O artista plástico Reto Pulfer instalou a exaustão em Milão. A mostraRepresentar o cansaço” é fruto da residência de um ano de estudos em Roma.
A escolha do tema revela o estado de espírito de um dos principais representantes da novíssima geração de artistas suíços.

Roma exerce sobre os residentes uma grande pressão que contrasta com a necessidade do artista de mergulhar no próprio imaginário. No caso de Reto Pulfer foi uma grande criatividade ligada a um extremo cansaço.

 A instalação ocupa o salão da entrada principal do prédio do Instituto Suíço, no centro da cidade. Ela é composta por diferentes materiais e objetos protegidos por panos de seda, algodão e pedaços de couro costurados e pregados que cobrem as paredes e o teto do espaço.

O ponto de partida é uma história que pode ser real ou inventada. Dentro desta enorme tenda Reto Pulfer sobrepõe estratos de “memória” – verdadeira ou surreal -impressos na leveza dos tecidos que compõem a instalação e que abrigam objetos como latinhas, pedaços de pau, linhas.

De forte impacto cenográfico, ela convida o visitante a uma reflexão sobre o percurso e realizado pelo autor e o seu desgaste até o ato final. Ao mesmo tempo, a obra é o meio de comunicação e a própria mensagem.

A escolha de Reto Pulfer para a exposição reflete o jeito suíço de realizar e viver a cultura das próprias raízes. “ Ele finge escolher materiais descartados aleatoriamente, mas tudo é muito pensado e imaginado. Achamos que o seu trabalho tem um lado muito interessante do ser suíço, daquilo que é tradicional de um filão suíço que tem a ver com uma estranha insanidade, um surrealismo alcançado através da racionalidade. Este é um filão artístico nobre e, sobretudo, literário da Suíça”, afirma à swissinfo.ch o diretor artístico e curador Salvatore Lacagnina.

A interpretação do trabalho de Reto Pulfer não é tarefa simples. A intuição e a visão cobrem um elaborado e metódico processo de criação do trabalho artístico. A instalação cifrada ao seu modo deixa ao visitante uma “chave” capaz de abrir uma infinidade de portas e janelas que levam às diferentes leituras da obra acabada, cansada, exausta, apenas para ficar no tema.

Cansaço, produção e potência
A combinação usada por Reto Pulfer encontra na costura com fechos e zíperes as ferramentas de multiplicação das possibilidades cenográficas. Os tecidos, ligados uns aos outros, podem ser abertos e fechados alterando os sistemas, abrindo e fechando caminhos e passagens secretas na superfície dos panos.

 Reto Pulfer faz da obra um concentrado de energia. Pilhas, velas, ferros envergados acumulam uma potência, sob o controle do artista, derivada da extenuação, do esgotamento dele próprio.

“ O cansaço é um estado de produção, depois da mostra, depois de fazer alguma coisa existe a exaustão. Sei que é um paradoxo porque neste ponto também existe algo de novo, de potente, a obra, mas junto com o cansaço. Eu quero dizer que a criação artística é sempre um trabalho que representa um exaurimento. Eu quis criar uma atmosfera que representasse este estado físico e mental”, afirmou Reto Pulfer à swissinfo.ch.

Ele elaborou três pequenos altares para expor os materiais e os objetos escolhidos, mas aparentemente eleitos e recolhidos ao acaso. O palco triplo de adoração da obra do artista abriga diferentes elementos, isolados entre si, mas que juntos compõem um todo.

Os elementos concretos desta singular exposição, além dos panos e couro, são: os vergalhões contorcidos sobre si próprios e apoiados sobre o chão; a vela acesa que exala uma essência de baunilha ao lado das baterias elétricas, o timo e as cascas de um limão espremido à última gota repousam numa pequena caixa ao lado de um pedestal de acrílico; e, finalmente, o caixote de madeira construído e usado pelo artista para transportar a instalação completa de Roma a Milão.


Reto Pulfer (swissinfo)Representação “diplomartística”
A co-curadora da mostra, Valentina Sansone explica que “o estado de cansaço representa a energia que foi usada para a criação da obra. A produção, que é o processo artístico, exaure as energias. O timo, o cheiro dos tecidos, as obras de Pulfer criam ambientes únicos”. Os perfumes da erva aromática, do limão e da baunilha borrifados na instalação, ajudam a recarregar as “pilhas” do espírito e, ao mesmo tempo, atraem o visitante para explorar a obra com os cinco sentidos.

A instalação é silenciosa, mas quem fez barulho foi o autor. Reto Pulfer realizou uma performance musical diante da plateia presente à mostra. De surpresa, ele entrou em cena no meio dos tecidos, como uma aparição, para descarregar e transformar a energia mental em mecânica e em ondas sonoras. Com gritos guturais, incompreensíveis e gestos corpóreos improvisados, ele aguçou a audição dos visitantes que se transformaram em atentos ouvintes.

Palavras e sons representam ecos primitivos para a construção da obra. O jogo de memória falsa ou verdadeira se entrelaça com um jogo de cena. Ele usa a arte como instrumento politico e, de propósito, usa a expressão “Vertretung” – embaixada, em português – como um ponto de interrogação sobre a exposição artística na sede de uma representação diplomática do país de origem em terra estrangeira.

Fonte: Guilherme Aquino, swissinfo.ch
Milão