Fonte: Cristiana Tejo

Citações e recriações em Félix Farfan

A apropriação de imagens na arte contemporânea não pode ser entendida sob os conceitos da arte moderna. Baseado na duplicação, cópia ou incorporação direta de uma imagem por um artista que a representa num contexto diferente, alterando seu significado e questionando as noções de autenticidade e originalidade, tão caras à produção modernista, esse conceito não encontra respaldo no evolucionismo moderno, já que fere dois de seus princípios mais importantes. No entanto, o “citacionismo” é condição básica para muitos artistas que emergiram a partir da década de 80. “A apropriação, as coisas tomadas oportunamente para o nosso uso, era a atividade a que todos nós estávamos condenados devido à nossa condição de pós-modernos”, situa Michael Archer em seu livro Arte Contemporânea – Uma História Concisa. Essa geração, acostumada a receber o mundo através de imagens mostradas à exaustão pela TV e pela mídia impressa, teve acesso ao trabalho de artistas exponenciais muitas vezes somente por intermédio de fotos dos livros e das revistas de arte, sem nunca ter tido contato com a obra original.

 Esse desprendimento em tomar para si o que é de seu agrado, relocando significados, está implícito na obra de Félix Farfan. O artista acreano, radicado no Recife há mais de uma década, utiliza em vários níveis essa ferramenta criativa contemporânea. A nuance mais característica de sua trajetória é a apropriação de um repertório pop, de objetos e de materiais cotidianos que são incorporados a suas telas repetidamente, formando texturas e composições diferenciadas.

 Farfan busca ainda em matérias de jornais e revistas personagens, figuras e palavras que vão povoar várias de suas séries de pintura.

 Uma das vertentes mais interessantes de sua produção, se bem que ainda não expressiva numericamente (de cerca de 600 obras já executadas por ele, apenas 35 são recriações), é a que o artista denomina de cópia, e que consiste na recriação de obras que o agradam ou que o influenciaram de alguma forma. Esse processo surgiu no início dos anos 90 e ainda se constitui num exercício contínuo. “Eu não renego influência e acho que copiar é uma forma de homenagear! Muitos quadros renascentistas foram feitos pelos alunos dos grandes mestres. Na atualidade, o que vale é a idéia...”, afirma Farfan.

 Entre as obras “copiadas” pelo artista estão Os Girassóis, de Van Gogh, que receberam oito versões do acreano, e A Lição de Anatomia do Dr. Tulp, de Rembrandt. Do pintor João Câmara, com quem trabalhou durante oito anos e a quem deve o aprendizado de relevo e texturas, Farfan copiou várias vezes O Boneco Econômico. “Sempre quando estou sem dinheiro, eu peço permissão ao Câmara para copiar o Boneco. Ele não se incomoda. Esse é um quadro que vende muito”, costuma dizer Farfan, tentando ignorar sua contribuição criativa.

 Por vezes, o artista tenta captar o legado estilístico de outros artistas, como é o caso do cearense Leonilson, de quem Félix Farfan tira a síntese para compor algumas obras. Mesmo entre versões do mesmo quadro, o leitor/espectador não deve esperar por reproduções fiéis, mas recriações a que são acrescidos elementos vários, bem ao estilo excessivo de Félix Farfan. Em algumas obras, a auto-referência é a fonte de inspiração.