"Você sabe que não gosto de pintar, mas o trabalho que recebo agora é mais agradável, e às vezes, ameno. As viagens têm a vantagem de nos obrigarem a estudar continuamente e a conservar os olhos bem abertos"

(Trecho de uma carta escrita por Rugendas à sua irmã Luisa, em 31 de março de 1832)

No contexto dos trabalhos produzidos pelos artistas/viajantes que passaram pelo Brasil colônia, em especial os trazidos pelo holandês Mauricio de Nassau (Eckhout, Post) ou os que vieram com a Missão Francesa de 1816 (Taunay, Debret), pouco se pode comparar ao que realizou o alemão Johann Moritz Rugendas. Do naturalismo à sociologia, passando pela documentação histórica, Rugendas foi, incontestavelmente, o mais importante cronista do Brasil romântico do século XIX. Ele não gostava de pintar, preferia desenhar.

Mas, exerceu com excepcional qualidade os dois ofícios, além de ser um excelente gravador. Herança genética, dedicação aos estudos e "olhos bem abertos" para uma explosão de imagens, um imenso horizonte de formas e cores que se descortinou a sua frente. Rugendas conheceu um Brasil ecologicamente perfeito, intocado exceto pelos curiosos como ele que chegavam para descobrir a sua alma ainda não revelada.

ROMANTISMO

Alguns especialistas afirmam que o Romantismo não esteve presente na arte brasileira dos Anos Oitocentos. Não é certo. Prova disso está na passagem pelo País, nesse mesmo século, de artistas como Rugendas. Em sua primeira visita ao Brasil (1822 a 1825), ele realizou trabalhos em Neoclassicismo, como podemos observar nas belas figuras de índios, de negros e de europeus que desenhou em preto e branco. Depois de um período inicial urbano, Rugendas penetrou nas florestas brasileiras e se deixou envolver pela paisagem tropical, pelas cores intensas que foram dando tons marcadamente românticos aos temas que retratou. Rugendas é considerado o mais importante entre os pintores desse movimento que retratou/documentou o Novo Mundo.

Alguns estudiosos mais entusiasmados com a obra de Rugendas o classificam, de maneira equivocada, como pré-impressionista. Na verdade, é mesmo difícil fugir ao magnetismo de suas cromáticas paisagens, transbordando emoção em cada traço. O exótico das paisagens tropicais, à época, não fez sucesso em seu próprio país e no resto da Europa. Outros "viajantes" do Velho Mundo, cientistas e artistas, acabaram colocando dúvidas sobre a realidade das imagens apresentadas por Rugendas.

Muitos acreditavam que o artista, inebriado pela riqueza do que via, por vezes introduziu detalhes nas obras para lhes dar um toque a mais de magia e de beleza. Essa pecha acompanhou o artista até o final de sua vida, aumentando-lhe o descrédito com uma obra que lhe encomendou o soberano alemão Maximiliano II, sobre o descobrimento da América por Cristóvão Colombo — uma tela em grande formato que Rugendas não conseguiu concluir e, ainda, foi acusado de contratar pintores auxiliares para realizá-la.

Verdade ou lenda, hoje pouco importa. Rugendas deixou um autêntico acervo artístico com desenhos, gravuras, óleos de absoluta qualidade. O conjunto de sua obra, em especial os trabalhos feitos no Brasil e no México, constitui-se no mais importante documento sobre as primeiras décadas do século XIX na América Latina.

A TRAJETÓRIA

Rugendas nasceu em 29 de março de 1802, em Augsburg, Baviera, sul da Alemanha. Membro de uma família de artistas — quatro dos quais passaram à posteridade como pintores e gravadores —, iniciou sua carreira como aluno do próprio pai, então diretor da escola de arte e desenho local e proprietário de uma editora. Aos quatro anos, em contato com desenhos de temas históricos que o pai fazia para os livros que editava, Rugendas começou a demonstrar seu talento para a arte. Depois de estudar em Munique, com apenas 19 anos de idade foi indicado para trabalhar com o diplomata russo-alemão, acreditado no Brasil, barão Georg Heinrich von Langsdorff, um apaixonado pelo naturalismo. Langsdorff estava na Europa à procura de um exímio desenhista para integrar sua expedição pelo interior do Brasil, que seria realizada sob os auspícios do czar da Rússia.

Langsdorff era proprietário de terras na Serra da Estrela, região norte da cidade do Rio de Janeiro, na qual recebia, costumeiramente, cientistas de várias partes do mundo. Já haviam passado pela fazenda "Mandioca", entre outras personalidades, Saint-Hilaire e von Martius. Foi por indicação de um conhecido da família, o barão Karwinski, botânico perito em temas brasileiros, que Rugendas conseguiu o emprego na expedição de Langsdorff.

O jovem artista possuía o perfil para o posto: jovem, saudável, talentoso, formação excelente e não convencional. O contrato de trabalho foi assinado entre os dois e garantia passagens de ida e de volta, estadia paga integralmente, além de honorários anuais de mil francos franceses. Em troca, Rugendas se comprometia com Langsdorff a desenhar tudo o que lhe fosse solicitado durante a expedição, sendo esses trabalhos propriedade do barão — embora, o artista pudesse copiá-los e publicá-los desde que com o prévio consentimento do contratante.

O BRAZILIANIST

Rugendas não se adaptou ao estilo violento de Langsdorff, especialmente no trato com os escravos. Os dois tiveram várias discussões até que, em meio à expedição, em Minas Gerais, Rugendas abandonou o projeto, passando a viajar por conta própria, pagando as despesas com retratos que fazia para fazendeiros, políticos e religiosos.

De volta à Europa, em 1825, em Paris, lança o livro "Viagem Pitoresca pelo Brasil" (muito melhor ilustrado do que escrito). Na mesma época, conhece e faz concreta amizade com o naturalista Alexander von Humboldt, um dos maiores expertises em América Latina. Essa relação será definitiva para Rugendas, já que Humboldt foi seu maior incentivador, defensor e protetor por toda a vida.

Rugendas ilustrou inúmeros livros do naturalista, para isso viajando novamente por vários países da América Latina. Mostra dessa amizade pode ser vista nas cartas trocadas entre eles, que se encontram na seção de Manuscritos da Biblioteca Estatal do Patrimônio Cultural Prussiano, em Berlim, Alemanha.

Johann Moritz foi o último e o mais importante artista da família Rugendas, morreu em Weilheim, Alemanha, em 29 de maio de 1858, aos 56 anos de idade. Para o Brasil, mesmo que "melhorando" a realidade em suas imagens, o artista deixou obra de importante significado. Além dos registros de uma época, a qualidade do trabalho é inquestionável. Rugendas abriu caminho para uma legião de estrangeiros também se apaixonarem pelo nosso "País tropical, bonito por natureza".

Ricardo Viveiros, para a revista "Batch", em maio de 2013.