A pinacoteca Benedicto Calixto apresenta uma exposição de Mario Gruber, voltada para a extraordinária série intitulada Anjos da Renascença Brasileira. Serão apresentadas 36 pinturas, abrangendo quatro décadas de sua produção artística. A exposição conta com a curadoria de Fabio Magalhães
A exposição será inaugurada no dia 21 de julho às 20:00 e encerrará em 21 de agosto de 2010. A visitação é de terça-feira a domingo, das 14 às 19 horas. A entrada é gratuita.
O endereço da pinacoteca Benedicto Calixto é: Avenida Bartolomeu de Gusmão, 15 no Boqueirão em Santos.
 

A primeira vez que Mario Gruber pintou um quadro ligado ao tema “Anjo da Renascença Brasileira” foi em 1969. Certamente lembramos do momento difícil que atravessava a sociedade brasileira naquela época, submetida aos ditames da ditadura militar.
Particularmente a intelectualidade no país vivia em continuo alerta pela repressão das atividades político artísticas, mas Gruber sabia que era preciso resistir.

O “Anjo da Renascença Brasileira”, pintado naqueles anos, como pode ser observado na foto abaixo, apresenta um ar atemorizador. Entretanto, com o passar dos anos e restaurada a democracia, essa temática ganha maior lirismo, sem perder nunca o olhar sensível e indignado diante das injustiças sociais cometidas no nosso país.

A primeira obra, desta exposição mostra um anjo com atitude de profeta. As asas pareciam ser de tecido apoiado à estrutura de madeira. Carregava em suas mãos uma cruz, mas com a força de uma espada. Ao redor da cabeça havia um halo, formado por ameaçadores cones pontiagudos, notamos certa semelhança com a coroa que cobre a cabeça do ícone “Estatua da Liberdade”, dos Estados Unidos da América. Sem duvida era um anjo da renascença brasileira que tinha o rosto da gente do nosso povo só que dotado da excessiva autoridade. Enfim, sombrio, como o ano de 1969 que inaugurou os chamados “anos de chumbo” da ditadura.

Este quadro, presente na exposição, mostra um Anjo da Renascença Brasileira com a feição típica do nosso povo, da nossa gente. As asas são feitas de penas, a iluminação foi inspirada nos artistas barrocos, lembra-nos os efeitos de luz e de sombra que consagraram Caravaggio. O personagem- anjo veste uma calça bufante com as cores da bandeira norte-americana. As meias três quartos são verdes, no mesmo tom do pavilhão nacional e o anjo segura uma cruz/espada que atravessa seu corpo. 

Neste mesmo ano, Gruber produz a obra acima que mostra um sistema de asas de madeira movida por pequena hélice na lateral. Dá a impressão de que o jovem, retratado de modo frontal, está flexionando os joelhos para um impulso que o leve “para cima e para o alto”. É fascinante imaginar o que possa acontecer!

Durante o ano de 1980 Gruber produziu várias obras ligadas à série: Anjos da Renascença Brasileira e, de certa forma, outras obras correlatas. Fez extenso uso de objetos com textura metálica, presa por fortes arrebites em suas pinturas.

É o caso desta obra em que o personagem apresenta asas de metal tendo as bordas presas com rebites. A figura está com as mãos e pernas atadas por uma forte corda, a apresenta-se sentado sobre o eixo de uma hélice que se prende a um suporte. Essa engenhoca mantêm o personagem elevado do solo. É uma evolução na forma de mostrar seus personagens aprisionados. Gruber já utilizou de linhas, correntes, anzóis acoplados, pregos, alfinetes e outros materiais que parecem querer impedir a livre movimentação.
Convivem na sua poética, elementos realistas e fantasiosos, ou melhor, sua fantasia é tratada com o realismo de um Courbet.


Na obra ilustrada abaixo, o artista traz à cena a musicalidade que esteve presente em grande parte de sua obra. Gruber interessou-se pelas festas populares brasileiras, principalmente pelo carnaval. Alguns símbolos são recorrentes na sua obra, como o anzol e a chave, símbolos ambivalentes (aquele que fisga x aquele que é fisgado, ou a chave que serve para aprisionar ou para libertar). Ambos estão presentes na composição do chapéu deste anjo mascarado. E ele segue a moda da época com a gravata e os modernos sapatos de sola grossa.

A obra seguinte mantém muitos dos elementos mencionados acima. Um enorme prego perfura o chapéu do Anjo. A luz e as cores construídas através de contrastes dão intensidade dramática ao personagem.
Merece menção a posição da figura, dos joelhos, dos braços, das mãos espalmadas – provocam uma sensação de ambigüidade. Estará o anjo sentado no vazio? Ou, se prepara para dar um salto voador?

A obra seguinte apresenta uma estrutura metálica moldada como um colete de metal que sustenta as asas. O anjo assemelha-se com Michael Jackson um pop-star da musica popular e que veio a falecer, prematuramente, no ano de 2009. Lembremos que Gruber é excepcional retratista sendo o responsável pela maioria dos retratos oficiais dos governadores do Estado de São Paulo em exposição permanente no Palácio dos Bandeirantes, sede do Governo paulista. No caso desta obra, é evidente que não se trata de um retrato, mas o artista observador da realidade que o cerca talvez estivesse sensível a um rosto que vinha sofrendo alterações à procura de escapar de sua origem étnica. 

A obra ilustrada abaixo é uma das mais intrigantes das varias produzidas por Gruber. Embora não se enquadre exatamente na serie dos Anjos da Renascença Brasileira, relaciona-se com o tema desta exposição. As asas não são visíveis, mas há uma força superior que mantém o corpo suspenso no ar. Certamente não é apenas a força mecânica produzida pela hélice acionada pelas mãos do personagem. O artista ironiza o excesso de tecnologia mostrando a mão esquerda que segura outra artificial para movimentar através de um sistema mecânico de manivela a hélice que é parte integrante do chapéu do nosso personagem-voador. Outra vez, representa um colete de sustentação, metálico e com rebites, típico dos trabalhos realizados em 1980. Ainda que Gruber não tenha formalmente denominado este quadro de “Classe media fazendo força para subir na vida”, ele parece ter aceitado essa interpretação, sugerida por um colecionador.

Vale lembrar comentários de Gruber em entrevista publicada por J. Henrique Fabre Rolim em 1980 no A Tribuna, depondo sobre sua arte:

“Quando falo da influência de Rembrandt em minha obra, isso tem por finalidade verificar, de forma global, o que seria componente da cultura européia e criar símbolos genéricos para serem utilizados, inclusive com certa carga de ironia não compreendida.
“Recentemente, fiz um personagem e escrevi embaixo: “O anjo da Renascença Brasileira”. É uma tentativa simples e irônica; ponho uma asa de lata e um cinto de castidade, também de lata, boiando no espaço como um balão. É a busca do oposto ao anjo renascentista, cujas partes pudendas os papas mandavam cobrir com um paninho. A delicadeza dos papas e a repressão típica brasileira são formas de traduzir o caráter xenófobo e moralista que existe na realidade atual.
“Há políticos que encontram formas de democracia brasileira, quando existe todo um edifício cultural proveniente da Grécia antiga. Daqui a pouco, aparecem políticos em uma nova forma democrática, que não está nos tratados e no acervo cultural. São formas obscuras, e quero conhecê-las. Se acho que existe uma censura, uma opressão, tenho que encontrar formas simples, reprimir também é simples. A técnica de meu anjo renascentista parece-se com Rembrandt, para criar um clima de intriga: eu sou tão bom como Rembrandt, mas expresso outra coisa, uma forma de ironia.
“Seria como se eu estivesse nas naves dos portugueses, quando vieram ao Brasil trazendo miçangas, espelhinhos e outras coisas para seduzir o nosso índio, que acabou dando pau-brasil, numa forma muito desigual. Eu também trago um espelhinho, mas não troco; entro em confronto com o civilizador, não tenho a tutela dos mestres porque sou um mestre também”.


 Gruber, Mário (1927)
Biografia
Mário Gruber Correia (Santos SP 1927). Pintor, gravador, escultor, muralista. Autodidata, começa a pintar em 1943. Muda-se para São Paulo em 1946 e matricula-se na Escola de Belas Artes, onde é aluno do escultor Nicolau Rollo (1889 - 1970). Em 1947, ganha o primeiro prêmio de pintura na exposição do grupo 19 Pintores. No ano seguinte realiza sua primeira exposição individual e passa a estudar gravura com Poty (1924 - 1998) e a trabalhar com Di Cavalcanti (1897 - 1976). Recebe bolsa de estudo em 1949, vai morar em Paris, estuda na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts [Escola Nacional Superior de Belas Artes] com o gravador Édouard Goerg (1893 - 1969) e trabalha com Candido Portinari (1903 - 1962). Retorna ao Brasil em 1951 e funda o Clube de Gravura (posteriormente Clube de Arte) em sua cidade natal, onde volta a residir. É professor de gravura no Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM/SP em 1953, e dá aulas de gravura em metal na Fundação Armando Álvares Penteado - Faap, em São Paulo, entre 1961 e 1964. Monta ateliê de gravura em São Paulo em 1970. De 1974 a 1978, mora em Paris, depois, ao retornar ao Brasil, mora em Olinda, Pernambuco. Em 1979, monta ateliê em Nova York. De volta a São Paulo, realiza obras de grande porte em espaços públicos como a estação Sé do Metrô e o Memorial da América Latina. Na década de 2000, continua a trabalhar intensamente, com uma produção anual de 100 a 120 obras.

Serviço
Evento: Exposição “Anjos da Renascença Brasileira” – Mário Gruber
Data: lançamento em 21 de julho de 2010 (quarta-feira)
Horário: 20h00
Local: Pinacoteca Benedicto Calixto
Endereço: Av. Bartolomeu de Gusmão, 15 – Boqueirão – Santos-SP
Estacionamento gratuito: Av. Epitácio Pessoa, 100 – fundos da Pinacoteca
Aberta ao público: de 22 de julho a 21 de agosto de 2010
Horário de visitação: de 3ª a domingo, das 14h00 às 19h00
Entrada franca