Vale a pena conferir como as obras dos artistas brasileiros ligados ao conceitualismo, Artur Barrio e Paulo Bruscky, se adaptaram ao tema da 26ª edição da Bienal de SP, com muita sensibilidade e personalidade.
A XXVI Bienal Internacional de São Paulo, que exibe 135 artistas de 62 países, tem como destaque um conjunto de 132 pinturas, abstratas e figurativas, que segundo o curador Alfons Hug (curador da bienal de SP pela segunda vez), foram escolhidas como parte de sua estratégia para tratar da estética e da essência da arte, a fim de resgatar o "puramente visual" das obras.
Entretanto, a exposição que tem o tema "Território Livre" é dominada pelas instalações de grande tamanho, como a torre de luz, feita com chapas de acrílico e vinil coloridas e iluminadas por lâmpadas fluorescentes, do britânico David Batchelor e a Jangada do artista Artur Barrio, português radicado no Brasil.
São 26% das obras em exposição (contra 40% entre pinturas e fotografias), que se utilizam dessa linguagem artística e é a preferida entre os brasileiros selecionados para a bienal.
Para que se entenda melhor a linguagem das instalações, é preciso conhecê-la em sua essência, saber suas origens, mas sobretudo experimentar uma, com ela estabelecer uma relação de contato e esta bienal está especial para tal empreitada. As Instalações surgiram aproximadamente entre as décadas de 60 e 70, quando os artistas questionavam os suportes e as técnicas tradicionais da arte. Descendente da escultura moderna e dos ready mades de Marcel Duchamp, aliou-se à arte conceitual e se estabeleceu como uma linguagem artística autônoma sobretudo com a introdução da tecnologia e dos vídeos como suportes.
São portanto frutos da arte conceitual, fortalecida por uma das crises da arte, a morte da pintura, por exemplo, que foi passageira é obvio, já que nem mesmo uma crise é para sempre. E o fato da pintura receber destaque nesta bienal, prova que as linguagens artísticas, todas, têm espaço no mundo pós-moderno, na arte contemporânea e podem conviver pacificamente, sendo apreciadas pelo público.
Assim as instalações transformaram o objeto de arte num acontecimento espaço - temporal, com a possibilidade de interação com o público fisicamente, explorando os mais variados temas, como o corpo, a subjetividade humana e questões sociais e políticas.
Uma instalação poderia ser definida, de acordo com alguns teóricos como uma "modalidade de produção artística que lança a obra no espaço, com o auxílio de materiais muito variados, na tentativa de construir um certo ambiente ou cena, cujo movimento está dado pela relação entre objetos, construções, o ponto de vista e o corpo do observador. O termo é incorporado ao vocabulário das artes visuais na década de 60". (Dicionário de Artes Visuais - Itaú Cultural).
Diante da caracterização desta linguagem plástica, é interessante verificar como a arte conceitual e as instalações de Artur Barrio e Paulo Bruscky, foram adaptadas ao tema da Bienal e à proposta curatorial de Alfons Hug.
Em função do tema, citado anteriormente, cada artistas pôde se expressar de modo subjetivo e individualmente estabelecer um diálogo com os colegas, mas sem perder a proposta do curador: se libertar dos discursos sociológicos e privilegiar a "essência da arte". Mesmo que para isso tenha sido necessário nadar contra a maré de outras curadorias e bienais recentes.
O resultado dessa proposta é uma espécie de "terra de ninguém", muito rica de detalhes e pontos de vistas diferentes, que despertam nos visitantes momentos de reflexão, introspeção e beleza.
Polêmicas a parte, quase sempre se questionam as curadorias, atualmente muito mais, mas é perfeitamente compreensível que se tenham falhas nas escolhas ou num projeto de curadoria, afinal de contas o curador é um ser humano como outro qualquer e acredita-se que ele também busque um bom resultado. O fato é que a arte conceitual e em especial a obra de Artur Barrio ganharam leveza e poesia nesta bienal. Quem conhece os trabalho de Barrio e observa sua Jangada, fica surpreso com a sua versatilidade e romantismo.
O ateliê de Paulo Bruscky, outra instalação de encher os olhos, literalmente, foi trazido para o prédio da bienal tal como foi encontrado por Alfons Hug, numa de suas visitas preparatórias ao Recife. Esta instalação espelha a relação "puramente visual" para com a obra, perseguida pelo curador. São livros, recortes, obras, objetos os mais variados - dos ex-votos às coleções de relógios, das pilhas de revistas às cruzes barrocas de pedra sabão, que organizados pelo artista à sua maneira, caótica ou não, se referem ao processo artístico de Paulo Bruscky e proporcionam ao visitante o contato com uma obra conceitual de forma poética, visual e capaz de lhe revelar suas próprias experiências estéticas.
Enquanto isso no primeiro andar, uma jangada, faz alusão ao tempo e ao espaço visual, que transfere virtualmente o observador, do prédio da bienal para as praias de Fortaleza, de onde Artur Barrio trouxe o barco.
Segundo o artista esta "idéia", de realizar um trabalho com uma jangada, surgiu quando há seis anos ele estava em Fortaleza, por ocasião da inauguração do Centro Cultural Dragão do Mar e da janela do seu hotel ele avistava as jangadas, o movimento dos barcos na praia e seus jangadeiros.
Uma imagem belíssima, sem dúvida. Uma jangada com velas multicoloridas, que chega até o segundo andar do pavilhão da bienal. Para ambientá-la, Barrio espalhou areia ao seu redor e bem à sua frente, um sofá bem antigo pode ser usado por quem quiser apreciá-la sentado e quem sabe até "viajar por mares nunca dantes navegados"!
Para o artista, colocar esta jangada dentro do prédio da bienal é "deslocar" um fragmento de uma época, é transportar o público para o mar nordestino.
Essas obras cuja fonte são o conceitualismo, ao explorar a linguagem das instalações e a apropriação poética de objetos, vão entrar para a história das Bienais de São Paulo, como uma forma criativa de cristalizar a versatilidade da arte contemporânea e encantar o público sem precisar ser fria ou violenta, mas sensível e bela.