É muito difícil, senão impossível, definir em poucas palavras a escultura de Henry Moore, tantos são os caminhos que explora, tantas as faces que revela de uma nova maneira de lidar com a massa escultórica, com as relações de matéria e espaço, volume e vazio. Por outro lado, numerosas são as fontes em que bebe, as influências que absorve, as heranças que adquire, assimila e transforma.
Nascido em Yorkshire, Inglaterra, em 1898, Henry Moore, um dos sete filhos de um casal de mineiros, estudou arte, inicialmente, graças a uma bolsa de estudos, na School of Arts, de Leeds, donde se transferiu para o Royal College of Arts de que se tornaria professor anos depois. Cedo descobriu sua afinidade com a linguagem moderna da escultura e nela buscou inventar sua própria linguagem. Em 1928 realizou sua primeira mostra individual, que suscitou polêmica e críticas adversas. Naquela época, ligou-se a um grupo de artistas que também havia optado por uma arte inovadora, de que faziam parte Barbara Hepworth, Ben Nicholson e o crítico de arte Herbert Read. Na década de 1940, sua arte começou a ganhar prestígio junto ao público e à crítica, sendo convidado a participar da Bienal de Veneza, em 1948.
Nos primeiros anos de sua carreira, quando ainda tateava em busca de seu próprio rumo, abriu-se ao experimento de linguagens distintas, mas que já davam a indicação do gosto pela forma primeva, não naturalista ainda que figurativa. A certa altura, influenciado pelo pintor Ben Nicholson, explora um vocabulário em que predominam a pureza e a abstração geométrica, de ascendência cubista, mas sem nunca perder-se do valor propriamente escultórico da forma.
A descoberta decisiva, porém, que vai determinar um dos rumos mais fecundos de sua escultura, dá-se em 1929, quando em visita ao Britsh Museum se deixa fascinar por obras da arte pré-colombiana, particularmente a escultura de Chac Mool, a deusa da chuva. Trata-se de um figura reclinada de mulher, meio sentada meio recostada, com os pés para a frente. Esta figura reclinada torna-se um tema constante e recorrente de sua obra, como se pode ver nesta exposição da Henry Moore Foundation, que se encontra aberta no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, depois de ter sido apresentada no Paço Imperial, no Rio de Janeiro, e na Pinacoteca de São Paulo.
A figura reclinada, a meu juízo, constitui o fulcro do processo criador de Moore, que descobre nela elementos escultóricos, cujo desenvolvimento irá enriquecer o universo plástico do escultor. A disposição do corpo da deusa Chac Mool, reclinado, que implica o desdobramento horizontal da forma no espaço – o volume da cabeça, das coxas, dos joelhos, das pernas, dos pés – e as concavidades resultantes desse desdobramento, revela a Moore novas relações de cheios e vazios, que o levarão a cavar a forma e perfurá-la, desencadeando uma reinvenção da figura humana e sua progressiva transformação em composição abstrata e vazada.
O desenvolvimento horizontal da Figura reclinada provoca, em Moore, a sensação do desdobrar-se da forma não para o alto, mas para diante: as esculturas que ele cria ao longo dos anos têm o claro propósito de explorar esse desdobramento horizontal dos volumes, como movimento virtual. Não será certamente por acaso que uma de suas obras, expostas no Paço Imperial, intitula-se Large slow form, ou seja, Grande forma lenta, numa alusão à expressão slow motion (movimento lento). Esse desdobrar-se horizontal da forma o conduz a acentuar o contraste entre os volumes que constituem a escultura, como um encadeamento de volumes em slow motion.
Chega um momento em que, nesse desdobrar-se, a forma se fragmenta e torna-se uma justaposição de volumes independentes. Entre os dois extremos – da “figura reclinada” horizontal única desdobrada em volumes e a forma fragmentada – há uma rica variação de “figuras reclinadas” em que a invenção plástica de Henry Moore cria formas inusitadas, onde o vazio e a figura, transfigurada, gera insólita beleza.
O trabalho de Moore com a figura humana é uma permanente reinvenção desta, que aos poucos se abre para acolher outra forma menor (à semelhança de útero que abrigasse um feto), dando origem a uma nova exploração das relações do dentro e do fora, do vazio e do prenhe. Em alguns casos, Moore abandona a figura para criar formas totalmente abstratas, marcadas pela tensão interna da forma.
Mas essas são apenas algumas das linhas de criação deste artista, cuja obra prolífera e vital veio enriquecer o universo escultórico do último século, melhor dizendo, veio enriquecer o universo imaginário da humanidade.