Usada pelos portugueses para designar as pérolas naturais de forma bizarra, irregulares, diferentes das conhecidas pérolas esféricas, a palavra “Barroco” será sinônimo de um dos movimentos artísticos mais importantes surgidos na Europa e no Brasil, como manifestação surpreendente de uma arte criadora e original, dentro da história da arte ocidental

O estilo Barroco chegou ao Brasil por meio dos colonizadores, sobretudo portugueses, leigos e religiosos. Seu desenvolvimento pleno acontece no século XVIII, praticamente cem anos após ter florescido no continente europeu, estendendo-se até as duas primeiras décadas do século XIX. Enquanto estilo, o Barroco brasileiro constitui-se como um caldeirão de diversas tendências do original europeu, sofrendo tanto influências portuguesas, quanto francesas, italianas e espanholas. Tal mistura será acentuada nas oficinas laicas, multiplicadas ao longo do século, onde mestres portugueses se unem aos filhos de europeus já nascidos no Brasil, e seus descendentes caboclos e mulatos, para realizar algumas das mais belas obras da produção artística brasileira. Essa “mulatização” do Barroco no Brasil, unindo elementos populares e eruditos produzidos nos ateliers artesanais, é bastante clara quando observamos, por exemplo, formas do gótico tardio alemão em obras do mestre Aleijadinho, o artista mais representativo desse estilo no país. O movimento, contudo, atinge seu auge artístico a partir de 1760, principalmente com a variação Rococó do Barroco mineiro.

O Barroco brasileiro encampou a arte e a arquitetura produzidos àquela época principalmente em Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco, regiões onde se desenvolveu de forma mais intensa e representativa. As condições sócio-econômicas do Brasil colonial foram propícias ao seu desenvolvimento latente naqueles estados, sendo ligado principalmente à religião católica. A Igreja, maior mecenas da arte no período colonial, foi a grande propulsora desse estilo despojado, de formas simples, com senso de medida e proporção de sóbria elegância. Encomendando obras arquitetônicas, escultóricas e pictóricas, financiadas também pelo auge do período da mineração em Minas Gerais e do ciclo açucareiro, em Pernambuco, trabalhos de singular força e originalidade foram produzidos nesse período. Contudo, manifestações desse estilo são percebidas também em Mato Grosso, Goiás e São Paulo, nessa mesma época, apesar de diferenciados em sua estética e emprego.

Esse desenvolvimento da arte rumo ao Barroco, em relação à produção artística de séculos anteriores marcada por uma arquitetura religiosa sóbria e muitas vezes monumental, com fachadas e plantas retilíneas de grande simplicidade ornamental, bem ao gosto maneirista europeu, somente foi possível quando as associações leigas (confrarias, irmandades e ordens terceiras) tomaram a frente no patrocínio da produção artística no século XVIII, momento em que as ordens religiosas viram seu poder enfraquecido. Contudo, uma primeira manifestação de traços barrocos, apesar de misturado ao estilo gótico e românico, pode ser encontrado na arte missionária dos Sete Povos das Missões na região da bacia do Prata, no sul do país, já no século XVII. Interessante perceber que ali se desenvolve, durante um século e meio, um processo de síntese artística pelas mãos dos índios guaranis, a partir de modelos europeus ensinados pelos padres missionários. As construções desses povos foram quase totalmente destruídas. Um exemplo: as ruínas de São Miguel, no Rio Grande do Sul.

As primeiras manifestações do puro espírito barroco apareceram em fachadas e frontões, principalmente na decoração de algumas igrejas, em meados do século XVII. Um exemplar dessa época é a talha barroca dourada em ouro, de estilo português, presente na Igreja e Mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro, construída entre os anos de 1633 e 1691. Os motivos folheares, a profusão de anjinhos e pássaros, a figura dinâmica da Virgem Maria no retábulo-mor, projetam um ambiente barroco no interior de uma arquitetura clássica. Já o desenho vegetal, bastante característico desse estilo, é introduzido na Bahia no final do séc. XVII na decoração, por exemplo, da Antiga Igreja dos Jesuítas, cuja construção da capela-mor, com seus motivos viníferos com pássaros, flores tropicais e anjos-meninos, data entre 1665 e 1670. Em Recife, um outro exemplar desse período incipiente é a Capela Dourada ou Capela dos Noviços da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, idealizada durante o apogeu econômico de Pernambuco em 1696, finalizada em 1724.

O Barroco brasileiro apresenta características peculiares que se mostram em diferentes nuances, conforme a época e a região em que se desenvolveu. Num primeiro momento, entre os anos de 1700 e 1730, a arquitetura das igrejas tende a apresentar um mosaico de pedra esculpida que se espalha nas fachadas, como imitação dos retábulos, seguindo a lógica da ornamentação barroca européia. Pela primeira vez, já em 1703, é utilizada a fachada em estilo plateresco (de origem espanhola, emprega o uso de escudos e pináculas na fachada dividida em corpos) da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, em Salvador. No entanto, tal exuberância representa uma exceção no barroco nacional, pois mesmo em seu período áureo as igrejas barrocas brasileiras, tal como as portuguesas, serão marcadas por um contraste entre a relativa simplicidade de seus exteriores e as ricas decorações interiores, simbolizando desta forma a virtude do recolhimento. Esses primeiros trinta anos marcam a difusão no Brasil do estilo conhecido como “nacional português”, sem grandes variações entre os estilos regionais.

Um segundo ciclo de desenvolvimento do Barroco acontece entre meados de 1730 e 1760, com a predominância do estilo português “joanino”, cuja origem remonta ao Barroco italiano. Há uma significativa “barroquização” da arquitetura com a complexidade da construção de naves poligonais e plantas em elipses entrelaçadas. Nessa época começam a aparecer os primeiros artistas de destaque nesse estilo, ressaltando-se a atuação dos entalhadores portugueses Manuel de Brito e Francisco Xavier de Brito (m. 1751).

A partir da segunda metade do século XVIII, inicia-se um período de certa estagnação política e econômica no nordeste, com exceção de Pernambuco que reelabora o estilo Rococó na segunda metade daquele século. A produção artística do período, então, começa a se voltar para o Rio de Janeiro, transformada em capital da Colônia em 1763, e para a região de Minas Gerais, que se desenvolve baseada na descoberta das minas de ouro e diamante. Não por acaso, dois dos maiores artistas do Barroco brasileiro vão trabalhar exatamente neste período: Valentim da Fonseca e Silva (c. 1745 – 1813), conhecido como Mestre Valentim, no Rio de Janeiro, e Antônio Francisco Lisboa (1730 – 1814), mais conhecido como o Aleijadinho, em Ouro Preto e adjacências.

No entanto, em linhas gerais, o Barroco no Brasil apresentou duas vertentes que se dividem basicamente em “litorâneo” e “interiorano”. O primeiro, representativo em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, sofreu uma forte influência européia, menos independente nas formas e reflexo de uma sociedade rural e aristocrática com seus gostos e anseios atados aos valores formais da metrópole portuguesa, de estilo mais empolado e pomposo. Já o segundo, do qual o Barroco mineiro é exemplar, percebe-se um estilo mais independente e original, refletindo uma sociedade urbana enriquecida pelo ciclo da mineração, ideologicamente burguesa, porém avessa a ostentações. Este é o primeiro estilo artístico genuinamente nacional, pois é na expressão de suavidade das formas e do colorido peculiar que ele se destaca. A extrema religiosidade popular, sob o patrocínio exclusivo das associações laicas, se expressa em um espírito contido e elegante, gerando templos harmônicos e dinâmicos de arquitetura em planos circulares, com graciosas decorações em pedra-sabão. Nesse sentido, as construções monumentais são definitivamente substituídas por templos intimistas de dimensões singelas e decoração requintada, mais apropriados à espiritualidade e condições materiais do povo daquela região. Um dos exemplos mais interessantes deste estilo é a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis da Penitência, de 1767, cujo frontispício, retábulos laterais e do altar-mor, púlpitos e lavabo são de autoria do escultor Aleijadinho. A pintura ilusionista do teto da nave, feita em 1802, é de um dos mais talentosos pintores barrocos brasileiros, Manoel da Costa Athayde (1762 – 1830). Um outro exemplo de magnificência da arte produzida por esses dois grandes artistas são as esculturas em madeira policromada representando os Passos da Paixão de Cristo para o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo, entre os anos de 1796 e 1799. No adro deste mesmo Santuário, Aleijadinho deixa o testemunho mais eloqüente de seu talento artístico: os doze Profetas em pedra-sabão feitos entre 1800 e 1805.

Entretanto, a manifestação do estilo Barroco no Brasil não se deu apenas pela imponência das igrejas mineiras, baianas, pernambucanas ou cariocas com suas talhas polimorfas recamadas do mais fino ouro brasileiro, com suas imensas volutas, cornijas, janelas e portadas de linhas curvas e simetria de ornatos. Em contraposição, houve regiões onde as condições sócio-econômicas determinaram outros tipos de construções e decorações. Nelas, o Barroco setecentista teve sua expressão na forma mais modesta, sem a riqueza das dourações, com a talha dos artistas – muitos deles mestres santeiros e artesãos até hoje desconhecidos – expressas em alguns exemplares de colunas salomônicas em raras volutas simétricas, em linhas curvas, em poucos ornamentos e em toscas talhas e policromias de imagens. A aparente escassez de recursos financeiros e humanos à época talvez sejam as causas, mas nem por isso o espírito barroco deixa de estar presente em algumas obras feitas em Goiás, Mato Grosso e São Paulo, regiões exemplares dessa estética. Exemplos são as imagens realizadas por santeiro anônimo da região paulista do Vale do Paraíba, conhecido como “Mestre do Bolo de Noiva”, e as pinturas e construções de Pe. Jesuíno do Monte Carmelo, na região paulista de Itu.

Já no Rio de Janeiro, pela forte presença lusitana, o Barroco apresentou uma peculiaridade, distinguindo-se das outras cidades por uma tendência à sobriedade neoclássica, reforçada pelas influências no Brasil da reforma pombalina. A arte civil, como o Passeio Público de 1779, bem como a arte sacra de Mestre Valentim são exemplos do perfeito equilíbrio entre os postulados racionais do classicismo, a dinâmica e grandiloqüência do Barroco nacional e um certo sentido de preciosismo e delicadeza da estética Rococó de origem européia. As pinturas de Manuel da Cunha (1737 – 1809) também sintetizam essa estética carioca do século XVIII dentro da produção pictórica do período.

Questão fechada, contudo, é de que o Barroco brasileiro, apesar de tardio, sintetizou com muita peculiaridade os anseios do povo ao empregar a mão-de-obra local, negra e mulata, na feitura de peças e obras de alto valor artístico nacional. Nesse sentido, a arquitetura e os entalhes barroquizados e as imagens do século XVIII tornaram-se elementos indissociáveis da história da arte no Brasil dos séculos seguintes.

ALGUNS ARTISTAS FUNDAMENTAIS DO BARROCO BRASILEIRO

• ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA (Aleijadinho) – escultor, entalhador e arquiteto
• MANOEL DA COSTA ATHAYDE (Mestre Athayde) – pintor
• VALENTIM DA FONSECA E SILVA (Mestre Valentim) – escultor, desenhista, ourives e arquiteto
• MANUEL DIAS DE OLIVEIRA (Brasiliense) – pintor
• ANÔNIMO (conhecido como Mestre Piranga) – escultor e santeiro
• JOSÉ JOAQUIM DA ROCHA – pintor, encarnador, dourador, restaurador, cenógrafo e professor
• ANTÔNIO JOAQUIM FRANCO VELASCO – pintor, decorador e professor
• JOSÉ TEÓFILO DE JESUS – pintor
• MANUEL DA CUNHA – pintor e professor
• FRANCISCO PEDRO DO AMARAL – pintor, desenhista, caricaturista, decorador, paisagista, estucador, dourador, cenógrafo, arquiteto, compositor e poeta
• JOSÉ RODRIGUES NUNES – pintor, professor e desenhista
• JESUÍNO FRANCISCO DE PAULA GUSMÃO (Pe. Jesuíno do Monte Carmelo) – pintor e arquiteto

 

José Márcio Viezzi Molfi

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