Michael Slackman
Do 'New York Times'
Markus Lupertz está prestes a erguer outra escultura em espaço público.
Ele é um dos mais importantes artistas contemporâneos alemães.
Se o passado é um indicador do futuro, então os representantes de Gelsenkirchen - cidade alemã às margens do rio Ruhr, que durante muito tempo viveu da mineração de carvão - devem começar a se preparar para os protestos. Haverá condenação pública e a polícia precisará de um plano para combater os atos de vandalismo. Por que tudo isso?
A resposta é que Markus Lupertz está prestes a erguer outra escultura em espaço público. No passado, sua obra foi incompreendida, para ser gentil. Uma escultura foi manchada com tinta e coberta de penas, outra foi danificada com um martelo e uma terceira foi totalmente removida, depois que os manifestantes exigiram sua retirada.
Markus Luepertz, um dos artistas alemães mais influentes da arte contemporânea, posa ao lado de sua nova escultura, em Duesseldorf (Foto: Gordon Welters/The New York Times)
"Não importa", diz Lupertz, um dos mais importantes e influentes artistas contemporâneos alemães, que abraça o clichê autodeclarado de gênio incompreendido no seu tempo. "Na opinião geral, minha arte é rejeitada. Eu atribuo isso à falta de inteligência das pessoas."
Antes de mergulhar mais profundamente nas visões secas e diretas de Lupertz, vamos saber o que os moradores de Gelsenkirchen vão encontrar no próximo inverno. No meio de uma paisagem antes dominada por chaminés e minas de carvão será montada uma estátua de Hércules de 18 metros, no topo de uma torre de 84 metros. Para ser mais exato, será a interpretação abstrata de Hércules feita por Lupertz. Neste caso, o forte Hércules terá apenas um braço, uma cabeça grande, nariz redondo, tronco exagerado e pernas raquíticas, que parecem incapazes de segurar o corpo.
Como sempre, Lupertz desafia as convenções; ou, como preferem dizer seus admiradores, confunde as expectativas.
"Esta é a razão pela qual as pessoas o amam e odeiam", diz um grande admirador, Klaus Albrecht Schroeder, diretor do Museu Albertina de Viena. "Quando você decide criar uma escultura que retrata Dafne, por exemplo, que foi a mais bela de seu tempo, tão bonita que mesmo Apolo se apaixonou por ela, você espera a beleza. Ao retratar Mozart, que morreu jovem, você espera um herói da juventude, da beleza. O que Lupertz oferece é a feiura da beleza. "
Irritando não só as massas
Mas seus trabalhos irritam não apenas as massas.
Em 2005, a cidade de Salzburgo, na Áustria, terra natal de Mozart, exibiu uma escultura do filho pródigo feita por Lupertz. O trabalho mostrou um nu distorcido que irritou um dos pintores mais famosos da Alemanha, Gerhard Richter. Durante entrevista para um jornal, Richter convocou a população de Salzburgo para tomar uma atitude em relação ao que ele considera uma "depravação" da arte pública.
Dois cidadãos idosos resolveram abraçar a causa e jogaram tinta e penas na obra, causando um prejuízo de milhares de dólares.
"A arte no domínio público é sempre um conflito e gera resistência", disse o artista na época. "Mas eu não esperava tais atitudes agressivas."
Talvez ele deveria ter previsto.
O artista trabalha no torso de sua nova escultura, uma abstrata interpretação de Hércules com 18 metros que será erguida na cidade de Gelsenkirchen (Foto: Gordon Welters/The New York Times)
Em 2002, os moradores da cidade de Augsburgo consideraram uma estátua de Afrodite esculpida por Lupertz tão feia, que resolveram protestar. A Câmara de Vereadores votou a favor da remoção da obra. Lupertz decidiu mandá-la para Berlim.
"Ele não se preocupa com nada", diz Julia Raab, da Galeria Raab em Berlim. "Ele tem o desejo de fazer as coisas. Se uma obra for aceita pelas massas, significa que ela é medíocre. Um bom artista está à frente de seu tempo."
Lupertz, 69, é alto e seus olhos são de um azul penetrante. Em seu braço esquerdo, tem tatuada uma cobra enrolada com uma caveira que vai até o antebraço. Ele ainda dirige rápido, cultiva a imagem de dândi e luta boxe; toca piano e balança sua bengala favorita, decorada com uma caveira. Ele cria pinturas, poemas, esculturas - centenas de trabalhos por ano. E ainda é capaz de reinventar seu trabalho e sua vida.
"Você precisa fazer sucesso", diz ele, fazendo uma distinção entre o sucesso e a popularidade. "Sem sucesso, não é possível continuar produzindo".
Lupertz tem respostas rápidas para muitas perguntas. Ele afirma que a cultura tem se achatado porque os europeus perderam seus valores, virando as costas para a religião e para a família e dependendo do Estado desde o berço até o túmulo. Ele diz também que se a chanceler Angela Merkel quiser salvar a cultura alemã, ela deve impedir que o governo subsidie as instituições culturais, para que esse dinheiro seja investido na educação.
Lupertz acredita que o contentamento sufoca a criatividade. Ao mesmo tempo, ele é um elitista, que endossa um contrato bem ajustado, e um aspirante a anarquista ou revolucionário, como ele mesmo define.
"O caos é a base do indivíduo", diz ele, embora sempre tenha exigido obediência de seus alunos de arte durante os 22 anos que presidiu a Academia de Artes de Dusseldorf.
"Eu só trabalho com os alunos que me admiram e pensam que eu sou grande", declarou o artista no catálogo de sua obra, impresso em 1994. "Se eu não for aquele que tira o fôlego, não tenho vontade de trabalhar com eles, pois seria um desperdício de tempo. Não se trata do individualismo deles, e sim do meu individualismo. Não se trata do gênio deles, e sim do meu gênio".
Falta de humildade
O que muita gente não gosta em Lupertz é sua falta de humildade.
"Sua mania de dândi é uma espécie de cortina de ferro entre ele e as pessoas comuns, ele e o mundo; é uma cortina que ele usa para se proteger dentro de seu próprio mundo artístico", explica Schroeder.
Lupertz nasceu em 1941 em Liberec, região que hoje pertence à República Tcheca. Quando tinha 7 anos de idade, sua família fugiu para a Alemanha Ocidental. Ele estudou na escola de artes, trabalhou em uma mina, voltou para a escola de artes, trabalhou na construção de estradas, fugiu para Paris e ingressou na Legião Estrangeira Francesa.
Em 1962, mudou-se para Berlim, onde seu trabalho atraiu a atenção do público, através da combinação dos opostos de abstração e concretude. Naturalmente, houve controvérsia. Em 1970, ele começou a pintar imagens de um passado que não causa orgulho à Alemanha, com capacetes militares e outros símbolos tabu duramente criticados como propaganda fascista - até que a cultura abarcou sua ideia e seu trabalho passou a ser considerado genial.
"Não é possível entender o artista no seu tempo, você só pode amá-lo ou odiá-lo", disse Lupertz, enquanto cumprimentava um visitante que chegava ao estúdio de esculturas, um depósito em Teltow, comunidade da antiga Alemanha Oriental próxima a Berlim. Na caixa de correio está escrito: "Senador, Pintor, Professor."
Suas roupas parecem estar sujas de propósito: moletom cinza de mangas cortadas e calça toda manchada de tinta. Argola de ouro no lóbulo esquerdo, corrente de ouro em volta do pescoço, cabelo grisalho cortado rente à cabeça. Talvez por causa da idade, ele parece um pouco duro ao andar pelo estúdio frio e mostrar o modelo utilizado para a cabeça de Hércules. A escultura vai do teto ao chão e tem a largura de um tanque.
"Hércules é um solucionador de problemas", explica Lupertz. "Ele tem coisas impossíveis de resolver, mas encontra as soluções." Ele define Hércules como o símbolo ideal para a região, a qual sofre com o desemprego e que tenta se reinventar no perfil de centro cultural. Porém, segundo ele, isso é apenas uma coincidência. Ele não faz simbolismo.
A estátua, como suas outras obras, é uma expressão pessoal. Ele deixa a interpretação para os outros e tem certeza de que seu Hércules de um braço só ainda vai inspirar muitas críticas. Mas desta vez é exatamente isso que seus patronos desejam: promover a discussão e a polêmica.
"Ele frustra as expectativas, e isso é a melhor coisa que posso dizer sobre ele", conta Schroeder, do Museu Albertina, sem querer ser irônico.
Tradução: Claudia Lindenmeyer