Ela foi criança nos cafezais; jovem num sanatório para tuberculosos; mulher na Pensão Mauá; aluna de pintura na ex-União Soviética; freira na Ordem Terceira Carmelita. E uma inspirada artista, para sempre, no universo da cultura brasileira.

Muitos críticos dizem que Guinard foi um falso naïf. E a julgar pelo conjunto de sua obra, é verdade. Escondida sob aparente ingenuidade, a pintura do artista revela uma técnica exemplar, com origem no refinado traço desenvolvido nas aulas de desenho assistidas na Europa. E Djanira, esta sim seria uma legítima representante da pureza na arte popular brasileira? Talvez, sim. Muito provavelmente, não. A própria artista disse: “Posso ser ingênua, minha pintura não”. Melhor nos distanciarmos do debate, para conhecer o trabalho e a trajetória dessa mulher de origem simples que lutou e cresceu na vida, tanto quanto na arte.

Djanira da Motta e Silva, descendente de imigrantes austríacos e indígenas brasileiros, nasceu no interior de São Paulo, na cidade de Avaré, em 20 de junho de 1914. Viveu também em Santa Catarina e no Rio de Janeiro, onde fixou residência nos Anos 40. Antes disso, havia passado uma temporada tratando-se no Sanatório Dória, em Campos do Jordão, na região serrana paulista. Foi nessa época, quando lutando contra a tuberculose, que começou a desenhar. Seus temas eram as recordações da infância, os cafezais e seus trabalhadores.

A DESCOBERTA DA VIDA

Autodidata, Djanira iniciou a carreira com uma pintura que se pode classificar como naïf. Entretanto, desde o princípio, seu trabalho apresentou originalidade, poder de síntese nos aspectos da forma e da cor. Suas telas mostravam um domínio estrutural do espaço, uma espécie de reconstrução organizada das imagens populares nacionais e, assim, confundia os críticos e colecionadores quanto a como classificar seu estilo num determinado movimento, escola ou tendência. Tons fortes — quentes como o sol sobre os camponeses — expressam um legítimo grito de vida como que tentando salvar suas imagens da morte pelo esquecimento/desconhecimento.

Temas sempre brasileiros, do cotidiano simples da maioria do povo, cenas da lida no campo e das ruas das cidades. Djanira pintou a raça negra com imenso respeito e profunda beleza, chegando a ser considerada, embora branca, uma artista afro-brasileira.

No Rio de Janeiro, no bucólico bairro, alto e nobre, de Santa Tereza — reduto de artistas plásticos, profissionais de teatro, cineastas, músicos, escritores — Djanira montou a sua “Pensão Mauá”, um ponto de encontro da intelectualidade carioca. Foi nessa época, na convivência e aprendizado com alguns de seus hóspedes ilustres, como Emeric Marcier e Milton Dacosta, que Djanira desenvolveu sua técnica, pintou as melhores telas.

A CONQUISTA DO MUNDO

De 1945 a 1947, a pintora morou em Nova Iorque (EUA), sofrendo acentuada influência do pintor Pieter Brueghel. Veio a conhecer, nesse período, outros importantes artistas: Joan Miró, Fernand Léger e Marc Chagall. A artista ficou muito impressionada com o pintor bielo-russo Chagall, que á época vivia um momento de depressão pela morte de sua esposa Bella, paixão intensa e eterna. Esse convívio iria levar Djanira para uma temporada de estudos na União Soviética, entre 1953 e 1954.

Djanira foi desenhista, pintora, ilustradora e cenógrafa. Além de inúmeros quadros, a artista realizou painéis murais, como o da casa do romancista Jorge Amado, em Salvador, Bahia; o do Liceu Municipal de Petrópolis, no Estado do Rio Janeiro; o do túnel Catumbi – Laranjeiras, na cidade do Rio. Djanira foi sempre uma mulher profundamente religiosa, nos Anos 60, ingressou na Ordem Terceira Carmelita, recebendo o hábito de freira sob o nome de “Irmã Teresa do Amor Divino”.

Ela foi a primeira artista latino-americana a ter uma obra no acervo do Museu do Vaticano, a tela “Santana de Pé” — que pintou apenas usando o braço esquerdo (havia fraturado a clavícula). Djanira morreu aos 65 anos, no Rio de Janeiro, deixando uma obra presente em acervos públicos e privados em todo o mundo. Um conjunto de trabalhos calcado na fé, exemplo vivo de seu amor ao próximo e à arte.