Fonte: Ângelo Oswaldo de Araújo Santos

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Cultor e escultor do barroco de Minas

 Olho entalhado no tapa-vento da Catedral da Sé de Mariana emblematiza a arte da velha Vila do Carmo. Ali está um mundo no qual todos os detalhes plástico-visuais se harmonizam em função da “festa para os olhos”, de que fala Calderón de la Barca, conceituando o gosto barroco. À entrada do templo, o óculo divino contempla o gesto que passa. A pouca distância, o escultor Hélio Petrus está prestes a terminar mais um trabalho.

 As grandes primazias de Minas têm seus vínculos em Mariana. O arraial nasceu da bandeira de Salvador Fernandes Furtado, em 16 de julho de 1696, dia da Senhora do Carmo. Foi o primeiro dos núcleos mineradores a ganhar foros de Vila, em 8 de abril de 1711, por iniciativa do governador Antônio de Albuquerque. Em 1720, quando a metrópole criou a Capitania das Minas Gerais do Ouro, desmembrada da Capitania de São Paulo (ambas surgiram unidas em 1709), era em Vila do Carmo que se achava a corte do governador capitão-general da província paulista. A transferência da sede política do novo território para Vila Rica de Ouro Preto abriu caminho para o advento da Sé religiosa.

 Mariana virou a Roma mineira, como a denomina Pedro Nava, em suas memórias fabulosas. Em 1745, o rei português, Dom João V, elevou Vila do Carmo à nobre categoria de Cidade, para que pudesse sediar o bispado primaz das Minas. Dom Frei Manuel da Cruz, o primeiro prelado, veio pelos sertões, desde São Luís do Maranhão, entrando triunfalmente em Mariana em fins de 1748. As páginas do “Áureo Trono Episcopal” narram o festival barroco que envolveu essa chegada.

 Tomando o nome da rainha de Portugal, Mariana d’Áustria, a primeira capital de Minas reina, ainda agora, sobre as artes, a música e as letras. A Catedral da Sé ostenta, desde 1753, o órgão Arp Schnitger, fabricado em 1701, em Hamburgo. A promessa de Dom João V ao primeiro bispo foi cumprida por Dom José I dois anos antes do terremoto que teria eliminado o instrumento na destruição de Lisboa. Trazido em lombo de burro, pelo Caminho Novo que subia do Porto da Estrela, guarda qualidade excepcional. Restaurado em 1984, tem como titular a musicista Elisa Freixo. À sua volta, e da notável tecladista, brilha uma tradição musical estampada no formidável acervo de partituras setecentistas do museu arquidiocesano.

 As vibrações da criatividade se perenizam no cenário marianense, como se as musas do Ribeirão do Carmo, cantadas pelo poeta inconfidente Cláudio Manuel da Costa, nas odes ao “pátrio rio”, velassem pelas glórias da arte de sua gente. Essa força vem da alma do povo. Todos já nascem pertencendo a uma banda de música. Nos diversos campos de expressão artística, sempre haverá manifestação marianense que se sublinhe de modo singular. Trata-se da terra de Manuel da Costa Ataíde, maior pintor do período colonial e parceiro do Aleijadinho em São Francisco de Assis de Ouro Preto e em Congonhas do Campo. E é a cidade do poeta Alphonsus de Guimaraens.

 Há, hoje, uma propensão especial para a escultura e a talha. É em tal contexto que flui e se impõe a obra de Hélio Petrus. Descende ele dos esplêndidos autores que tornaram a ornamentação dos retábulos e das naves do século do ouro a viagem delirante a um universo de formas encantadas. Sabe como acumular a riqueza dos detalhes e alcançar as nuanças que o cedro sugere. Madonas, anjos e arcanjos circunvolam em cirandas de nuvens. À frente de uma legião seráfica, Francisco de Assis conversa com os pássaros e se eleva, em êxtase, para o vôo sublime.

 O escritor marianense Ricardo Guimarães lembra que a iconografia religiosa de extração barroca “não impediu Hélio Petrus de experimentar novas técnicas e dar aos seus anjos e querubins um aspecto mais humano e alegre, uma felicidade que, segundo o artista, se justifica pela transcendência dos grilhões da vida mundana e ascensão possível ao reino de Deus”. E acrescenta: “O douramento então evoca, arremete, sugere, extrai, remonta às lavras do ouro de aluvião, abundante nas Minas e exaurido depois de séculos de exploração”.

 Em grandes superfícies ou nos pequenos formatos, entalhando ou esculpindo, o criador revive, no tempo presente, a mestria que arrebata o olhar de quem entra na Sé e estonteia a visão dos que visitam o museu de arte sacra. A incisão que pratica tem o poder de iluminar a madeira, pois de sua mão se desprende gesto que afaga, surpreende e emociona. Em desempenho hábil e seguro, sutil ou eloqüente, o artista retira da madeira uma galeria de imagens que dá vida nova ao sonho barroco de Minas.