Que a ignorância e a falta de seriedade permeiam o dia-a-dia de muitos brasileiros há décadas em todos os setores de nossa sociedade, é uma triste realidade facilmente constatável em nosso país. Mas que esses “insumos humanos” perpetrem alguns dos recintos leiloeiros, é uma novidade. Pelo menos, com a assiduidade e a desfaçatez com que andam acontecendo

Até então considerados redutos de seriedade extrema e boa formação e informação cultural, algumas dessas instituições parecem que vêm perdendo e se distanciando de uma de suas funções, que não apenas a de comercialização de bens patrimoniais, mas também culturais. Se pensarmos que se fazem presentes nos grandes centros culturais do Brasil, o resultado pode ser perverso... principalmente quando pensamos nos pregões on line.

Talvez no afã da comercialização e do conseqüente lucro rápido, essas casas leiloeiras vêm se esquecendo de uma de suas funções primordiais de salvaguarda e propagação de objetos artísticos imbuídos de valor cultural e boa informação. Senão vejamos o que sistematicamente vêm ocorrendo nos últimos anos em vários pregões realizados país afora. Erros acontecem, mas com tamanha freqüência e monta, acabam sendo anormais e um sinal de alerta para o mercado leiloeiro.

Catálogos mal elaborados são, apenas, a ponta desse iceberg. Atrás dos mesmos, estão os recursos humanos que deveriam ter conhecimento mínimo das informações básicas para elaborá-los, mas não é o que acontece. Exemplos, infelizmente, não são raros. Erros gramaticais, por falta de revisão ou desconhecimento do léxico, são até admissíveis, desde que não corriqueiros, crassos e corroborados pelo leiloeiro oficial em pregão.

Mas, imperdoáveis realmente, são os erros de informação que, ao invés de educarem, deseducam. Pior do que não informar, é informar errado. Em recente leilão realizado em uma região nobre de São Paulo, um dos itens apregoados foi verbalmente apresentado pelo leiloeiro oficial, descrito em catálogo, como “Bandeira Republicana” sendo que a mesma apresentava a esfera armilar encimada por coroa real, emblemas legítimos do lábaro do período imperial brasileiro. Apenas um erro de cunho histórico, questionado em sala lotada por apenas dois ou três presentes. Outra pérola? Um mobiliário com todas as características básicas do estilo Luís XV, apregoado como autêntico Luís XVI. Para os leigos, seria uma falha perdoável de desconhecimento, pois ninguém domina totalmente todos os assuntos. Mas para o profissional da área, dever de ofício...

No âmbito da “seriedade”, os exemplos são ainda mais preocupantes porque a ação influi diretamente na dinâmica do mercado, atingindo compradores, apreciadores e colecionadores, subestimando suas capacidades de observação e interação com o pregão. Se não, como aceitar que uma obra plástica, assinada pelo artista, seja apregoada como atribuição? Ou é, ou não é. Está assinada! Se há dúvidas, há, ou deveriam haver também, os experts e suas expertises, que poderiam dirimi-las.

Outro caso, em outro pregão, é o de como entender que obras de renomados artistas, com valor de mercado, sejam leiloadas sempre em lance livre, ou seja, teoricamente pela melhor oferta, e que, a bem da verdade, nunca acaba sendo a lance livre. Não seria mais correto já apresentarem o valor base e, assim, encurtar o enfadonho “circo” de confirmações e disputas virtuais – os fatídicos telefonemas – que geralmente tais pregões acabam tendo? A internet com os pregões virtuais é um território dos mais amplos para estes casos.

Não é possível ficar impassível a esses e tantos outros acontecimentos que vêm solapando a credibilidade dos leilões de arte e antiguidades de uns em detrimento a outros, e afugentando aqueles que entendem a dinâmica de um verdadeiro pregão e são contumazes apreciadores e compradores de informações culturais, além de arte, antiguidades e objetos artísticos. Urge o momento dessas instituições, tão importantes para o mercado de arte e antiguidades, reverem os conceitos e posturas mercadológicas. Questão de sobrevivência... E, principalmente, de respeito.

 

José Márcio Viezzi Molfi
http://www.vmescritarteleiloes.com.br/