Poteiro 1 PB cf809

Nascido em Braga, norte de Portugal, Antônio Batista de Souza emigrou para o Brasil muito cedo, fixando-se inicialmente em São Paulo. Com oito anos de idade, foi morar em Araguari, MG, cidade que ele chamou, em um de seus poemas, de “terra da minha juventude”, “terra das cabeceiras”. Viveu em vários lugares tais como Uberlândia, numa aldeia carajá próxima à Ilha do Bananal, em Nerópolis, onde exerceu os ofícios de oleiro, ferreiro, cozinheiro, garçom, entregador de pães, pedreiro meia colher, cisterneiro. Mudou-se, finalmente, para Goiânia, onde voltou a trabalhar com o barro e, mais adiante, com as telas, as tintas e os pincéis. Morreu em 2010, na capital de Goiás, conhecido pelo nome de Antônio Poteiro e reverenciado como um dos maiores artistas do estado e do país.

Esta exposição* reúne duas séries de pinturas de autoria de Antônio Poteiro. A primeira, para a qual propomos o nome de Brasiliana, é constituída por vinte e uma obras, uma das quais um díptico, e a segunda, Via Sacra 3000, por quinze pinturas. Brasiliana foi pintada em 1999 e 2000, como uma homenagem ao Brasil que comemorava meio milênio de seu descobrimento. Trata-se da série mais elaborada de Poteiro, a que exigiu dele maior dedicação. Via Sacra 3000 foi criada em 1996. Quando ele a produziu, estávamos próximos da virada do milênio. Poteiro fez uma Via Sacra que não é uma Via Crucis, o caminho percorrido por Jesus Cristo, carregando a cruz, desde o Pretório de Pilatos até o monte Calvário. Acrescentou ao título o número 3000, referindo-se ao terceiro milênio. Adicionou um passo ou etapa às tradicionais quatorze estações e não seguiu a sequência que começa com a condenação de Jesus à morte e que termina com seu sepultamento. Poteiro acreditava em Deus, mas não era adepto de nenhuma religião específica. Achava que todas as religiões são boas, desde que guardem distância do fanatismo. A história de Jesus Cristo, todavia, frequentava seu imaginário. E a recontou, a seu modo.

Em toda a obra de Poteiro o que mais interessa não é propriamente o tema, a narrativa, mas a maneira como ele narra pictoricamente, o modo como ele pinta, criativo e competente. Este fato foi sinalizado por Olívio Tavares de Araújo quando apresentou a série Brasiliana pela primeira vez, no ano 2000, por ocasião da mostra realizada no Teatro Nacional Cláudio Santoro, em Brasília, durante as comemorações oficiais do V Centenário do Descobrimento do Brasil. Neste texto exemplar, o crítico afirma que o que diferencia Poteiro dos “primitivos de carteirinha” é “a qualidade plástica, a serviço de uma imaginação borbulhante”.

Poteiro tem pontos em comum com outro notável artista brasileiro: Alfredo Volpi.

Nascido no noroeste da Itália, Volpi emigrou para o Brasil muito cedo. Fixou-se em São Paulo, onde exerceu os ofícios de marceneiro, entalhador, encanador e pintor de paredes. Tornou-se, finalmente, artista plástico e integrante do Grupo Santa Helena, um coletivo de pintores de origem operária, quase todos de procedência italiana. O crítico inglês Michael Asbury, curador da exposição de Volpi realizada em 1916 na Cecília Brunson Projects, em Londres, destacou que a grande contribuição do pintor do Cambuci foi mostrar que “um homem de origem simples pode ser um grande artista”.

Ambos de origem simples, Poteiro e Volpi conseguiram, graças a seus talentos disfarçados em aparências singelas, reconhecimento amplo do público e da crítica na maturidade, o que lhes garantiu uma situação econômica satisfatória no fim de suas vidas. Muitas são as similitudes na vida destes dois artistas. Ambos europeus do sul, ambos emigrados para o Brasil com tenra idade, ambos com história de atividades profissionais modestas antes do engajamento na arte. Como artistas, Volpi e Poteiro se destacaram pelo colorido primoroso . Tanto um como outro poderia dizer, como Paul Klee: ”A cor apoderou-se de mim; não tenho mais necessidade de persegui-la”.

Esta qualidade faz da pintura de Poteiro um regalo para a vista e um deleite para o espírito. Ele nos entrega uma pintura que encanta pela beleza, que é a “promessa de felicidade” de que nos fala Stendhal, algo “que ensina as luzes a brilhar”, na expressão de Shakespeare. É assim a sua pintura.

De onde vem a potência da pintura de Poteiro, considerado um gênio da arte brasileira? Não vamos responder aqui. Cada um que procure, no fundo das suas telas, a resposta. E se você, leitor, descobrir, não conte a ninguém. Faça deste conhecimento um segredo. Não arrisque empobrecer uma experiência única.

 

Poteiro, colorista do Brasil, Caixa Cultural Recife, outubro-dezembro de 2016