UMA RELAÇÃO PERIGOSA

O grande historiador da arte, o austríaco Ernst Gombrich, costumava citar o artista espanhol Pablo Picasso que, dentro da sua genialidade, havia feito de tudo em arte. Mas nem tudo o que fazia, tinha a mesma qualidade artística dentro do conjunto da obra. E, olha que ele se referia a um dos ícones da História da Arte de todos os tempos. Na verdade, o que Gombrich procurava mostrar subliminarmente é de que a fruição da arte sempre deveria ser sobre a obra e nunca sobre o artista, que podendo influenciar na sua apreciação, poderia interferir no alfabetismo visual e no deleite da apreciação. Apesar da criação depender do criador, vários artistas ao longo de séculos perceberam que, em alguns casos, a assinatura na obra poderia resultar num efeito perverso à sua apreciação, interferindo-a de modo negativo. Basta observarmos a produção pictórica de alguns artistas contemporâneos brasileiros, cujas assinaturas encontram-se no verso de várias obras. Ou mesmo a desnecessária identificação pela assinatura nas obras produzidas durante o período renascentista italiano.

Claro que a “assinatura” nas artes é um fator importante para permear as possíveis origem, qualidade e valor mercadológico de um trabalho. Mas ela não se sustenta por si só. Analisar a obra, em todos os seus meandros é fundamental nesses casos. Inclusive para tentarmos identificar se são realmente do artista em questão. Muitas vezes algumas pessoas se atêm à assinatura, esquecendo-se de observar o desenho, a composição, a cor, a harmonia, o equilíbrio, etc, ou seja, a verdadeira assinatura do artista que, nesses casos não é nem manuscrita e nem de leitura direta. A verdadeira assinatura encontra-se na fatura do mesmo, independente de gostar, ou mesmo, para aqueles que entendem e trabalham com obras de arte, de se tratar de uma obra maior ou menor dentro da sua produção artística. O todo da obra é o verdadeiro DNA do artista, mas cada obra é uma obra. Por isso, às vezes, a dificuldade de se entender a disparidade de preços entre obras do mesmo artista, até da mesma fase de produção. Como sabemos – e que o “digam” as musas –, a inspiração na criação, como um sopro divino, não se faz presente a toda hora e momento...

Outro fator que influi diretamente no valor mercadológico de determinadas obras, muito mais pela relação oferta-demanda do que pela qualidade pictórica é a questão da técnica ser a óleo ou não. A qualidade artística de uma obra, ao contrário da regra mercadológica vigente, não está atrelada ao material utilizado pelo pintor. Quantos pastéis, aquarelas – técnica, aliás, das mais difíceis e refinadas –, e gravuras de vários artistas não são melhores trabalhos que alguns de seus óleos? Esse preconceito é um dos erros do mercado, surgido da ignorância de possíveis compradores, sustentado pela ganância de alguns comerciantes.

Portanto, há sempre a recomendação de que quando se pretender adquirir uma obra de arte, preste-se atenção ao todo. De preferência, conhecer um pouco da produção do artista que pretende adquirir ajuda muito para que futuramente não se tenha dissabores com a obra comprada.

 

José Márcio Viezzi Molfi
http://www.vmescritarteleiloes.com.br/