Londres - Em 1606, Michelangelo Merisi da Caravaggio era um dos pintores mais bem-sucedidos da Itália. Membros da alta sociedade cobiçavam suas pinturas, que também decoravam as paredes de muitas igrejas. Mas no dia 28 de maio daquele ano, em um duelo em Roma, ele matou seu adversário e depois foi condenado à morte pelo crime. Caravaggio decidiu então fugir da cidade em que havia alcançado fama e fortuna e viveria seus próximos quatro anos viajando, até a morte, passando por Nápoles, Malta e Sicília. Isso, porém, não o impediu de continuar a pintar.
Os trabalhos dessa fase, menos conhecidos do que os de sua fase ´romana´, são o destaque de uma mostra que será aberta hoje em Londres na National Gallery, um dos mais renomados museus da cidade. A exposição apresenta 16 telas a óleo do italiano distribuídas em seis salas, todas com pouca iluminação - o que combina perfeitamente com as telas de Caravaggio em seus quatro últimos anos.
Nesse período, a pressão da fuga teria influenciado as pinturas do artista - conhecido pelo seu realismo e pelo uso das sombras e da luz em suas telas -, fazendo com que elas ganhassem um tom mais introspectivo, sóbrio, com cores mais escuras. Estudiosos comparam as obras dessa fase de Caravaggio às dos últimos anos de Rembrandt ou Ticiano. A diferença é que Caravaggio, quando as produziu, tinha menos de 40 anos, enquanto os outros pintores tinham idade mais avançada. É como se ele tivesse desenvolvido um estilo “tardio” antes da hora, por causa das pressões que estava vivendo.
Dawson Carr, curador da mostra, disse que mesmo que os visitantes não tenham conhecimento de arte ou da história de Caravaggio, eles poderão entender e apreciar as obras da mostra na National Gallery. "O interessante em Caravaggio é que todas as pessoas conseguem entender suas obras, porque ele cria um sentimento tão vivo nas suas pinturas que isso faz as pessoas se sentirem como se estivessem presentes ao episódio que estão vendo", disse. "Além disso, muitas das histórias que ele mostra são bastante conhecidas, estão entre as mais conhecidas da Bíblia e da mitologia."
Carr disse que teve trabalho para trazer algumas das obras para Londres. Uma delas, A Adoração dos Pastores, veio de um museu regional em Messina, Itália, e nunca antes havia deixado o país. Outras obras vieram de museus na França e nos Estados Unidos, como é o caso de A Crucificação de Santo André, da coleção do Museu de Arte de Cleveland, no Estado americano de Ohio.
A mostra termina com a obra Davi com a Cabeça de Golias - talvez um resumo do estado de espírito do artista nos anos que antecederam sua morte. A tela, produzida entre 1606 e 1610, mostra Davi segurando a cabeça decapitada do gigante e olhando para ela com uma expressão que passa a muitos observadores um sentimento de dó ou compaixão. A cabeça de Golias, na verdade, é a cabeça do próprio Caravaggio - um auto-retrato do pintor, em feições monstruosas.
Rafael Gomez, da BBC Brasil