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A partir da exposição de Arte Moderna em 1917 de Anita Malfatti, foi semeada em cada um dos jovens, futuros modernistas, sementinhas por quase cinco anos até maturar, terra fértil que recebeu a água do fim da guerra e assim a semana aconteceu, vingando a plantinha!

Portanto, exceto Anita que foi a precursora isolada, o grupo se fortaleceu, assim como as plantinhas, um escorando no outro e todos buscando a luz.

Di Cavalcanti teve sua importância escorado em Graça Aranha; Oswald e Mário de Andrade absorvendo informações, escorados no Sergio Milliet e Rubens Borba de Moraes que se escoraram entre si. Por sua vez Menotti Del Picchia que considero o modernista mais centrado e menos deslumbrado de todos escorou Guilherme de Almeida e como todos, se escoraram em Paulo Prado, assim por diante. Entretanto, alguns sobressaíram mais que outros com espírito exibicionista e de alto promoção, mas não deixa de ter sua importância e talento criativo.

Numa tarde nos fins de 1920, Anita se encontrou com o caricaturista Di Cavalcanti, já eram amigos, pois se conheceram na exposição promovida pelo jornal Estado de São Paulo para premiar o artista que melhor representasse a lenda folclórica do Saci Pererê. Nessa ocasião os brasileiros estavam na fase pré-moderna, com interesses regionais e nacionalistas. Anita não ganhou o concurso e na Revista do Brasil Monteiro Lobato comentando sobre a mostra já citava estranheza na técnica de Anita, considerando não compreender os “ismos” e por esta razão passaria adiante tirando o chapéu. O jovem Di Cavalcanti se impressionou com a pintura daquela jovem artista, tornaram-se amigos sendo ele o causador principal a incentivá-la a fazer uma exposição dos trabalhos realizados na Alemanha, Nova York e Brasil. A inesquecível e histórica exposição de Arte Moderna, polemica e escandalosa nos fins de 1917 e começo de 1918 que conhecemos tanto. Daí vinha á amizade entre os dois. Nessa mesma tarde ela o convenceu estudar a técnica óleo sobre tela com um pintor impressionista, George Elpons, muito conceituado, considerado por Anita como um dos satélites do acadêmico Freitas Valle. Quer dizer, artistas que sobreviviam com a ajuda de Freitas Valle. O impressionista alemão George Elpons alugara o atelier de Tarsila do Amaral na Rua Vitória, ela era uma estudante acadêmica que fora estudar numa Academia em Paris.

Assim o glorioso Di Cavalcanti, como Anita o chamava, começou sua saga artística nas Belas Artes. Como era de se esperar, ele encantou-se pelos jogos de cores sobre a luz, tons e matizes, sofrendo forte influência da amiga.

Di Cavalcanti trabalhava como ilustrador e arquivista no jornal Estado de São Paulo. Sendo assim ficou conhecendo jornalistas e intelectuais do meio.

No ano anterior, Sergio Milliet e Rubens Borba de Moraes voltaram para o Brasil após anos de estudos na Suíça. Se enfronhando nos jornais conheceram Oswald, Mário de Andrade, Guilherme de Almeida e o recém chegado de Santos, Paulo Menotti Del Picchia que descobrira um grande escultor de nome Victor Brecheret, que tinha influência de Rodin. Naquela mesma ocasião, Brecheret foi contemplado com estudos em Paris através da Bolsa do Pensionato Artístico do Estado de São Paulo.
Era o fim da Primeira guerra e começava circular informações literárias internacionais do que havia de novo no velho continente europeu.

Sergio Milliet e Rubens Borba de Moraes foram essências, eram muito bem informados sobre o movimento literário modernista, haviam lido Cocteau, Aragon; assinavam a revista Nouvelle Revue Française; estavam a par de Apollinaire, transmitindo e atualizando os jovens intelectuais que se entusiasmaram com Apollinaire e que dentre muitos dos seus livros tinham estórias mais que escabrosas e indecentes. Enquanto isso Mário e Oswald emprestavam livros aos dois, Sergio e Rubens, praticamente estrangeiros, sobre autores contemporâneos brasileiros como Machado de Assis, Os Sertões de Euclides da Cunha, José de Alencar ou como Canaãn de Graça Aranha.

Di Cavalcanti resolvera fazer uma exposição, pois precisava ganhar dinheiro. Os amigos o ajudaram e ele abriu sua primeira exposição de telas na Casa Editora “O livro”, cujo dono era o velho Jacinto, assim se referia a ele, Di Cavalcanti.

Num desses dias de exposição, o velho Jacinto comentou em surdina com o Di que visitaria a exposição do recém aposentado embaixador e escritor Graça Aranha e pedira a ele para reunir os jovens intelectuais paulistas. Nesse momento chega o garboso e cheiroso de lavanda dito pelo Di, autor de Canaãn que ele nunca leu, Graça Aranha, visitando a exposição. Foi assim que tudo começou. Di foi apresentado à Graça Aranha que o incumbiu de reunir os jovens intelectuais com intenção de divulgar o movimento literário com conferências, mas, precisava de uma base econômica. Graça Aranha tinha amizade com Paulo Prado e o requintado fazendeiro de café era uma das maiores fortunas de São Paulo, era um grande senhor, ia todos os anos à Europa, tinha vivido em Paris, tinha conhecido Eça de Queiroz e estava a par do que falasse sobre Picasso. Graça Aranha entregou ao Di Cavalcanti um cartão de apresentação para ir ter com Paulo Prado.. Chegando ao solar da Avenida Higienópolis conheceu Paulo Prado e sua mulher, a francesa Marinetti, que sugeriu um festival de vanguarda, como a Semana de Deauville. Di entusiasmado com sua recente exposição, achou uma brilhante idéia fazer um festival escandaloso e de todos os segmentos da arte, não só literatura. Os jovens começaram a organização, articulando, angariando adesões para o festival, que por sugestão de Oswald teria como a melhor data a comemoração de cem anos da Independência do Brasil. Seguiram depois para a Rua Ceará, casa de Anita Malfatti, que foi a convidada de honra e sua obra a mais representativa do movimento modernista.

Rubens Borba de Moraes disse:

"A grande figura que nós conhecíamos era a Guiomar Novaes, uma grande pianista. Os concertos da Guiomar enchiam de gente; ela tocava Chopin. E nós convidamos a Guiomar Novaes a vir tocar. Eu, indignado:- "Então ela não vai tocar Chopin, ela vai tocar Satie." E, aí, para convencer a Guiomar Novaes a tocar Satie, era meio difícil. Ela recusou-se e tocou Chopin, e tocou não sei mais que; mas acho que ela nem conhecia Satie. De maneira que, na parte musical, não conseguimos vencer. E na Semana de Arte Moderna entraram alguns que eram muito poucos modernos, mas que nós adotamos para fazer número ... De maneira que, em pintura, em escultura, nas artes plásticas era o academicismo. Havia o fenômeno da Anita Malfatti..."

A Semana de 22, todos conhecem, entretanto, as comemorações do Centenário muito abafou o evento que de princípio não passou do Theatro Municipal.
Esse manifesto realmente foi o marco zero, principalmente para os jovens modernistas, que começaram divulgando o evento, mas que teve uma transformação interior em cada um deles.

Anita diria:

“Foi em São Paulo que soou o toque do clarim que rompeu as amarras do velho barro acadêmico, lançando os artistas ao mais agitado, à precursora de novos horizontes artísticos. Ninguém teve tempo de preparar algo novo, mas a idéia moderna estava viva no coração deste pequeno grupo de artistas brasileiros, tinta indelével que marcaria época a dirigir uma geração de paulistas”.

Stella de Mendonça
Perita em Anita Malfatti
Restauradora e especialista em papel