Fonte: Revista Continente Multicultural

 

Uma coisa – uma pedra, por exemplo – é uma indevassável concentração de matéria. A vista não a penetra, a luz não a penetra. O escultor encontra nela o seu contrário, a sua negação. Ela é massa, peso, matéria inerte. Incutir-lhe vida foi o desafio a que ele se propôs: transformou a pedra em atletas, deusas, personagens de um mundo alegórico que a História se encarregou de dissipar...

O homem foi de novo devolvido ao real – massa, peso, opacidade. A sua luta agora se dá nos limites da percepção, sem mitologias. É o começo da escultura moderna: Brancusi, Boccioni, Pevsner, Gabo, Max Bill...

 Franz Weissmann, austríaco de nascimento e brasileiro por opção, veio juntar-se a essa família de radicais transformadores da matéria. Eles são os recuperadores do espaço – espaço interior à coisa, a sua massa compacta. Começam por perfurá-la e por descobrir a matéria como uma modalidade do espaço e vice-versa. E desse modo, a oposição massa-espaço torna-se uma relação dialética que abre ao escultor um campo novo de ilimitadas possibilidades.

 Nessa linha de indagação, há agora o vazio, o espaço indeterminado, e é dentro dele que nasce – como uma planta – a escultura de Franz Weissmann. E que, ao nascer, cria um novo espaço – um espaço humano no limite do espaço natural. Uma delicada transfiguração que parece buscar a justa medida do homem e da natureza, do imaginário e do real, sem violência e sem retórica. Uma poética do espaço que é, ao mesmo tempo, uma ética da expressão: o mínimo de recursos para que, sem ênfase, a poesia, a beleza, enfim, o espírito do homem se construa fora dele, no ar, aqui, agora, no espaço da cidade. Um audacioso exercício da liberdade em que o artista se põe incessantemente à prova: o espaço vazio oferece-lhe todas as direções, aceita toda e qualquer forma. Sem a referência figurativa, sem delimitações a priori, ele está entregue unicamente a sua capacidade de intuir as significações potenciais da forma abstrata no espaço abstrato, vale dizer, torná-los concretos, de inseri-los no espaço social como expressão estética.

 A escultura de Franz Weissmann é, assim, uma permanente redescoberta do espaço e da forma que, a cada nova obra, parecem despontar pela primeira vez diante de nossos olhos.

Foi a Unidade tripartida, de Max Bill, exposta na I Bienal de São Paulo, em 1951, que mudou o rumo da arte de Franz Weissmann, até então um escultor figurativo em cujas obras os elementos naturais apareciam mudados em retas e curvas. O conhecimento da obra do escultor suíço revelou-lhe novas possibilidades da expressão escultórica, que adotou em parte, sem, no entanto, desvincular-se inteiramente da linguagem anterior. Pouco depois, passou a trabalhar com chapas de metal ora planas ora cilíndricas, criando estruturas que já em nada aludiam ao mundo natural.

 Nos anos que se seguem, Weissmann elabora e requinta essa expressão, descobrindo ritmos cada vez mais econômicos e incisivos para energizar o vazio. Chega finalmente a conceber estruturas de grande leveza, que oferecem ao espectador uma multiplicidade de perspectivas, de ângulos de visão, reveladores das inesperadas e ricas direções do espaço redescoberto. É a partir de então que Weissmann, chegado a essa economia limite da forma, volta a enriquecer suas construções, já agora preocupado com as orquestrações desses ritmos de linhas e vazios.

 Mas são muitos os caminhos que ele descobre, as inovações que introduz, sem alarde, em suas esculturas. A descoberta do espaço adquire um significado mais substancial, à medida que encontra a unidade interior entre a forma e o vazio, uma relação dialética, sutil, que dá as suas obras um significado novo, como se, de súbito, forma e espaço se mostrassem a nós pela primeira vez.

 A escultura brasileira mudou, ganhou nova dimensão, depois que nela surgiu e floresceu a obra de Franz Weissmann. Não há dúvida de que essa mudança seguiu uma das tendências escultóricas próprias do século 20 e que se caracteriza pela substituição do volume pelo plano e o fio, pela valorização do espaço e não da massa. Trata-se de uma tendência internacional, mas dentro dela, Weissmann é uma voz de inconfundível lirismo. E se esse lirismo expressa-se na delicadeza e ambigüidade de volumes virtuais e planos de cor, adquire ainda maior sutileza nos Fios que ele reuniu nessa última mostra individual.

O fascínio de Franz Weissmann pela relação fio-espaço pode-se perceber já em alguns de seus trabalhos figurativos dos anos 40-50, mas só depois que livrou o fio de toda referência figurativa, pode fazer dele um instrumento de exploração e revelação das múltiplas dimensões do vazio.

Costumo dizer que uma das características da arte do século 20 foi a eliminação da fantasia em favor da construção racional. Isto é verdade, até mesmo para a escultura de Weissmann, mas só até certo ponto, pois ele soube, aos poucos, superar a racionalidade simples das primeiras obras construtivas para, finalmente, fazer dela instrumento de sua invenção espacial. Na verdade, as esculturas aqui expostas mostram-nos como o escultor consegue, sem romper a lógica da forma racionalmente concebida, revelar-nos sua potencial ambigüidade.

 Com sua morte, em julho passado, a arte brasileira perdeu um mestre.