Escultura/Objeto/Montagem
As Assemblages - Um apêlo à inteligência e à sensibilidade. Escultura/Objeto/Montagem e a virtude da Poesia Enigmática – um universo estético que se superpõe à expressividade por seu conteúdo estético, enigmático e poético.
Os mágicos circuitos da pintura/escultura dos relevos ou bi-dimencional funcionam como meio de comunicação, como um instrumento metafísico, desconcertante por vezes, no amontoado de elementos em sua linguagem lúdica, enigmática - como dizem os franceses "pas quelque personne" - considerando-se que, nestes tempos materialistas, a importância da metafísica na arte não é somente a linguagem de um clima estético mas, de uma época de deformações e transformações, de deteriorização e de destruição, ao mesmo tempo de um ciclo verdadeiramente renovador ao transformar o objeto em signos ou símbolos. E a arte da semântica. (*) E neste rumo a artista percorre os caminhos dadaístas e do niilismo, do minimalismo, dos múltiplos, do concretismo, do construtivismo e do surrealismo.
Por volta de 1978, Paul Gauthier, um crítico de grande prestígio em Paris, definia as assemblages um tanto paradoxalmente: ele dizia que a "essência alegórica das coisas e a parábola simbólica do labirinto adquiria nestas obras o sentido global da vida, a significativa cosmogonia da humanidade, perdida na imensidão do tempo/espaço e encarando uma cultura explodida face a uma civilização em crise de um mundo quebrado,
usado, de arquiteturas destruídas entre símbolos, círculos e triângulos que acabaram abandonados no cubo ou na esfera, num universo em pedaços". Na verdade, os "encaixes" ou os volumes nos quais aquelas formas geométricas estão inseridas constituem células de elementos muito significativos. Esta é, aliás, a noção primordial da enigmática assemblage em bruto para o conceito de montagem estruturalista, minimalista ou de múltiplos.
(*) Semântica – Arte representada por meio de sinais. O mesmo que
semiografia.
“Alusões” – signos e símbolos das imagens “verso e Reverso” compõe a linguagem dos objetos ao utilizar elementos de collage e relevos que quebram a planiferia do espaço e enriquecem a expressividade das imagens concretistas que aqui figuram como “guardiões” do símbolo da mitologia iorubá: o sol e a lua.
Através destas construções a sabedoria secular está equilibrada entre o sentimento e a razão, conseqüência de representações extravagantes da atuação mundial da arte que, como sistema plástico excêntrico, se estabelece numa síntese prática: escultura /arquitetura/pintura e que, por interpretação, se aglutinam como elementos de ação dispersos. E a pintura surge em seu novo papel bastante diversificado de sua submissão secular.
Três técnicas distinguem-se como características principais desta fase: "encaixes", collages e assemblages, pela agregação e ligação de elementos diversos na caixa de "encaixe". Estas três formas de exprimir uma mesma idéia fundamental em relação a métodos firmados por signos e estruturas, com inclusão de objetos de sucata, de significados pseudo científicos ou - como prefere a artista - etnográficos e antropológicos de suas raízes, constituem uma espécie de "quebra-cabeça" projetadas nos encaixes e nos relevos que evocam o jogo do tempo.
Numa época em que estas tendências, recusadas ou aceitas, curiosamente valorizam suas contradições e das quais parte a idéia-força de criação de símbolos, as estruturas se conjugam com traços derivados dos fundos do suporte e como seu complemento. A inclusão de objetos vários e diversificados evocam a vivência do material, literalmente moldado em um profundo espírito de síntese como característica essencial, paradoxalmente através de objetos artísticos perdidos na imensidão do elemento tempo/espaço, como, por exemplo, a soleira da moldura que sustenta um cubo, um círculo ou uma esfera representando e significando lugares geométricos no refúgio do homem que acaba abandonado na imensidão material de seu mundo subjetivo ou como na referência de uma escultura na face demolida e destroçada.
“A narração” – escultura / pintura / collage – O centro de interesse situa-se na colocação da composição estrutural e no ritmo em que é feito o arranjo de peças e significados simbólicos, tendo como referências o círculo central como símbolo do universo em que representa o Orbe da terra ou da água, ou a serpente da continuidade apenas sugerida, e o esquadro como símbolo da justiça e da integridade.
Neste meio de expressão a identidade cultural na obra da artista tem um caráter realista no seu sentido poético. Os mágicos elementos geométricos que a caracteriza se transformam nos circuitos da escultura, da pintura e dos relevos dentro de uma concepção que tem os atributos da lata de lixo nas belas artes da modernidade pela adjetivação espirituosa e diversificada que se tornam instigantes pelo seu poder de crítica e reflexão: a perícia de transformar o vazio em plenitude, os detritos em tesouros de significados e as sutilezas do desgaste da matéria valorizados pelo tempo de vivência, numa fascinante abordagem pela coerência de suas referências culturais.
Temática à parte, a técnica transforma o vazio em plenitude, o mínimo no máximo.
A fase derradeira da artista comprova que as fronteiras entre escultura e pintura são coisas do passado. E sua característica essencial é a plenitude da ironia e a utilização da sucata dos objetos cotidianos na busca da refinada linguagem e ambíguo sentido, dotada de virtudes pelo equilíbrio da composição apurada, sintetizada e plena de significados.
Este é um caminho, embora muitos outros sejam aceitos pelas belas artes através dos tempos.
A Musa dos Ancestrais" assume um compromisso experimental que a leva a dominar a composição travestida de perspectiva, a caixa que sustenta um cubo, um cone ou a esfera significando um conceito que acaba na imensidão do seu mundo subjetivo na referência a um tempo remoto que traz imagens que assumem a atualidade num transitar de buscar seu destino a uma visão futura, enigmática, misteriosa, criando um clima metafísico de uma escultura destroçada, entretanto, lírica em toda a sua extensão. Aqui se remete à afirmação de que a arte negra é tão universal quanto a arte grega ou romana. Realidade imaginada, objeto e espaço falam por si mesmos.
A METAFÍSICA DO MATERIAL/ ARTE
A técnica da collage nas assemblages acabou agravando os conceitos entre arte e técnica; no fundo, a idéia de se revestir, adornar ou matizar detalhes e collages teria um sentido de criar ou chocar - técnica do dadaísmo e do niilismo - numa ruptura com todo o realismo da arte conceitual pelo desprezo à sensibilidade, pela instauração de uma desordem que se alia à contemplação e à sensibilidade numa época do não ser da arte e do disparate da vida moderna.
Mas é dentro deste conceito perturbador pela utilização de papéis enrugados, metais retorcidos, madeiras estagnadas, pinturas e collages complementando-se, que os artistas se encaminharam para um conceito mais amplo; e a assemblage, neste caso, adquiriu capital importância por estas mesmas razões. Sente-se, então, que o papel polivalente das collages introduzidas para quebrar o efeito da perspectiva através da analogia de texturas é que conduziu a artista à sua integração como um fragmento de outra realidade. E a técnica ou o mérito de nada dizer sobre sua visão artística do mundo.
"Fragmentos" é a busca de um inexorável equilíbrio no jogo da proporção e da composição numa linguagem que chega, não raro, quase ao desvario no seu afã de procurar dominar a mais difícil de todas as expressões, que é a captação do vital dentro do mínimo de elementos - especialmente em se tratando de peças fragmentadas e de dúbio sentido.
No fundo, é um reencontro com um dos campos de maior fascínio dos vínculos africanos com a expressão artística dentro das mais variadas formas: a arte pura tão universal quanto a arte grega.
(.) Niilismo – qualificado por Nietzsche como a destruição de todos os valores. Doutrina segundo o qual só será possível se alcançar o prograsso da humanidade após a destruição do que socialmente existe. No fundo, as assemblages partem deste princípio pela valorização do tempo nos elementos materiais, encaminhando-a para uma linguagem sofisticada e sutil.
(.) Arte Conceitual – se define na obra a partir de matéria inusitada ou disparatada e sobre isto tenha um sentido semiótico qualquer. (representada através de símbolos) Arte conceitual por excelência, a assemblage é, ainda mais, a semântica da estética do século XXI, com todos os seus mistérios e desafios.
Este processo trouxe em seu rastro reflexos no deslocamento do objeto da arte para o objeto de arte que é criado pela artista, permitindo observar-se a sutilidade conteúdo/contido/significando/significado dos remanescentes da arte deste século. E, afinal, a reafirmação do conceito de arte levando em conta, essencialmente, a destruição do objeto em seu estado natural, em "bruto", um significativo estado selvagem como o princípio e a finalidade da arte, como, por exemplo, a "destruição" do conceito impressionista que deforma a imagem sem negá-la.
Com esta prática, desarticulou-se a "noção tátil de espaço" mais encontrado do que procurado, ao perceber que a metafísica da matéria se definia e conquistava um importante movimento artístico: o surrealismo.
Nos primeiros momentos de contato com as assemblages e a obra de Saint Cricq, na França, e a de Baljonero no México, nos estágios da UNAM (Universidade Nacional Autônoma do México), na Escola Nacional La Esmeralda e na Escola de Artes Plásticas San Carlos, em 1979, a artista surpreendeu-se com a arrojada proposta destes dois expoentes da época, que a levou à perplexidade - mas que, entretanto, foi decisiva nos seus últimos estágios deste terceiro milênio. Foi um apêlo a sua sensibilidade pela natural repulsa à manipulação e interferência do material da sucata e sua valorização, conceitos difíceis de aceitação, embora pelos quais a artista sempre teve propensão. Assim, exulta com a habitual tendência de avaliar as pequeninas coisas que junta e que tanto importam como objeto da sua divertida estética, virtude maior do que seu valor intrínseco...E, afinal, a compreensão dos rumos plásticos e das sutilezas de um mundo conturbado, ambíguo e perplexo em que vivemos, pleno de contradições e antagonismos.
"Quem mandou ir à Toledo?" é um apelo à sensibilidade na avaliação de peças e que tanto importam como objeto de sua divertida estética, virtude maior que seu conteúdo intrínseco.
Para isso, habitualmente detém-se à procura de matéria prima para a produção de uma série de texturas elaboradas do Baobá(*) e do Amatle(*), sem perder as características do solo africano à cata de "preciosidades", permanecendo por longo tempo utilizando-se de várias opções que vão além deste "garimpo" com peças alternativas, plenas de significados, para comprovar o poder de expressão do charmoso material de demolição (dois quais se valeu para construir seu atelier), de esculturas e madeiras entalhadas, objetos de decoração, móveis e resquícios até de peças orientais, janelas e portas antigas, materiais que se valorizam nas sofisticadas assemblages pela cor natural da madeira desgastada pelo tempo. Ferros, cerâmica, pedras e acrílicos, objetos folclóricos, atavios enriquecem a composição diversificada de suas assemblages ao resguardar a sua identidade que acaba exigindo do observador mais do que uma simples visão.
A artista vale-se, também, de minimalismos para representar uma experiência mais física do que propriamente visual e dos quais, depois de tantos anos de produção artística, reivindica o direito de fazer brotar de suas mãos instalações, assemblages, denúncias e referências à triste realidade africana em torno de suas lutas, anseios e aspirações, através, é verdade, de polêmico tema, para valorizar a vivência natural da sucata em esculturas, pinturas, collages mas guardando o caráter estético, cada uma de per-si.
"Breves Caminhos da Forma" aborda a mesma idéia essencial na qual a pintura guarda evidentes relações que tornam improvável qualquer tentativa de uma leitura separada em relação à composição e em que parece evocar uma idéia estritamente ligada à matéria e ao efeito do espaço/tempo sobre ela: o homem em um mundo fragmentado na referência da simbologia da figa, da tapeçaria autóctone e no sinal cruciforme da tradição dos Lunda-Quiocos de Angola, tendo na mão direita a sua memória dramaticamente representada, apesar da leveza do gesto.
(*) Baobá - Tradicional árvore africana.
(*)Amatle- Matéria prima de resíduos de casca de árvore e cola.
O Dadaísmo e o Surrealismo deflagraram uma verdadeira revolução na estética sob o signo da invenção e da liberdade, que fecundou e fez nascer idéias novas e renovadores movimentos de arte - uma arte que ultrapassava as aparências visíveis, sem compromissos com a fidelidade e com o real. Entre 1920-1924, André Breton, o fundador do movimento surrealista, concitava seus adeptos a deixar a essência do claro/escuro pela sombra e, numa apresentação de colagens de Max Ernst, impeliu as duas realidades separadas da pintura e da colagem, ressaltando o preceito estético que expulsava qualquer tipo de premeditação no processo de criação.
Este movimento constituiu um passo em direção à destruição das inúmeras convenções ao manipular experiências de padrões preconcebidos; e assim passou a vigorar na modernidade dos mais famosos artistas, principalmente na Europa. Sucessor natural do dadaísmo, começou com André Breton, de quem herdou a luz da negação e da destruição, como, também, sem a iconoclastia radical e o niilismo: era o espírito do combate a todas as formas e práticas do conservadorismo estético.
Mas foi, sem dúvida, um maravilhoso caminho ao qual se dedica integralmente por uma irresistível determinação de alcançar o último estágio de sua trajetória com identidade de pensamento, criatividade e sensibilidade, no qual aglutina os elementos de sua criação congregando o domínio de sua personalidade e de seu tema predileto: as referências que se relacionam estreitamente com a arte negra e todas as suas peculiaridades, de modo tão ambíguo e cultural. E, por isso mesmo, fascinante por exigir do público uma reflexão crítica que, entretanto, naquela época não possuia o devido amadurecimento para alçar tão altos vôos, por assim dizer, e ao perceber que ainda haveria outros caminhos a percorrer.
De qualquer forma, todas estas propostas envolvidas na metafísica da matéria e na revolução do refugo ou do rebotalho material ajustam-se num neologismo de tempo/tempora, segundo Gauthier, para expressar a particularidade das obras dos nossos tempos. E um novo aspecto do tratamento da realidade temporal, representado através das sutilezas do "já pronto", não mais como uma deteriorização mas, como um ciclo natural e renovador que nos leva à nostalgia da transferência do objeto para o símbolo; é a maneira de valorizar o que o tempo imprime e transforma nas camadas geológicas, escrevendo a história dos materiais que se transformam à medida em que se formam na natureza.
Então, a coleção reúne uma grande variedade de objetos - madeira, plástico, material sintético (EVA), argila, cerâmica, terracota, ferro, juta, bronze, acrílico e aço de modo a estarem reunidos pelo meio de expressar-se da mesma forma nos seus suportes de papel couro, amatles e telas. Tudo se sustenta numa "caixa" ou moldura/ plataforma que é fixada através de parafusos ou bases dianteiras e posteriores que se integram à composição. Assim pretendeu se propor a buscar a comunicação dentro de um determinado ponto de partida sustentado pela plataforma ou moldura que se integra à forma pelo artifício da composição com diversos elementos que a limitam, circundam ou demarcam. Figuras e formas tradicionais, símbolo de crenças antigas e modernas, aglutinam-se e são manipuladas como se necessariamente estivessem ungidas através da circulação do olhar e de materiais que vão além da percepção pictórica de cada uma.
"As Akuabas" pretende buscar a comunicação dentro de um determinado ponto de partida que se integra às imagens pelo artifício da composição com diversos elementos escultóricos que a limitam ou circundam e que vão além da percepção pictórica de cada uma. Crença da fertilidade Ashanti, é costume portar o amuleto para a criança que está para chegar: cabeça em forma de retângulo para menino e redonda (a marca da beleza) para menina.
Resumindo, o material de arte assim liberado pode entrar numa nova associação de jogos com qualidades que, anteriormente, obedeciam a conceitos diferentes: é a arte que transforma o vazio em plenitude... um novo conceito no tratamento da realidade, resolvido e representado através de material de refugo - não mais como uma deterioração - mas como um símbolo renovável do objeto para o símbolo. A sutileza da maneira como o tempo imprime os desgastes da matéria, escrevendo a história do tempo, os materiais e a plasticidade se transformando continuamente à medida que vão se formando, deram origem a confluências tanto no nível intelectual quanto na utilização material.
É, sem dúvida, o tempo das transformações que surgirão, inexoravelmente, através dos tempos.
Enfim, a assemblage é a reafirmação do conceito de arte pela reflexão no exercício da composição e da desconstrução do objeto em bruto, considerando-se essencialmente o desgaste do material provocado pelo tempo.
De fato, chega a ser desconcertante o amontoado de elementos desconexos e "destruídos" pelas consequências destes conceitos e da utilização da sucata comprometida com charadas e enigmas que constituem os elementos vitais desta comunicação dos mágicos circuitos da escultura/pintura/montagem; objetos de representação estética que condensam uma essência alegórica/metafórica que simbolizam um verdadeiro labirinto no sentido daquilo que a artista pretendeu e conseguiu realizar.
Este universo de planos e de volumes é sistematicamente encaixado na esquadria e nas "caixas" com suas geometrias e elementos de referências e significados.
E, no fundo, o valor da descoberta no uso de madeiras corroídas pelas águas do mar, a erosão eólica dos ventos, das traças e cupins que terão sentido estético. De qualquer forma, a vivência e o desgaste da matéria, cujas texturas e estruturas originais mostram as deformações naturais da corrosão do tempo e seus vestígios, é que são o elemento central da escultora nesta fase que, em 1975, com a mesma conceituação da "thread sculpture" obteve a Medalha de Prata Hors-Concours do Salão oficial de Belas Artes do país.
NOVA EXPRESSÃO PLÁSTICA
A nova expressão plástica desta série é resultante de uma laboriosa produção das últimas fases, cuja diversidade de material constituiu-se em surpreendentes referências pelo conjunto de esculturas, pinturas, relevos, collages, com todas as suas características estéticas sobre a forma e a matéria.
As peças acopladas e aglutinadas nas "caixas" têm sempre uma conotação ou ponto de partida de similaridade, dentro de um princípio que define o desafio de representação alegórica e virtual, verdadeiras charadas do pensamento.
Em meio a diversificadas técnicas, materiais e procedimentos, usa a espátula para obter a textura enrugada no papel de parede que trouxe dos EUA, que passa por um processo de imersão até obter uma pasta que é moldada ao ser comprimida na forma tradicional de gesso e fixada no acrílico com metais cromados. "Crônica da Memória" constitui e é um exemplo deste ponto culminante da obra, nas assemblages, especialmente quando estabelece ambigüidades em relação à colocação de planos e relevos que sugerem uma interpretação pictórica de grande interesse, tendo sempre um elemento de referência que se define no axioma das propriedades do espaço na configuração geométrica da arte e da raça negra.
Pela primeira vez a artista apresenta as suas assemblages projetadas e produzidas no final dos estágios na ENSBA e realizadas no Brasil, obra que sintetiza muito particularmente a procura de seu universo tangível e de criação mitológica, etnográfica, histórica, didática e cultural para lograr atingir um estágio de pleno amadurecimento. São propostas que emergem delas mesmas para constituir a projeção desta fase final interpondo-se as "instalações" que exaltam e sintetizam todo o conteúdo do trabalho realizado no registro de sua estética, de seu pensamento, de sua vida artística e de todas as suas épocas e percursos, evolução e meios de expressão que ilustram sua trajetória desde a imagem da raça negra refletida e dinamizada através da ação da luz e do vento, segundo protótipo de instalação realizado em Paris.
Assim antepõe-se à extensão dos significados e significações dos meandros da filosofia que envolve cada peça, conteúdo e mensagem, aguçando a imaginação do observador nos labirintos da metafísica e suas contradições. Não impõe discussões em torno de seus mistérios; ela simplesmente nos expõe a sua realidade e nos conduz às dimensões da existência humana - ou seja - às próprias dimensões da existência e suas particularidades.
“Crônica da memória I e II” definem o desafio de representação alegórica e virtual, verdadeira charada do pensamento. Uma interpretação pictórica de grande interesse na configuração geométrica das formas sensuais da raça negra num universo tangível e de criação, que enfatiza um estágio de pleno amadurecimento.
É um estilo sui-generis as suas "referências" envolvidas sempre num sentido coerente e não da forma diversificada que tem caracterizado a produção dos artistas do gênero das assemblages, nas quais a artista se volta à escultura quando se fundamenta nas suas abordagens.
Em algumas peças, a bi-dimensionalidade está, também, intimamente representada por meio de esculturas - que é a maioria de sua obra - em peças de réplica e de criação. A predestinação de sua trajetória refina a intuição, a sensibilidade, a composição, a técnica. Um privilégio de seu destino. Aliás, uma obra não referencial não teria sentido. Inclusive porque o trabalho realizado traçou um modelo de comportamento - como, por exemplo, nas litografias/collage da série "Análises Combinatórias", que envolve processos de superposições para projetar as suas "interioridades" com a utilização de material inédito no campo das artes plásticas: o filme de corte, de sua criação.
Manipulando valores não convencionais esta é a fase em que a artista deixa para trás o traço exclusivamente escultórico em que se definiu durante tantos anos sobre seu tema - o figurativo da fase das ilustrações e das exposições didáticas - para desenvolver uma nova linguagem plástica menos arcaica, superada pelas transformações do correr dos tempos. Suas propostas assumem a atualidade, mesmo fazendo referencia a um tempo remoto, uma citação arqueológica ou histórica em que os relevos e os elementos de colagem adquirem uma dimensão maior ao se relacionarem intimamente com ornamentos e significados tradicionais. "Personagem Metafisico" é um exemplo da imagem do passado quando cede lugar a uma visão enigmática, misteriosa; a artista cria um clima metafisico, nu-ma visão despojada, diante das insondáveis questões do ser. O sentido interpretativo da realidade e de incógnitas do futuro penetram, ao mesmo tempo, nos territórios cognoscitivos da mente, do subconsciente, à procura daquilo que todo artista aspira: personalizar-se num universo estético que se superpõe à expressividade por seu conteúdo estético, enigmático e poético de verdadeiras charadas e enigmas relacionados aos lendários valores culturais e espirituais da memória e do folclore africano.
“Mito de Ossãe”, referência ao Deus da Medicina, que tem o poder das curas e das ervas na parte secreta do culto e do ritual do candomblé.
Detentor do “ashé” (força poder, vitalidade), exerce primordial função na teogonia afro-brasileira.
“Corpo Fechado” que se reporta à figa, isolada e envolvida no seu encaixe é outro mito que aqui se representa na origem africana muito difundida na Bahia.
"Questão de Ótica" - uma proposta que faz alusão a fatos arcaicos no correr dos tempos e que assume a atualidade, mesmo fazendo lembrar um tempo remoto. Aqui adquire uma dimensão maior na intencionalidade de uma referência atual que, entretanto, reproduz fielmente o efeito ótico das antigas máquinas fotográficas.
"Máscara Ngere" (Guerê ou Kra) de sociedade secreta do noroeste da Costa do Marfim da ilustração acima, genuína criatividade do africano que deu provas, durante séculos, de seus marcantes dotes no campo da escultura.
A ARTE DA COLLAGE E DOS RELÊVOS - Um novo território estético.
Nas assemblages a natureza dos relêvos-collage constitui um apelo à revolução da matéria-rebutalho para firmar o conceito dos dadaístas, dos cubistas e dos surrealistas que, a sua maneira, negavam a figura por força das suas decomposições rítmico-geométricas, dando mais importância ao desenho e, através dele, o espaço. Esta foi uma concepção muito peculiar na formação da artista, que, neste campo, destacou a liberdade pela composição geométrica abstrata com todas as suas tradicionais características enigmáticas e atuais das assemblages, partindo para a instauração de uma ordem conceitual que extrapola as suas fronteiras para se aliar à contemplação, à preocupação de "buscar ser vista" numa ruptura com o realismo naquilo que nada significaria para definir a sutileza do princípio e da finalidade da arte.
"Quadraturas" - Ponto de partida filosófico para estabelecer a correlação de formas geométricas e ornatos arquitetônicos e seu lugar na composição básica, que se expressa simplesmente sem palavras e que se integram na correlação entre si para interpretações estéticas de símbolos e significados/fragmentos, máscaras etnográficas, o mito passado/ futuro, a serpente da continuidade (símbolo do Daomé) e símbolo do poder Iorubá que compõem o painel do postulado de Iracy Carise: a arte negra é tão universal quanto a arte grega ou romana.
"As Ndebeles e a Razão Imaginada" - Pintura e escultura se remetem a obras anteriores, dispondo as formas em um equilíbrio instável numa simbiose entre os demais objetos preciosos da composição de indubitável interesse: a máscara Senufo e a reminiscência romana se destacam protegidas numa caixa junto à pintura Ndebele que, por sua vez, abriga uma escultura de ébano. A instauração de uma ordem conceitual extrapola as fronteiras da estética numa ruptura com o realismo para definir a sutileza do princípio e da finalidade da arte. É a conquista de um universo plástico radicalmente moderno, com elementos de composição que geram ambigüidades entre o real e o representado.
Neste campo, "Construções Programadas" foi a primeira série da gravura-relêvo, exposta na ESNBA, que acabou sugerindo a experiência dos relevos brancos. Os elementos de composição são utilizados para gerar ambigüidades entre espaço real e o representado, com distintas profundidades sugeridas nas sombras que os volumes projetam nos fundos brancos introduzindo cores nos relevos, incorporando-os às pesquisas que havia desenvolvido nas pinturas geométricas da série do Kentê. Ao jogo de profundidade e sombras reais agrega o efeito da cor - que ora reforça ora atenua o retrocesso das formas e de círculos e linhas desenhadas a lápis entre profundidades reais e ilusórias.
Dos antigos "relevos da cor inexistente" aos novos territórios dos relevos minimalistas na escultura da década de 90, a artista descobriu uma fórmula de probabilidades no campo geométrico explorando as relações entre espaço e superfície e passa a fazer relevos brancos em que a profundidade das formas geométricas se identificam com as escavações e as linhas desenhadas com as sombras projetadas pelas formas em alto relevo. É a conquista de um território novo e desconhecido em seu universo plástico, radicalmente moderno; é a conotação metafísica que faltava a que predomina em sua vocação experimental e construtiva que se sucede num processo de mudanças de linguagem, processo que propicia uma profusão de trabalhos outros para esta nova série que acaba se concretizando caracteristicamente geométrica, por força de uma composição de referências aos triângulos, inspirada no sistema de numeração do telefone, por exemplo, pródiga fase das hipérboles na sistematização de interferências e superposições, planos em contraponto e efeitos de cor.
Relacionadas às assemblages, as collages são elaboradas como objeto-símbolos que, de certa forma, se abrigam dentro das caixas de acrílico ou de madeira. Para esta última fase, a parte principal da coleção passa por brinquedos imaginários entre formas e materiais utilizados que variam o perfil de cada um, embora todas tenham marcante identidade. São como objetos vivos que procuram representar a realidade construída por uma figuração que, às vezes, chega à irrealidade do surrealismo. Peças e objetos, soltos e idênticas, se relacionam e constituem uma das marcas de sua linguagem nos múltiplos representados numa série de peças reagrupadas nas mais diversificadas posições, construindo-as sem perder o rumo da própria obra.
Até meados de 2001, prossegue pintando; intercala "Referências", "A História da Maçã" "As Três Graças" identificadas com as suas Akuabas, em abstrações construtivistas na escultura e nos relevos-collage, aplicando a lição de Mondrian, com exemplo na série das "Progressões e o Valor da Razão", que traduzem visualmente o seu interesse em torno da arte negra revelada também nos seus relevos da cor inexistente que constituem a conquista de um território novo e pouco explorado, com todas as suas características e conotações metafísicas, onde predomina um trabalho experimental que irá justificar doravante todas as fases futuras.
Com isto, procura firmar sua evolução plena de sinais, símbolos, signos através da inclusão de diferentes expressões inerentes aos atributos da realidade. No fundo, uma reciclagem da estética no exercício da reflexão.
O trabalho propicia a sutibilidade do conteúdo/contido/significado/significando dos resíduos da arte herdada neste século. Ou seja, no caso, a sua vivência. Este é o seu maior sentido e seu conceito estético/pictórico.
Nesta fase das assemblages, a artista torna-se um escultor metafísico, um cubista convicto, um amante da matéria em sua origem e se submete às explosões da anti-arte numa época do não ser da arte e da incoerência da arte da atualidade.