O PORTAL ARTES entrevista do Professor Dr. Jorge Anthonio e Silva, mestre e Doutor em Estética, Crítico e Curador. Professor de Arte Educação na UNISO - Universidade de Sorocaba.
Publicou os livros:
ARTE E LOUCURA - Arthur Bispo do Rosário (FAPESP/QUAISQUER)
Ivonaldo Naive Painters Brasil (Empresa das Artes) e
O Fragmento e a Síntese (Editora Perspectiva).
PORTAL ARTES ENTREVISTA JORGE ANTHONIO E SILVA
Por: Margaréte Teixeira - Pesquisadora Cultural
PA: - Sobre a História da Arte, qual é o assunto que mais lhe interessa seja como crítico ou professor?
Prof. Jorge: - Gosto de arte Egípcia. Gosto muito da arte grega, da alta e baixa idade média, Renascimento e do Barroco. Eu não gosto muito da arte monumental, por exemplo, no século XVII na França, aquelas grandes obras de reis montados em cavalos, essa retratística palaciana da nobreza, não é que eu não reconheça seu valor, mas eu não tenho muito interesse por isso, a arte monumental, os grandes imperadores, o que não quer dizer que eu não adore Velàsquez, que foi um artista de palácio, enfim, magnífico, com suas obras “Las Meninas”. De modo geral, se eu tivesse que fazer uma tese, escrever algum artigo, alguma coisa sobre isso, preferiria escrever sobre a arte contemporânea, pois acho mais instigante.
PA: - Muito se fala do quadro de Velàsquez “As Meninas”, por ser uma quebra de época, do romper de padrões imperiais?
Prof. Jorge: - Existem algumas grandes obras que a humanidade produziu, o Guernica de Picasso, a Ronda Noturna de Rembrandt, a Boda do casal Arnold Fine do Wan Nick, a Vitória de Samotrácia, Lou Col Undht da Ilha de Rodes, Aviso dos Rochedos, do Caravaggio e o Las Meninas.
O Las Meninas é um quadro que antecipa a arte cinética. Arte na qual o espectador participa do quadro, porque é um trabalho que tem um espelho no fundo, em que são vistas duas pessoas que estariam sendo retratadas pelo Velàsquez numa tela que está escondida; a gente não sabe quem são essas pessoas, mas ao mesmo tempo esse espelho é colocado por ele na cena como se estivesse pintado o próprio espectador. O próprio Foucault estudou esse quadro, ele estudou profundamente naquela obra “As palavras e as coisas”; então ele antecipa à arte cinética, a arte contemporânea, a arte tátil, ao mesmo tempo em que ele tem qualidades impressionistas de criar escuros muito definidos. Ela é uma obra que tem um aspecto crítico com relação à nobreza, os imperadores da Espanha, enfim, é uma obra, tecnicamente muito difícil, porque só tem apenas um ponto de entrada de luz, na qual na contra luz tem uma pessoa saindo da escadaria, ela é datada, porque tem aqueles quadros de pintores da época na parede, ela tem aqueles imperadores que viveram em Santa Margarite, enfim, mas ao mesmo tempo ela não é datada, ela é uma obra aberta, há interpretações e ninguém chegou uma conclusão absoluta de dizer: Olha esta obra é isso. Então ela antecipa a arte contemporânea, antecipa a arte conceitual, ela antecipa tudo.
PA: - Na época que ele fez a obra, não se costumava colocar em primeiro plano o próprio artista, mas sim o modelo?
Prof. Jorge: - Sim, essa é uma outra análise também possível, porque o artista dentro da obra está fazendo uma meta linguagem, porque é a arte dentro da arte, também já é uma coisa muito contemporânea, isso, o cinema falando do cinema, a poesia falando da poesia, é muito contemporâneo, é uma obra que antecipa, e ao mesmo tempo coloca em discussão o papel do artista. Quem sou eu diante de toda essa realidade, ou diante de toda essa ilusão que eu crio? É como se fosse o Demiurgo Platônico, eu estou organizando o mundo das interpretações, das idéias, da racionalidade, da abstração. É uma obra importantíssima, sempre que posso vou à Espanha namorar um pouquinho no Museo del Prado, Las Meninas.
PA: - Como o Senhor define arte contemporânea?
Prof. Jorge: - A arte contemporânea no ocidente. Porque o mundo está dividido entre ocidente e oriente, indiscutivelmente, então, tudo que eu disser nunca vou estar me referindo ao Japão ou a China, estarei falando do Egito para cá, na Grécia, ou seja, na arte ocidental.
A arte ocidental surge fundamentada numa cópia da natureza, que é o processo que os gregos chamavam de mimeses, que significa imitação. A natureza é a grande dádiva do ser humano, é dela que nós tiramos toda a nossa felicidade.
Os filósofos estudavam os filósofos gregos, a natureza como modelo para a existência humana, pra construção da Polis, da cidade, porque a natureza é sóbria, e ao mesmo serena, perfeita, tem simetria, tem repetição constante, ela é segura, meiga e gentil. As flores estão aí, desinteressadamente para fascinar; os pássaros, as abelhas, os nossos olhos, enfim, então o processo de mimeses, que é o processo de cópia da natureza, fundamentou a arte até o último quartel do século XIX, 1870, quando surge a fotografia, com uma técnica que se vulgariza que se torna comum. E a fotografia procede a mimeses, ou seja, ela copia a natureza muito mais rapidamente com muito mais eficácia do que o olho humano. Então quando a fotografia se impõe como uma técnica ao homem comum, o artista se vê diante de um dilema; bem, o que eu posso fazer agora se o meu grande trabalho, o meu grande paradigma era copiar a natureza, fazer retratos, copiar a natureza humana? O homem tinha esse modelo, dentro de determinados estilos das épocas. Naturalmente a arte vai sendo encaminhada para a abstração, ou seja, da representação da natureza ela caminha para a interpretação da natureza, impressionismo, expressionismo, enfim, e o que acontece até chegar aos dias de hoje. Depois da segunda guerra mundial, sobretudo, numa abstração absoluta, da mais absoluta abstração, acontece à Bienal. Mesmo a Bienal de Veneza, a Bienal de Cuba que eu conheço também, são obras absolutamente abstratas, por quê? Toda a cópia da natureza parece que já foi feita; isso não quer dizer que o artista não possa ser figurativo, mas a arte contemporânea por esse procedimento histórico e por essa imersão nas novas tecnologias ela se tornou uma arte abstrata. A arte contemporânea, a busca pelo novo, chegou a essa abstração e se distanciou dos interesses do homem comum, então, a gente via numa bienal, por exemplo, nós nos sentimos uns verdadeiros imbecis, diante de algumas obras que a gente vê, porque elas são incompreensíveis. Compreensível é a natureza. É a Minerva, na antiga Roma, mãe da sabedoria e das artes.
PA: - Por que elas são incompreensíveis?
Prof. Jorge: - Elas são muito difíceis de compreender, é um exercício, é uma indagação apenas do artista. A interpretação dessas obras depende do grau de intelecção ou compreensão que o telespectador tem e sua interação com o artista. Uma pessoa comum, sem uma grande formação, sem esse nível de intelectualização, se sente pequena diante de tudo aquilo que é incompreensível. Nós só amamos aquilo que nós compreendemos e a arte se tornou muito intelectualizada.
PA: - Não seria uma contradição, pois você disse que a arte se tornou muito elitista?
Prof. Jorge: - Elitista ela se tornou por uma questão de mercado. Há algum tempo eu estava vendo o Mapplethorpe (fotógrafo mais polêmico e virou ícone gay no mundo da Pop Art. Suas fotografias foram tiradas em sua maioria numa câmera Polaroid instantânea e com poucos recursos) ele expos aqui, na Galeria Vilaça. Uma fotografia dele custam de US$ 9 a 55 mil.
PA: - E como a gente poderia entender a arte mais seletiva e ao mesmo tempo essa tentativa de trazer a arte para o público em geral?
Prof. Jorge: - É da natureza humana o amor pela arte, qualquer que seja ela. Nós nos civilizamos juntamente com o aprimoramento das formas. Eu sempre digo, em minhas palestras, se a gente eliminar da vida humana todo tipo de arte, nós voltamos a ser seres primais. Porque a civilização se deu na medida exata em que a arte foi andando e foi se tornando filosofia da arte, crítica da arte, a arte como pensamento e tudo mais. A arte reflete o nosso tempo, esse tempo totalmente fragmentado de hoje, ele está nos objetos, nessa fragmentação toda que vemos nas bienais, por exemplo.
A Arte contemporânea, pelo fato de ser muito difícil de compreender e por estar muito distante de uma interpretação corriqueira, ou de uma identificação da gente com ela, não quer dizer que seja menos interessante, e não quer dizer que a gente não ame a arte de qualquer maneira, porque o ser humano, como eu falei, tem a arte como a extensão do seu ser.
O fato de a arte ser incompreensível não tira do senso comum a amorosidade por ela e quanto mais os governos democráticos entendem isso, mais e mais eles educam através da arte.
PA: - O público leigo faz uma confusão entre arte moderna e arte contemporânea?
Prof. Jorge: - Não precisa ser o público leigo, todos nós fazemos. Porque veja bem, essa questão de nomenclatura ela é apenas histórica; para arte, e para o artista ela não faz a menor diferença, então, a arte contemporânea e a arte moderna, o que é que nós entendemos por contemporâneo, o que está com tempo, no mesmo tempo, quer dizer, o que nós estamos vendo hoje, contemporaneamente, na mesma sintonia temporal. E a arte moderna é aquela arte que a meu modestíssimo entender, é aquela arte que surge, quando surge o pensamento moderno. O pensamento moderno no ocidente surge, para os franceses com Renèe Descartes no século XVIII, para os alemães com Emmanuel Kant no século XVIII, quer dizer, com Kant ou com Descartes, a era, o pensamento filosófico moderno, começa no século XVIII, então, agora, não dá pra dizer que a arte do século XVIII, 1700, ou a do século XIX, 1900, é arte moderna, mas, o pensamento já é considerado pensamento moderno, em oposição ao pensamento clássico, a filosofia clássica, filosofia medieval. Filosofia moderna, e filosofia contemporânea são a mesma coisa; agora, se a gente quer datar as coisas, eu diria que moderno é tudo aquilo que vem com as vanguardas, expressionismo, impressionismo, fauvismo, dadaísmo, daí começa efetivamente a modernização da arte no ocidente. Ela sai da narratividade da cópia da natureza das mimeses e se encaminha pra abstração.
PA: - Isso seria em que época?
Prof. Jorge: - Século XIX, 1860 até 1960, acontece o movimento modernista. Eu diria que a arte moderna é deste período e a arte contemporânea é a arte dos últimos 45 anos.
PA: - Qual é a sua visão sobre a produção cultural elaborada para as bienais, principalmente, as instalações que se não forem lidas as bulas não temos uma compreensão?
Prof. Jorge: - Eu acho que isso também é muito pessoal. Há pessoas que discordam de mim, com todo direito, e eu suponho até que elas tenham uma fundamentação teórica para dizer isso. Não vou dizer de forma fundamental, mas é o que eu acredito. Eu tenho uma enorme dificuldade com essa questão das instalações. Eu não sou preconceituoso, não sou aquelas pessoas que ficam cuidando, ah, porque eu gosto da arte do Otochento, Setetenko, gosto muito, eu amo a arte contemporânea.
Quando eu encontro uma instalação que efetivamente se coloca para mim como um desafio a minha inteligência eu tiro o chapéu e ajoelho diante daquela obra, agora, o problema é que na arte contemporânea com essa liberdade expressiva que o artista tem, há muita bobagem, porque há mesmo. As pessoas se põem a fazer obras de arte, a fazer objetos para contemplação, objetos de arte efetivamente sem ter uma pequena idéia na cabeça e uma quantidade de dúvidas na alma, e nenhuma certeza a respeito do próprio direcionamento da filosofia da arte, do pensamento sobre a arte. É muito difícil fazer arte muito boa hoje em dia, porque no passado nós tínhamos paradigmas, nós tínhamos paradigmas formais, então a arte do renascimento é uma arte que é modelar, o que ela faz, ela vai buscar o modelo de expressão no século V, antes de Cristo na Grécia, e injeta nessa forma a religiosidade, sobre tudo aqui no ocidente ou quebra com essa religiosidade depois na reforma e sobre o barroso, enfim, mas existia, o cidadão comum ele tinha condições de saber o que era um objeto de arte, ele tinha, a vivência dele dentro daquele campo de formas que existiam, fosse nas academias ou não, dava para você saber qual é a qualidade de representação do artista, qual é a qualidade do desenho; a obra hoje, onde está o desenho?
PA: - Isso não seria exatamente o reflexo do que o homem está vivenciando hoje, com todo esse processo, a globalização toda essa confusão do homem não saber mais onde ele está no próprio universo?
Prof. Jorge: - Seguramente. A arte é um reflexo das verdades de cada tempo. Ela antecipa verdades, antecipa possibilidades futuras, revê o passado, porque a arte não é ciência que se supera. Você tem uma lei física, uma lei química, médica, enfim, como uma nova descoberta. A arte não, a arte ela é atemporal, e o que é que acontece? O mundo contemporâneo é um mundo muito difícil, muito! Nós vivemos num período em que, está muito difícil estabelecer parâmetros de conduta, valores éticos, parâmetros de julgamento, o parâmetro universal de conduta.
Conquistamos uma liberdade absoluta, cada sujeito tem a independência para se auto-definir da maneira como acha que deve. Eu não sou contra isso, absolutamente! Eu só estou dizendo e não estou julgando, apenas constatando. O que é que acontece? O sujeito, o artista está imerso em toda sua realidade, é um sujeito, é uma pessoa como qualquer outra, ele não é tocado pelas musas como se acreditava no romantismo, ele reflete o seu mundo. Não é que o artista seja bom ou mal, ele está refletindo sobre aquilo que ele está vivendo, está antecipando, ele faz grandes críticas. São grandes artistas que produzem essas instalações, Lerner, tem coisas magníficas. O próprio Siron Franco tem uma obra maravilhosa. Essa semana vi uma obra dele na porta do congresso, é o artista ao lado das indignações do povo, enfim, isso é maravilhoso! Isso é muito positivo, é muito bom, não fica dentro da academia pintando, esperando, ele é um ser vivo, o artista; como o grande ator é um ser vivo que está vivendo a sua realidade. Agora, isso abre campo para pessoas que apenas por vaidade fazem verdadeiras aberrações, então, eu vou à bienal eu vejo isso, mas há também coisas maravilhosas, eu ja vi coisas magníficas na bienal.
PA: - O que o Senhor viu de maravilhoso e o que viu de aberrações?
Prof. Jorge: - Eu vi uma peça magnífica que era uma construção de taipas de madeira que ficava dentro da bienal e sai desesperadamente buscando a natureza lá fora, eu fiquei encantado com essa obra! Porque ela é de uma simplicidade, de uma pobreza. O que é que é isso? É a ponte entre o mundo artificial e o mundo da natureza. É justamente isso que nós acabamos de dizer, essa obra que estava logo na entrada do térreo, eu fiquei encantado com essa obra, é de uma simplicidade, de uma humildade, desesperadamente buscando as árvores lá fora; o que é que é isso? Onde está a natureza na arte? Essa é uma indagação para o resto da vida, essa é uma grande obra.
Vi uma grande bobagem, que era da China, acho que era uma maquete de casinhas feitas ali, coisas incompreensíveis, assim, uma maquete. Eu achei aquilo como artesanato muito bonito, mas talvez por ser feito por orientais, uma coisa muito distante, talvez por ignorância eu não tenha entendido; eu não posso amar o que eu não entendo. Agora, esse risco o artista tem que correr. O artista tem que correr esse risco porque ele não é um Deus, ele faz as coisas dele, é como assim, eu escrevo livros, coloco esses livros para serem criticados, tem gente que fala muito mal deles; eu tenho que correr esse risco, tem que dar essa liberdade às pessoas.
PA: - Como você vê esses artistas hoje participando da Bienal, como que é esse processo para estar em uma Bienal – a Bienal de São Paulo?
Prof. Jorge: - A Bienal de São Paulo, ela é uma das coisas mais móveis em termos de ideal que eu conheço. Ela constantemente muda. O que é interessante também, mas, ela depende muito de recursos, depende das empresas patrocinarem, depende de tanta coisa, que ela se compõe a cada ano que ela é realizada e ultimamente as bienais tem sido assim uma caixa de surpresa, pois se tem que esperar para ver qual será o perfil que a Bienal deseja, então, por exemplo, tem coisas que mudam que interferem na visita ou não na Bienal.
Antigamente tinha um setor histórico na Bienal importantíssimo, podia-se ver a série Tauromaquia do Goya, ver os Desejos do Goya, a gente via obras do Edvard Munch, tinha uma parte que era histórica, e era a parte contemporânea da Bienal. Era necessário se cobrar o ingresso. A partir de agora, eles tiraram a parte histórica que era muito caro e deixaram a Bienal gratuita. Isso muda completamente a maneira de se ver a Bienal, muda completamente os objetos que são expostos pra visitação, muda tudo.
PA: - Por que razão?
Prof. Jorge: - Muda porque se você não cobra, você vai ter um público infinitamente maior, o que eu acho que não deveria cobrar nunca, mas o fato de você não ter a parte histórica, nós ficamos a mercê da arte apenas contemporânea.
PA: - Mas então, não seria uma perda para arte?
Prof. Jorge: - Não sei se é uma perda. Eu gostava muito da Bienal quando tinha essa parte história, eu acho que era a possibilidade de ver Picasso, de ver Munch, de ver mesmo Goya, Endy Warrol, agora não tem mais, então, ficou assim. Essa última Bienal, só dá para falar da última Bienal, não dá pra falar da Bienal como uma instituição única, e muda daqui a não sei quanto tempo, muda a curadoria, muda tudo, muda a Bienal, não sei, acho que falta um pouco de permanência.
PA: - E como o Senhor vê isso, é uma característica da Bienal de São Paulo, ou isso se reflete também em outras Bienais?
Prof. Jorge: - As outras Bienais, a Documenta, a Bienal de Havana, a Bienal de Veneza, também são mutáveis, mutantes; lógico, a arte não é nada estática, engessada, nem nada, mas talvez por eles terem uma possibilidade de recursos mais precisa, mais segura, eles não precisam fazer tantas adaptações como a gente faz aqui. Nós estamos constantemente fazendo adaptações. Veja o caso da Brasil Connects, que administrava a OCA, que é que acontece? Estamos órfãos em matéria de grandes eventos porque houve uma falcatrua do Edemar Cid Ferreira, que era o dono das artes no Brasil, então tudo isso interfere. As próximas Bienais serão imprevisíveis.
PA: Como você define arte conceitual?
Prof. Jorge: Arte conceitual é uma idéia gerada nas indagações, nas pes quisas do artista e obrigatoriamente não precisa ser bonita, é uma obra que busca ser sublime, que é diferente, porque o belo é uma coisa que nos causa comoção, que nos suscita amor, nos causa admiração e respeito. Quando eu vi na inauguração do Centro Cultural Banco do Brasil aqui em SP uma obra do Tunga, que era uma segunda antropofagia que ele fez. Que era uma coisa assim enorme, as pessoas se auto devorando, então ele estava pegando uma idéia anterior da Semana de 22 atualizando essa idéia e não era nada bonito, não era uma coisa para emocionar os olhos, mas era uma coisa para causar respeito à inteligência, então, a grande obra conceitual ela é feita de conceitos, aquele objeto não precisa ter permanência. O artista produz aquele objeto ele é admirado, como o Cristo no Central Park, feito por Wladimir Jamachef, Cristo, que fez três mil portões cor de abóbora, é uma obra pra ser vista, sentida, fotografada, reproduzida em livros, filmada, feita em vídeos, tornada em discursos acadêmicos, discursos críticos, discursos filosóficos, acabou. Ninguém vai levar para casa, ninguém vai pendurar no portão, ninguém vai por na parede nem nada, quer dizer, é a arte dessa fragmentação que a gente falou, é um conceito que ele trás para o Central Park.
PA: - É uma obra para se eternizar?
Prof. Jorge: Ela se eterniza não por ela obrigatoriamente, ela pode se eternizar através de um outro código, da fotografia, do vídeo, do cinema, da escrita, da palavra. Claro, como que ele vai guardar três mil, cinco mil, não sei quantos km de portões? Uma outra obra que ele fez no Japão, eram três mil oitocentos e oitenta e seis guarda-sóis, de 3m de diâmetro, por 5 m de altura, onde estão estes guarda-sóis?, São mostrados, são vistos, eles permanecem enquanto discurso a ser analisado. Ele empacotou ilhas nos Estados Unidos, empacotou Aponef em Paris, Aponef está lá. Essa obra do Cristo se sustenta em outro código expressivo que é a fotografia, um livro, enfim, agora ela é eterna, é claro.
PA: - Como o Senhor vê o caminho da arte, o futuro da arte?
Prof. Jorge: - Eu vejo o destino da arte da mesma maneira como eu vejo o destino da humanidade, porque se ela é um apêndice do ser humano, se ela é uma extensão do ser humano, ela vai ter o mesmo destino que o homem tem, ou seja, ela continuará sendo monumental, ela já foi monumental com os moralistas mexicanos, Orozco, Rivera, Siqueiros, Di Cavalcanti, aqui no Brasil que fez obras muralistas, Di Cavalcanti, Lasar Segall, enfim, vários outros, obras em edifícios, obras públicas, enfim, isso sempre existiu, as esculturas de Fídias, eram monumentais também, as estátuas que eram na entrada do Parthenon, as obras das igrejas, são obras públicas. Não é o espaço que determina a permanência, o futuro ou a presentidade, a presente da obra de arte, a arte regenera sentimentos, ela continuará regenerando sentimentos, continuará sendo grandiosa, continuará sendo pobre, continuará sendo crítica, continuará sendo inútil, continuará sendo educadora, ela será sempre uma extensão do ser humano. Garantir o futuro para arte agora, seria leviano, eu não conseguiria; agora que ela permanecerá até o final dos tempos eu tenho certeza.
PA: - Falando um pouco sobre arte digital, como o Senhor enxerga essa forma de expressão?
Prof. Jorge: - Eu vejo muito positivamente. Eu acho que todas as tecnologias podem e devem estar disponíveis para a expressão humana, é um campo bastante complexo esse de análise porque eu já vi coisas de arte digital que dependem de uma capacidade de domínio do computador, então a pessoa faz uma série de inserções de imagens, enfim, o que interessa na verdade é o resultado, se o resultado é bom não interessa a maneira como ele foi feito, pode ser digital, pode ser com pincel, pode ser com acrílico, pode ser com tecido, com barro. Não é isso que determina, sobre tudo agora, na era da valorização da idéia do artista, o que vale não é a técnica apenas que determina, arte sem técnica não existe, a técnica é importantíssima, mas a criatividade, essa nenhum computador tem, ela vai depender sempre do sujeito, se ele é um artista criativo, inventivo, tem engenhosidade com a máquina consegue fazer ícones inteligentes o que interessa é o resultado.
PA: - Tudo é arte?
Prof. Jorge: - Não, de jeito nenhum, embora seja muito difícil estabelecer limites, nem tudo é arte, existe a ciência, existe a filosofia, existe o artesanato, existe a enganação, existe a falcatrua, existe o mercado de arte que adultera completamente valores. Faz-se uma campanha publicitária, e colocam-se obras de uma pessoa em vários leilões e o próprio proprietário vai dar altíssimos lances combinado com o leiloeiro, então uma vez que a arte se tornou um grande mercado que movimenta milhões, bilhões e trilhões de dólares ela está sujeita também a essas leis do mercado, e nós vivemos num capitalismo selvagem, então é preciso muito cuidado, muita cautela para se separar a boa arte, o que é boa arte, o que é arte o que é artesanato, agora, eu não tenho uma fórmula para isso, ninguém tem, é só o conhecimento, o tempo a vivência, e muito, muito estudo, sem isso, não dá; aliás, em todos os campos, na política, na religião, há tanta informação no mundo, essa informação se reflete na arte também, se reflete no artista, se reflete a quem vai valorar o objeto de artes, se ele é verdadeiro. O que mais vale em tudo isso é se o artista é verdadeiro.
PA: - Essa arte digital hoje, o Senhor a considera como arte, o mercado a considera como arte?
Prof. Jorge: - Eu confesso que eu tenho muita dificuldade com isso, agora, há pessoas que não consideram ainda a fotografia uma forma de arte, como há pessoas que não consideram ainda a psicanálise como uma ciência, então o campo é muito vasto de indagações, agora, a arte digital veja bem, a internet, ou a virtualidade ela é uma coisa tão maravilhosa, e tão disponível e tão arrojada em termos tecnológicos e tão livre que fica muito difícil conseguirmos fazer essa valoração, mas, tem grandes artistas, por exemplo, eu vi há pouco tempo uma exposição na FAAP, uma exposição de uma pessoa que trabalhava só com luz, deslumbrante os objetos, as esculturas com luz que ele fazia, deslumbrante! Por que?, Porque ele é bom, porque ele conhece o metiê dele, porque ele domina todas as formas, as raias da luz, ele sabe criar objetos, e ele cria verdadeiras maravilhas com isso. A arte digital fica mais difícil, porque como ela é muito disponível precisa ser um artista extremamente criativo, extremamente cauteloso, cuidadoso que produza algo infinitamente magnífico, crítico, reflexivo para que seja considerado efetivamente um objeto de arte, ou um objeto, uma construção conceitual.
Na Bienal mesmo tinha muita bobagem, agora a Bienal virou um mini cinema, um max vídeo, tudo é arte digital, muita bobagem também.
PA: - Seria essa uma tendência da arte?
Prof. Jorge: - O fato das pessoas terem esse instrumental disponível não quer dizer que as pessoas não pintem com pincel e telas de linho, absolutamente!. O Siron Franco continua pintando, os gravadores continuam gravando, Valdir Rocha continua fazendo esculturas magníficas. Eu montei uma exposição de ex-votos agora que é arte popular religiosa, tudo isso continua tendo seu valor, o fato de ter uma nova tecnologia não quer dizer que essa tecnologia substitua o passado. A televisão não substituiu o cinema, o rádio não substituiu o teatro, o piano não substituiu o cravo, não, cada código continua se sustentando; claro que a gente vai ver uma emergência maior das novas tecnologias, mas não quer dizer que elas extingam com a aquarela, as gravuras, as esculturas, a arte cinética.
PA: - Como você vê hoje a educação na arte?
Prof. Jorge: - Eu trabalho com arte educação, trabalho com filosofia da arte, história da arte. História da arte eu trabalho com um curso que trabalha com a historicidade, a história como é que foi até chegar hoje. Eu sempre busco não apenas fazer como grande parte das pessoas prefere, até gosto disso também, mas, não é a maneira como eu trabalho, de apenas pegar as escolas e dizer assim: olha essa é a escola tal, esse tipo de quadro você identifica. Eu sempre coloco o pensamento em sintonia com a expressão artística, então quando eu falo do Renascimento eu vou falar do surgimento da cisão do cristianismo com Lutero, eu vou falar da retomada da forma clássica grega, por que houve essa recuperação da geometria analítica no Renascimento, por que houve um desenvolvimento grande da perspectiva, enfim, eu procuro sempre analisar a arte a partir do pensamento de cada época, da literatura de cada época das idiossincrasias de cada época, isso em história da arte.
Em filosofia da arte eu trabalho com a estética, que é a ciência do belo, então a estética eu estudo desde Platão, e ensino, pelo menos tento discutir isso com os alunos, desde o ideas maior de Platão, passando pela poética em Aristóteles, depois a arte em Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Renascimento, Barroso, a estética enquanto uma forma de conhecimento do mundo, pela arte.
Arte educação eu trabalho como é que é possível tornar o sujeito ético a partir da arte, a partir da estética, então são esses três movimentos, eu trabalho com esses três movimentos. Ultimamente eu tenho me dedicado mais a questão da arte educação. Eu trabalho com a arte para esquizofrênicos, arte dos esquizofrênicos, também, arte dissociada, ou arte bruta punitiva, enfim, com isso, a arte como possibilidade de reinserção do sujeito na sociedade, da criança na sociedade, porque a arte aprimora o caráter.
PA: - Você falou de trabalhar a arte junto a esquizofrenia, e isso me lembra que nós conversamos sobre sua exposição do Artur Bispo do Rosário, que eu tive o prazer de ver no Centro Cultural Banco do Brasil, e queria que você falasse um pouquinho sobre isso. A arte e a loucura ela sempre se expressa, então, gostaria que você falasse um pouco sobre isso, a arte educação, junto à esquizofrenia, a arte de Artur Bispo do Rosário.
Prof. Jorge: - O tema Artur Bispo do Rosário daria assim um dia de conversa. Nós estamos fazendo o roteiro de um longa metragem que vai se chamar “Ordenação e Vertigem”.
O Bispo é uma genialidade na arte ocidental eu diria, porque dele ter vivido essa interdição pela exclusão social, ele conseguiu criar uma teia de significações que é uma verdadeira arte instrumental, uma arte conceitual, eu diria assim, é a possibilidade da leitura de um inconsciente revelado na arte. O que a Dra. Nizida Silveira, que era uma brasileira importantíssima na história da arte na história da loucura do Brasil, ela criou aqui no Brasil, os atelier de arte no Hospital Pedro II no Rio de Janeiro, na Casa das Palmeiras no Rio de Janeiro, e ela trabalhou a possibilidade de reintegração de uma totalidade na pessoa que era dissociada através da expressão artística, e ela teve resultados concretos com relação a isso, inclusive ela teve artistas que foram revelados, grandes expressões artísticas reveladas a partir dos atelier da Dra. Nizida Silveira, então é nessa perspectiva da Dra. Nizida Silveira, o mundo das imagens que ela trabalhou que eu entendo e sigo esses ensinamentos dela, essas experiências todas, e é nessa perspectiva que eu vejo a arte como possibilidade de recuperação de uma totalidade na loucura que tem o eu fragmentado dividido como um espelho estilhaçado, uma imagem vista no espelho estilhaçado, então a arte ela recupera essa totalidade no sujeito, e o Bispo é uma expressão planetária já neste sentido, já foi considerado aqui várias vezes, na Europa, Brasil 500 Anos, enfim, um artista, embora nunca tenha querido ser um artista, nunca tenha se dito um artista ele é a prova de que na arte contemporânea o que vale é a possibilidade de leituras que a obra dá que faz dela uma grande obra, e o Bispo tem essa possibilidade.
PA: - Michel Foucault nos fala na “História da Loucura”, como sendo a loucura uma construção social. Como o Senhor vê isso nesse trabalho da Dra. Nizida?
Prof. Jorge: - A loucura na verdade ela é psicobiosocial, quer dizer, ela tem um componente psíquico, que pode psiquicamente ser a geratriz da própria loucura, ela pode ser biológica na própria constituição do sujeito e ela pode ser social também, então, como construção social há quem diga que quando o sujeito não consegue atender todas as demandas do mundo social que são muito grandes ele se volta para si mesmo, ela se volta para ela mesma num processo de autismo, ela rompe as relações com o mundo, essa é uma característica social da loucura, agora, geralmente entende-se medicamente, ou cientificamente que ela tem essa tríade de componente, psicobiosocial, psíquica, biológica e social também. Tem o caso de uma artista revelado pela Nizida Silveira, que tinha uma mãe extremamente castradora, e ela tinha um gato, e ela tinha um namorado, enfim, se apaixonou por alguém, a mãe muito repressora, um dia ela está sozinha, a mãe sai, quando volta, ela tinha matado o gato com as mãos e entrou no surto o qual ela não saiu mais, ou seja, eu não posso com certeza garantir isso, mas, há um indicativo de que a repressão, o âmbito social foi um grande determinante, embora, ela já pudesse ter alguma pré-disposição, biológica, ou enfim, psíquica, mas ela se recolheu no mutismo, um mutismo muito pessoal, o mutismo dela, então é um exemplo disso. Ela pintava gatos a vida inteira, Adelina Gomes.
PA: - O Senhor coordenou um curso “ENCONTROS ESTÉTICOS”, sobre várias temáticas, nos fale um pouco sobre ele.
Prof. Jorge: - Os encontros Estéticos, um rol de 30 encontros pra debater com o cidadão, com artistas, críticos, pensadores da arte, jornalistas, filósofos, pra debater a estética, a estética através da arte, então de que arte?, todas as formas de expressão artística, então teve fotografia, literatura, poesia, artes plásticas, dança, filosofia, cinema, música, teatro, leis de incentivo a cultura, até uma palestra sobre moda, a moda sobre roupa sujeitos e modos de vida, um rol que foi pensado. Eu idealizei isso e apresentei para o conjunto cultural da caixa que aceitou de muito bom grado e nós fizemos. Discutir temas de arte e cultura, esse era o objetivo.