Kk Bicalho é formada em Artes Plásticas pela Escola Guignard, em Belo Horizonte, e cria recortes mínimos a mão livre. Uma das menores obras é uma flor que quase se perde na ponta do lápis.
Uma gota, uma flor, banho de chuva ou roupas ao vento. Cenas simples do cotidiano que a artista plástica Camilha Bicalho retrata em recortes mínimos. Com uma tesoura de estimação e papel comum, ela cria peças bem pequenas, joga com o preto no branco e desperta a atenção pelo que é reduzido. Uma das menores obras – uma flor que quase se perde na ponta do lápis – tem três milímetros e desafia o olhar pela proporção.
Sem rascunho e traço de lápis, de repente surge uma silhueta no papel. Um vídeo acelerado mostra o processo de criação, só que o tempo de um recorte pode ser incalculável. Enquanto a tesoura é manuseada com maestria com a mão direita, a esquerda faz o papel girar e deslizar.
“O que faria com o lápis faço com a tesoura. Na verdade, o fazer, o recortar, é muito rápido, vai muito facilmente. Já as ideias não consigo nem calcular o tempo que me tomam. Quando pego o papel para recortar já foram horas de pensamento”, disse Kk Bicalho, como se apresenta.
A inspiração vem do dia a dia, de coisas simples que ganharam o olhar dela, com as quais é fácil se identificar. “São situações muito comuns, quem nunca teve o guarda-chuva virado para fora por causa do vento? Me interesso por momentos mais silenciosos, pelas mininuances da vida, as situações que a gente passa, cenas do cotidiano”, disse. Momentos que ela define como “pra cima e gostosos”, uma “solitude que não é solidão”.
Em um dos trabalhos minimalistas, ela descreve que o preto mínimo ocupa um grande branco. É o caso de um recorte de um homem agachado e uma flor de tamanho 1 x 1,2 centímetro em uma moldura toda branca de cerca de 90 x 160 cm.
"Minuance" é uma séria infinita, sem títulos, com ou sem tema, como ela define. Já que a proposta é trabalhar com o reduzido, qualquer componente a mais poderia ser desnecessário. “O título seria uma informação a mais. Eu trabalho muito com o vazio, deixo o título para quem estiver observando a obra”, explica. Ela conta que se diverte com as interpretações e descrições de quem acompanha seu trabalho.
Kk Bicalho nasceu em Belo Horizonte e diz que a habilidade para o desenho apareceu na infância – quando já esboçava silhuetas e recortes –, mas o despertar para compreender as miniaturas como forma de arte ocorreu muitos anos depois, quando estava na faculdade.
“Consciente de que estava fazendo um trabalho artístico, fiz a primeira minuance durante uma aula na graduação de Artes Plásticas na Escola Guignard, na UEMG [Universidade Estadual de Minas Gerais], em 2008”, disse. O trabalho surpreendeu por ser diferenciado. “Até hoje não me acostumei e fico muito feliz de ter saído para mim este dom”, comenta.
A artista plástica segue se aventurando pelo papel e, claro, tem grande estima pela tesoura. “Todas as tesouras que eu vejo eu quero ter. Mas tenho uma que é muito velha, que é igual a um sapato velho”, disse.
De tão pequena, será que alguma obra já foi perdida? Ela responde que sim. “Já. Recortei ao vento, fui entregar para uma pessoa e saiu voando e nunca mais vi. Minha sobrinha amassou outros e quase morri”, contou rindo.
KK Bicalho já fez algumas exposições no Brasil e tem trabalhos no acervo do Museu de Arte Moderna do Rio (MAM), no Rio de Janeiro. São várias obras com o tema vento adquiridas pelo museu. Ultimamente, no ateliê em casa, se dedica a uma criação inspirada em animais.