As sucursais do Museu Guggenheim andam mais preocupadas com a arquitetura e o local de sua construção, do que com o acervo artístico a ser mostrado
Recentemente, no NY Times Magazine, Deborah Solomon publicou um longo artigo sobre o Museu Guggenheim de Nova Iorque, que, como se sabe, foi criado por Solomon R. Guggenheim, um magnata do cobre, que o fundou em 1937. Sua sede atual, na 5ª Avenida, é num edifício projetado por Frank Lloyd Wright, de forma cônica, com disposição interna inovadora e, segundo alguns, pouco propícia à exposição das obras de arte.
De algum tempo para cá, depois que sua direção passou às mãos de Thomas Krens, o museu passou a criar “filiais” – se assim se pode chamar – fora de Nova Iorque, sendo a mais célebre delas o Guggenheim de Bilbao, na Espanha. Tem-se falado ultimamente na construção de um Museu Guggenheim no Brasil, ou em Recife ou no Rio de Janeiro, sendo mais provável a opção pelo Rio.
Desde o primeiro momento, essa notícia provocou a reação de pessoas e instituições que não vêem propósito numa iniciativa que viria agravar ainda mais os problemas já enfrentados pela cidade no campo museológico, com poucos recursos para a preservação dos acervos e mesmo para o funcionamento dos museus. Deve-se esclarecer ao leitor que tudo o que Thomas Krens oferece é o nome do seu museu, ficando as despesas por conta da cidade que aceite a honra de ostentar uma sucursal do Guggenheim. Basta dizer que só o estudo de viabilidade do projeto já teria custado à Prefeitura do Rio cerca de dois milhões de reais. O custo da construção estaria por volta de 150 milhões de dólares, bancados pelo governo ou pela iniciativa privada, ou seja, pelo governo na verdade, uma vez que se trata de dinheiro da renúncia fiscal, do imposto de renda.
As questões que esse projeto suscita são muitas. Thomas Krens já escolheu o arquiteto que fará o projeto, sem consultar nem a Prefeitura nem o Instituto de Arquitetos do Brasil. Essa escolha fere a legislação brasileira, que obriga a realização de concurso público para edifícios dessa natureza. O museu ficaria localizado na região portuária, que será reurbanizada; e, como o projeto de reurbanização ainda não existe, é praticamente impossível saber de que modo o novo prédio se inseriria nela.
Há outras questões: o estudo de viabilidade mostra que seria necessário um mínimo de 200 mil visitantes por mês para manter o museu funcionando. Uma freqüência média tão alta de visitantes só se tem conseguido, no Rio, durante exposições de excepcional interesse, como as mostras de Picasso e Rodin. Mesmo assim, a vasta maioria desse público é constituída de crianças, alunos de escolas, que não pagam ingresso. A conclusão é que, se for contar com a bilheteria, a manutenção do museu será inviável. Aliás, com custo muito menor, o Museu de Arte Moderna do Rio não tem condições de manter-se e, se continua funcionando, é graças à Prefeitura da cidade, que garante o pagamento dos funcionários. Como se vê, a construção da sucursal do Gug é, no mínimo, uma aventura de conseqüências imprevisíveis. A não ser por provincianismo ou oportunismo político, não há razão que a justifique.
De fato, o Rio de Janeiro necessita desse museu? Por que, com tantos problemas sociais, além dos culturais, de que não dá conta, o governo da cidade assumiria esse projeto caro e sem propósito? Veja bem: se todos o custos serão pagos por nós – o estudo de viabilidade, o preço do projeto, as despesas com a construção e depois com a manutenção – qual a contribuição de Thomas Krens? O nome do seu museu! Então, pergunto: quer dizer que nós temos toda a grana para levar adiante a empreitada, só não temos um nome e, por essa razão, o pediremos emprestado ao sr. Thomas Krens? É isso? Parece piada.
A sucursal do Guggenheim em Bilbao teve pelo menos um resultado positivo: fez da quase desconhecida cidade espanhola um ponto de interesse do chamado “turismo cultural”. Muita gente tem ido lá para conhecer a estranha obra do arquiteto Frank Gehry – um prédio de paredes metálicas, com a aparência de um castelo medieval pós-moderno. E só para isso, uma vez que o museu não possui acervo de importância. Sucede que o Rio de Janeiro não é Bilbao, até bem pouco ignorada. O Rio é uma das mais famosas cidades do mundo, que, em matéria de arquitetura de museus, conta com o MAM, obra de um dos maiores arquitetos modernos, o brasileiro Affonso Eduardo Reidy; além disso, basta atravessar a baía para nos defrontarmos com o Museu de Arte Contemporânea, de Oscar Niemeyer, já considerado uma obra-prima da arquitetura contemporânea.
Mas esse é um argumento que apenas serve para contestar a tese dos defensores do “projeto sucursal” (como o intitulo), porque, na verdade, museu é feito para guardar obras de arte, e todos eles, no passado, nasceram de coleções particulares que necessitavam ser conservadas e mostradas. E o Guggenheim não foge à regra, uma vez que o seu fundador foi antes um colecionador. Não obstante, conforme conta Deborah Solomon em seu artigo, outra é a concepção de Thomas Krens. Embora o seu museu esteja passando atualmente por sérias dificuldades (basta dizer que o orçamento anual caiu de 49 milhões de dólares para 25 milhões, levando-o a cancelar importantes mostras, como uma retrospectiva de Malevich), ele insiste em construir um novo edifício para o Gug, no valor de 680 milhões de dólares. Indagado sobre isso, respondeu: “É mais fácil conseguir dinheiro para construir um edifício que para uma exposição. Um edifício é permanente”.
É certo, mas as obras de arte também o são. A aquisição de um quadro de Cézanne ou Rembrandt, de Kandinsky ou Morandi, é um investimento sem risco, de valorização garantida. Na verdade, o argumento de Thomas Krens é sofismático e tenta apenas justificar sua visão de diretor-incorporador-de-museu, segundo a qual um museu vale por si mesmo, como edifício, não precisa ter nada dentro.
Deborah Solomon relembra, a propósito, em seu artigo, o “museu imaginário” de André Malraux, constituído apenas das obras-primas da arte mundial – um museu “sem paredes”. Exatamente o contrário do museu concebido de Krens: um museu sem obras de arte – só paredes.