FRANCISCO BRENNAND NÃO É UM CERAMISTA QUE VIROU PINTOR. E SIM UM PINTOR QUE FAZ CERÂMICA

Brennand, Pernambucano, reconhecido como ceramista internacional, possui obras espalhadas pelo mundo e um MUSEU em Recife com mais de duas mil cerâmicas. Em breve mostrará suas pinturas e desenhos, acumulados durante 30 anos e tidos como atividade secreta por alguns desinformados. Decide que agora serão expostos numa construção apropriada dentro do pátio de seu museu.

Na Europa, Brennand foi estudar pintura. Não se considerava um pintor profissional, mesmo gostando de desenhar e pintar desde os 13 anos de idade. Integrou o salão do Museu do estado de Pernambuco, aos 20 anos, dirigido por Jose Maria Albuquerque, que o convidou em 1954 á fazer parte da exposição sobre a restauração pernambucana. Participou de uma exposição coletiva, com seus mestres, em setembro de 1947 com 05 quadros. Houve uma comissão para julgamento dos trabalhos e aceitaram todas as suas obras tendo sido premiado com Medalha de Ouro. Em 1948 repetiu o feito. Em 1949 embarcou para Paris.

 Foi nesse momento que Francisco Brennand começou a se sentir um artista. Fazia incursões rápidas e levianas com barro. Mas sua idéia fixa era ser pintor, até o momento no qual descobre que grandes pintores tinham abordado a cerâmica. Picasso, Miró e Matísse, etc. Inclusive Paul Gogum que era admirado por Brennand como o mestre dos mestres. Isso foi um golpe de morte, nas suas pretensões de ser apenas um pintor. Voltando ao Brasil, vivendo dentro de um universo cerâmico, o artista pernambucano buscou nova abordagem em termos de mudança de suporte. Da tela para a cerâmica. Acontecendo assim uma influência grande e definitiva.

 As pinturas murais, sob aspecto de dimensão nunca se comparam as maiores telas pintadas a óleo. Brennand fez o revestimento de um prédio em Miami com 700 mts quadrados. Diferença significativa ao pintar uma tela de 0.50 x 0.70 cm.

Universos diferentes que continuaram a atraí-lo.

 Formas Humanas

 

“NA MINHA PINTURA ESTOU CADA VEZ MAIS ACADÊMICO E NA MINHA CERÂMICA MUITO MAIS AUDACIOSO”

 As noções das formas são diversas. Brennand se questiona: - O que se permite ampliar? “Quais são as formas que se deixam ampliar vantajosamente sem se tornam grotescas. A figura humana não se permite ampliar em demasia, pois de gigantescas passam a ser monstros. Os egípcios, quando ampliavam a forma humana, o corpo sempre terminava com a cabeça de um bicho. O questionamento sobre ampliação me levou a uma liberdade definitiva, na cerâmica, Já que eu não podia me saciar da figura humana, que sempre foi meu ponto de interesse na pintura. Alias, não existe outra forma que o homem possa vislumbrar, a não ser o seu próprio corpo, por que nos pensamos que estamos pintando algo, mas estamos nos retratando sempre”, comenta o artista.

 Quando volta de Paris, após três anos estudando pintura, passa a viver no campo, rodeado de matas, de florestas, de jardins e de folhas. Não estava na Amazônia, mas na região da mata úmida. E elegeu o mundo vegetal para ampliações de seus murais e ornatos. O vegetal não lhe cobrava absolutamente nada, porque o vegetal é silencioso. “Quando ampliamos a figura humana, os homens reclamam, você distorce, modifica, como fez Picasso, detestado por muitos por conta dessas deformações”, acrescenta. Não é propriamente assim. Os pintores tem uma noção a respeito dessas deformações um pouco diferente da maior parte das pessoas. Quando se fala das obras de Brennand ceramista e Brennand pintor poderia até se pensar que são artistas distintos. A escultura tem uma direção e a pintura outra totalmente diferente. Brennand aprendeu a pintar, ninguém lhe ensinou a fazer cerâmica. Por ser uma tradição familiar empresarial e não artística, ele sentiu-se liberado para fazer modelagens sem se preocupar com as formas que iam aparecendo de maneira absolutamente liberadas, independentes e quase ensandecidas, relembra. “Eu me liberei como se fosse também uma espécie de divertimento. Não era minha profissão e então tudo me era permitido”. A liberdade para pintar murais ou executar esculturas deveria ter tido um efeito central sobre sua pintura. Mas não teve, pois são distintas. “Quando faço cerâmica me desperta elementos e instintos primordiais, me viro para a pré história, para um mundo remoto, dos mitos gregos aos mitos helênicos mais antigos. Na pintura eu jamais batizei um quadro com qualquer nome ligado a mitologia, embora seja apaixonado pelo assunto, pelo sentimento trágico nele encarnado. E esse envolvimento trágico esta embutido dentro do barro que é a própria essência do homem”. Na cerâmica Brennand tende a viajar através de arcaísmos e arquétipos, assuntos esses que não o preocupava na pintura. A violência da cerâmica não é a sutileza da pintura. São duas coisas diversas. Para Brennand, todos os seres humanos são enigmáticos. Suas obras em cerâmica são sempre um mistério, e deixam a maioria das pessoas perplexas. Diz-se que suas esculturas são eróticas, o artista discorda: “Erotismo pressupõe fascínio excitação. Ninguém se excita com o que eu faço. Não é na minha arte de escultura que existe erotismo e sim na minha pintura. É propositada. Existe uma sutileza erótica, insinuações. Mas não na escultura. A escultura vai buscar forças primordiais e drama, o sentimento trágico do mundo, isso sim. Vai abordar as catástrofes, o horror existencial. Isso ocorre na escultura”. Hoje Brennand admite que não pode voltar atrás, porque na pintura está ficando cada vez mais acadêmico e na cerâmica muito mais audacioso.

 Homenagem a Manoel Bandeira.

 Brennand esta trabalhando a mais de um ano num projeto que homenageia o poeta pernambucano, Manoel Bandeira. Mandará a Portugal, cerâmicas que farão parte de um parque de esculturas chamado Alameda dos Poetas. Será o segundo maior parque de esculturas da Europa. O Presidente da câmara municipal da cidade de Oeiras, junto a Lisboa, que foi a terra do Marques de Pombal, resolveu fazer um parque de esculturas, onde 40 artistas plásticos homenageariam 40 poetas portugueses, de Camões a Fernando Pessoa. Evidentemente com a visão portuguesa, eles não esqueceram o mundo do Alemar. Não esqueceram o Brasil. E foram á procura desses artistas. Brennand não foi indicado oficialmente por Brasília. Mas, o curador passou no Recife e viu suas obras no Caís do Porto e disse ao taxista, “mas é isso que eu procuro”. O motorista levou-o até o Museu. O cumprimento dele a Brennand não foi bom dia, nem boa tarde, foi, “já esta contratado”, conta.

 “Estou trabalhando num totem de 5.20cm, com várias esculturas auxiliares que vão fazer parte do conjunto. Os europeus não nos consideram um país selvagem? Então fiz um totem, que não é tradição brasileira. Isso é uma coisa da Austrália, dos aborígines. Mas resolvi fazer algo selvagem, brasileiro, como é a Amazônia. Diferente e que não estivesse na dimensão da arte européia. Manoel Bandeira não será representado na sua figura pálida de ex-tuberculoso. Ele está gigantesco com um totem de 5mts e 20, onde somente sua cabeça aparecerá sustentada pelas três mulheres, do Sabonete arachá, um de seus poemas. Módulos compõem esse totem.

 Inspirado na canção das duas índias farei com que esse poema seja lido através de um espelho d’água”. Foi-lhe encomendado uma escultura. Brennand fez doze. Quando chegou o orçamento não previsto, houve a necessidade de passar novamente na câmara municipal de Oeiras para aprovação. Não queriam fazer concessão, mas quando viram o projeto, disseram, “nós queremos todas”.

O parque de esculturas será inaugurado em 2004.

 

Entrevista feita por Di Bonetti e publicada na Revista Consulte & Decoração na edição de Agosto/2003.