acomodar um outro momento incompreensível da arte, às custas de novas explicações. A identificação serve para fingir uma percepção a respeito da estranheza da arte com o cotidiano, ou escamotear o medo diante do silêncio da obra, que resiste aos conceitos, ao tempo e ao riso do contemplador. O sintoma pós-moderno faz retornar a nostalgia da tradição diante de um espelho moderno que reflete o velho desacordo entre o conceito e a obra de arte. Este objeto escorregadio, onde o homem sublima sua violência primitiva, muda de forma, muda de cor, troca de matéria e recebe outros nomes.