Fonte: Revista Continente Multicultural

 

A Editora Revan acaba de lançar um livro de Oscar Niemeyer intitulado Minha Arquitetura. O volume, de excelente qualidade gráfica, nos permite conhecer melhor a personalidade e o pensamento do arquiteto bem como a sua obra caracterizada pela beleza e inventividade formal. Este não é primeiro livro em que ele fala de sua vida e de sua concepção arquitetônica nem tampouco o único em que se pode apreciar a amplitude e riqueza de sua arquitetura, mas justifica-se, quando mais não fosse, por nos mostrar as últimas criações deste artista incomparável que, aos 96 anos de vida, continua a criar com o mesmo ímpeto e audácia dos primeiros anos.

O talento de Oscar manifestou-se muito cedo e já surpreendentemente maduro, como revela o episódio – que ele narra no livro – relacionado com o projeto de Le Corbusier para o edifício do Ministério da Educação e Saúde, em 1937. Como é sabido, aceito o projeto do mestre francês, foi criada uma equipe chefiada por Lúcio Costa para desenvolvê-lo. Oscar, o mais novo do grupo, esboçou, por sua conta, algumas modificações no projeto original. Um dos companheiros, ao ver o esboço de Oscar, entusiasmou-se e foi chamar Lúcio Costa para vê-lo. Oscar embolou o papel em que fizera os desenhos e o jogou pela janela. Lúcio mandou apanhá-lo e decidiu adotar as modificações sugeridas pelo jovem arquiteto e que deram ao célebre edifício a monumentalidade que passou a caracterizá-lo.

Oscar Niemeyer era discípulo de Le Corbusier, apreendera em suas obras e livros a visão da nova arquitetura, mas logo percebeu que a preocupação funcionalista limitava a inventividade formal, impondo aos projetos a construção ortogonal, uma espécie de ditadura do ângulo reto. Quando, em 1942, foi chamado por Juscelino Kubitschek para projetar o conjunto da Pampulha, em Belo Horizonte, rompeu com o esquema funcionalista e deu preponderância às curvas, abrindo um novo caminho para a linguagem arquitetônica moderna e para a exploração das possibilidades plásticas do concreto armado. Não há exagero em supor que Le Corbusier, ao projetar em 1950, a capela de Ronchamp – em que se afastou da ortodoxia ortogonal – teria se inspirado nas inovações do jovem discípulo brasileiro.

Mas a relação entre os dois arquitetos não acaba aí. Quando, em 1947, Oscar foi convidado por Wallace Harrison a participar da equipe de arquitetos que projetaria sede da ONU, em Nova York, Le Corbusier, cujo projeto estava sendo muito criticado, pedira a Oscar que tomasse sua defesa. Mas Harrison insistiu com o brasileiro para que também concorresse. Oscar foi para o hotel e esboçou um projeto, que foi aceito por unanimidade pela equipe. Após a escolha, Le Corbusier, inconformado, procurou Oscar e insistiu em que ele adotasse no seu projeto parte da concepção do dele, Corbusier. Oscar, embora discordando, aceitou. E assim, o projeto construído trouxe a assinatura dos dois arquitetos. Um tipo de delicadeza e generosidade que caracteriza a personalidade de Niemeyer, no trato com os amigos e companheiros, ao longo de sua vida.

Na introdução do livro, José Carlos Sussekind, que substituiu o pernambucano Joaquim Cardozo como calculista das obras de Niemeyer, chama a atenção para o fato de que o desenvolvimento da sua obra “sempre esteve umbilicalmente ligado ao avanço da tecnologia do concreto armado”. A audácia do arquiteto brasileiro na concepção de formas arquitetônicas nunca imaginadas levou técnicos estrangeiros a considerá-las inexeqüíveis, como no caso da Universidade de Constantine, na Argélia, e da sede da editora Mondadori, em Milão. Em ambos os casos foi a competência de calculistas brasileiros que resolveu o problema. E, assim, através dos anos, Niemeyer tem introduzido na construção arquitetônica balanços de 25 a 80 metros e vãos de 50, que distinguem a arquitetura brasileira e a situam como inovadora da linguagem arquitetônica mundial e da técnica de construir.

Mas, a par disso, um dos traços mais relevantes da obra de Oscar Niemeyer é a sua inventividade formal e poética que o distingue como um criador sem comparação em toda a história da arquitetura. Do conjunto de Pampulha, com sua capela e sua marquise ondulada aos edifícios residenciais de Belo Horizonte e São Paulo, dos palácios de Brasília com sua catedral aos últimos projetos para Niterói e Curitiba, deslumbra-nos a sua capacidade inventar novas formas de rara plasticidade e beleza. Tinha razão Joaquim Cardozo quando afirmou que, depois de Picasso, Oscar Niemeyer era o maior criador de formas da arte contemporânea. E ele foi, sem dúvida, o arquiteto que mais ampliou o vocabulário formal da arquitetura em toda a sua história.

Esta sua inventividade, que fascina todos, levou alguns invejosos ou falsos entendidos a afirmar que Oscar é mais escultor que arquiteto. A principal alegação é que ele se preocupa muito mais com a beleza exterior do edifício do que a sua funcionalidade. Não há dúvida – como já dissemos aqui – que foi o rompimento com a ditadura do funcionalismo arquitetônico que lhe possibilitou inovar a linguagem plástica da arquitetura. Isto não significa, porém, que ele não leve em conta a finalidade a que cada edifício se destina. Aliás, muitas vezes, essa finalidade inspira-lhe a solução plástica inovadora. É verdade, porém, que ele tem clara noção do peso que esse fator deve ter na criação do arquiteto. Respondendo a esse tipo de crítica, disse ele certa vez: “Com os anos, o que servia plenamente ao funcionamento do prédio torna-se insuficiente. Um edifício pode ser funcional hoje e não-funcional amanhã”. É verdade, e um exemplo extremo disso são as grandes mansões residenciais da época colonial que se valiam de grande número de escravos para funcionar. Com o fim da escravidão e a drástica redução dos serviçais domésticos, esse tipo de arquitetura residencial tornou-se funcionalmente inviável, conforme observou o mestre Lúcio Costa.

Enfim, queremos terminar este registro chamando a atenção do leitor para a lição que está implícita na obra deste grande artista brasileiro que nos faz acreditar mais em nossa capacidade de criar o novo com alegria. Se a nossa sociedade continua injusta, não será com pessimismo que havemos de torná-la melhor. Ao criar uma forma bela, como o novo museu de Curitiba, Oscar nos ensina como ainda há de ser a vida.