RIO — A Igreja Nossa Senhora dos Navegantes fica numa rua que desemboca na Avenida Brasil, em Bonsucesso, juntinho ao Complexo da Maré. Nessa típica paróquia de subúrbio, cercada de casas com pintura desbotada e um pequeno comércio, o artista plástico Rafael Bteshe vem pintando há cerca de um ano um mural com imagens religiosas, usando uma técnica raramente executada na cidade nos dias de hoje: o afresco. O trabalho — seis pescadores tendo uma visão do Divino Espírito Santo — era o último que faltava ser finalizado na paróquia, que já havia recebido os traços de outros três artistas, todos alunos do curso “A arte e a técnica do afresco”, coordenado pela Oficina-Escola de Manguinhos da Fundação Oswaldo Cruz. O endereço fará parte de um catálogo sobre a técnica, que a Fiocruz lançará ainda este ano.
— A ornamentação da igreja é o trabalho de conclusão do curso, que teve 15 alunos e espalhou afrescos por alguns bairros da cidade. Foi uma oportunidade de aprender uma técnica rara, de tradição italiana. Aqui no Brasil, devido à colonização portuguesa, ela não teve muita repercussão — conta Rafael.
Pendurado em andaimes, Rafael e dois assistentes atraíram a atenção de estudantes de belas-artes, que nos últimos meses visitaram a igreja para vê-los em atividade. O artista explica que a técnica do afresco consiste em aplicar cores diluídas em água sobre um revestimento de argamassa fresca, facilitando a absorção da tinta. Daí o nome afresco. Um dos exemplos mais conhecidos da arte é a pintura do teto da Capela Sistina, no Vaticano, realizada por Michelangelo no século XVI.
— É uma técnica muito específica, que se relaciona diretamente com a arquitetura, pois o artista tem que fazer a composição na parede. É preciso trabalhar com a argamassa fresca, por um período que varia de acordo com a umidade e a temperatura, mas que geralmente é de cinco horas. Se você não termina no prazo, tem que quebrar e fazer de novo. A parede dura não absorve a tinta. A pintura não é feita na parede, ela é a própria parede — explica Rafael, que aprendeu a fazer o emboço, o reboco e a própria argamassa no curso.
Parceria no trabalho
A pintura de Rafael compõe um mural de cerca de 13 metros que ele e o artista Fábio Cerdera fizeram junto ao altar da igreja. Cada um cuidou do seu projeto. O de Fábio, batizado de “Aparição do Divino”, mostra o céu iluminado no momento da visão dos pescadores de Rafael.
—Trabalhamos separadamente, mas trocávamos os projetos por e-mail e fazíamos ajustes para que fosse uma composição única — diz Rafael.
Na paróquia, também foram feitos os afrescos “Crucificação”, de Virgílio Dias, pintado na Capela do Santíssimo, e “Pães e peixes”, de Vladimir Valente, uma alusão ao milagre da multiplicação (na parte de cima da parede oposta ao altar). Além da igreja de Bonsucesso, quatro edifícios públicos ganharam afrescos, feitos por outros alunos do curso: a Biblioteca Parque e a Igreja São Jerônimo Emiliani, em Manguinhos, e a Paróquia São José Operário e o Museu Bispo do Rosário, em Jacarepaguá.
A arquiteta Cristina Coelho, coordenadora do núcleo de educação patrimonial da Fiocruz, explica que o curso serve para promover uma técnica que corre o risco de ser esquecida e fazer com que alunos dividam seus conhecimentos com a comunidade. Os estudantes foram orientados pelo professor Lydio Bandeira de Melo, especialista nesse tipo de pintura.
— A ideia dos murais como projeto final foi do Bandeira de Melo. Aceitamos por ser uma forma de dar retorno à cidade — disse Cristina.
Moradores do entorno dos edifícios beneficiados também aprenderam a técnica e ajudaram nos murais. Alguns painéis ainda estão sendo feitos na cidade e devem ficar prontos em novembro.
— Assim que todos estiverem prontos, vamos fazer a inauguração e o lançamento de DVDs da cineasta Cristiana Grumbach sobre a experiência do curso. Teremos também um catálogo, que poderá funcionar como um roteiro dos afrescos da cidade — comenta Cristina.