'Também faço!’ É a reação comum diante de uma tela famosa
Retrato do Dr. Gachet (Van Gogh), O Grito (Munch), Garçon à La Pipe (Picasso), Jogadores de Cartas (Paul Cézane). Telas pintadas por gênios e que, no mercado de artes, foram vendidas por mais de € 120 milhões. As bandeirinhas do nosso Volpi, dependendo da obra, podem valer uns R$ 400 mil.
O que tudo isso tem a ver com a gente, simples mortais? É que, vez por outra, é comum ouvirmos alguém diante dessas obras – e de tantas outras – dizer: ‘Isso eu também faço’. Talvez sim – não há porque duvidarmos dos outros.
Então, quem define o gênio? Quem qualifica a obra e quantifica seu preço? Primeiro, é bom saber que ter apenas talento não basta para um desconhecido se tornar um pintor mundialmente conhecido e rico. Há um longo caminho a se percorrer.
“Alguns gênios não o eram em suas épocas. Não sabiam que chegariam a isso. Não tinham o que comer e outros mal pagavam o aluguel. Van Gogh tirava pedaços do colchão para usar como suporte. Em vida não vendeu nada”, nos lembra Nivio Mota, professor de História da Arte e curador.
Significa que o sucesso depende muito do distanciamento histórico, e estamos falando de 80 anos. E tais pintores não produziram tanto como imaginamos. “Muito tempo depois foi verificada essa importância. Alguém hoje pode ter talento e copiar uma obra famosa, mas não conseguirá com os traços do autor original. Dá para saber quem é o verdadeiro”.
A Monalisa. É possível desenhar uma igual, mas o copiador não será um gênio, porque ele não a imaginou e nem a criou naquele contexto da história. “Pintar uma Monalisa hoje é fácil. Um artista deve revolucionar, quebrar paradigmas, criar algo seu. E não dá para saber se será sucesso porque falamos do imponderável”.
No meio acadêmico das artes são favas contadas que Romero Britto não desfruta de prestígio. Ele fez um quadro da Madonna, que se deixou fotografar ao lado da tela, e isso impulsionou a carreira do brasileiro. Sorte! É o que se fala.
Vale o quanto se paga?
O artista plástico, professor de História da Arte e proprietário do Escritório Eikones (que representa novos artistas) Jadir Battaglia comenta que há três fundamentos que qualificam autores e suas produções. “O quanto gastou com tinta, pincel, suporte, transporte até uma exposição... os gastos materiais. Depois, quais exposições (coletiva ou individual) fez, de quais salões participou, prêmios recebidos, em quais galerias e museus há suas obras... Tudo isso agrega muito prestígio ao currículo”.
Ele explica que as principais exposições são de entidades públicas e privadas que não cobram. Há processos de inscrição (editais) e seleção por parte de curadores. Casos das bienais de Veneza, São Paulo, Paris. No Brasil, os eventos da Funarte e os do Itaú Cultural.
No caso dos pintores famosos citados, Battaglia explica que há um conjunto de fatores para o sucesso: contexto histórico da obra, revolução da linguagem artística como divisor de águas e até a crítica social e o recorte do seu tempo, como o fez
Picasso em Guernica. “A partir de uma linha, Picasso chegava a outros caminhos complexos. Ele fez um estudo, abstraiu. Coisas para nós normais em época de grande e fácil fluxo de informações. Ele fez telas com fortes cores, espaços e volumes sobre sua cultura”.
O mesmo, teoricamente, pode se falar de Volpi. É fácil, hoje, olhar suas bandeirinhas e tentar fazer igual. “A questão é: como ele chegou a elas? Bandeirinhas que são simples e complexas ao mesmo tempo. É o que chamamos de a escrita do artista”, atesta Battaglia.
Não existe mais o gênio criador: soma de talento, emoção e criação. “O que existe e tem a melhor chance de dar certo e fazer sucesso é o artista que trabalha com o intelecto”.
Battaglia cita nomes das artes nacionais, como Adriana Varejão e Beatriz Milhazes, que têm na pesquisa a base para suas produções. A arte que também leva à reflexão. “Não é novo, vem do início do século 20, com o Impressionismo. As pesquisas para melhor representar a luz, a transparência de uma névoa, o momento da chuva...”
Falando em obra de arte em sua acepção, Mota e Battaglia dizem que quem faz a classificação são galeristas, curadores, museólogos. Já o trabalho artístico é diferente e está afeto a outras nuances.
Um terceiro ponto para se chegar ao valor de uma tela, diz Battaglia, é o consumidor: o quanto está disposto a desembolsar. “Quem conhece pode pagar, em leilão, o dobro do que vale um Volpi. Eu posso achar que uma obra minha vale X e quem a quer comprar, -X. Isso é fato”.
Interfere, ainda, a especulação, porque arte é um investimento. “Explica, em parte, os milhões de euros dados nos quadros dos desses famosos”, arremata Battaglia.