O leilão do século já começou. A coleção pessoal de David Rockefeller, multimilionário e filantropo que partiu no ano passado aos 101 anos, começou a ser leiloada na Christie’s em Nova Iorque. Quadros de Pablo Picasso, Claude Monet, Henri Matisse, Georges Seurat, Juan Gris, Paul Signac, Édouard Manet, Paul Gauguin, Jean-Baptiste-Camille Corot, Georgia O’Keeffe ou Edward Hopper já renderam, na primeira fase da venda, 544,6 milhões de euros, só na noite inaugural.
No final do ano passado, as previsões apontavam para um valor total na ordem dos 590 milhões de euros (700 milhões de dólares). O resultado parcial elevou a expetativa para uns inéditos 843 milhões de euros (mil milhões de dólares).
Embora o recorde por um Picasso tenha resistido, a pintura “Fillette à la corbeille fleurie” (1905) foi arrematada por 97 milhões de euros acima das previsões. O número pode explicar-se por ser uma obra descritiva do período rosa do pintor, mas também pelas hiperligações com movimentos políticos como o #MeToo – o quadro retrata uma menina nua. A identidade do comprador não é conhecida. O recorde de um Picasso em leilão continua a pertencer a “Les Femmes d’Alger”, vendido por 151 milhões de euros em 2015.
Outro dos quadros emblemáticos a leilão era “Odalisque couchée aux magnolias” (1923), de Henri Matisse. A obra foi arrematada por 68 milhões de euros, acima das estimativas de 60 milhões. A odalisca de Matisse era classificada pela leiloeira como “a mais importante obra de Matisse a ir ao mercado numa geração” e a pintura mais relevante do autor ainda nas mãos de colecionadores privados. A licitação decorreu entre a sala e o telefone. A identidade do comprador não é revelada, embora entre muitos deles possam estar instituições a desvendar no futuro. As peças foram disputadas por colecionadores provenientes da Europa, Ásia, América do Norte e do Sul, num total de 35 países.
O recorde para um Matisse e também para um Monet, “Nymphéas en fleur”, foi arrematado por 71,4 milhões de euros (84,7 milhões de dólares), após larga cobiça – mais do dobro da previsão de 30 milhões de euros (35 milhões de dólares).
Sete obras a leilão estiveram acima dos 25,3 milhões de euros (30 milhões de dólares). Além de Monet e Matisse, foram atingidos máximos para Corot, Delacroix, Séguin, Morandi e Redon.
Ontem à noite foram leiloados quadros de Willem de Kooning, Diego Rivera, Edward Hopper ou Georgia O’Keeffe, e esculturas de Alexander Calder. Hoje será a vez de pinturas de Toulouse-Lautrec, Degas, Paul Klee ou Manet e cerâmica de Marc Chagall, entre outras peças de mobiliário, cerâmica oriental e porcelanas.
A coleção inclui objetos raros além da pintura: um serviço de mesa que Napoleão levou para o exílio na ilha de Elba, em 1814, e um queimador de incenso sírio do séc. xiii, com decoração cristã e árabe, que esteve na secretária de David Rockefeller até à sua morte.
Parte da coleção já tinha sido doada ao Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA na sigla em inglês). As restantes mil obras compõem o leilão da Christie’s.
Último neto do barão do petróleo John D. Rockefeller, David Rockefeller e a mulher, Peggy, acumularam uma valiosa coleção de cerca de 4500 obras de arte. No testamento ficaram escritas doações a museus e instituições ligadas às artes, e ditado que uma outra parte seria levada a leilão, com receitas a reverter a favor de museus como o MoMA, a Universidade de Harvard ou organizações dedicadas à conservação da natureza como o Maine Coast Heritage Trust.
Glenn Lowry, o diretor do MoMA, recorda-o como “uma das raras personalidades de excelência em quase tudo o que fazia”. Figura de vários ofícios, Rockefeller foi banqueiro, empreendedor, filantropo, humanista e um apaixonado pelas artes. Quando celebrou o 100.o aniversário, em 2015, doou uma vasta extensão de terreno – cerca de 400 hectares – localizada no estado norte-americano do Maine a uma organização não governamental.
Nascido em Nova Iorque a 12 de junho de 1915, o banqueiro era o patriarca da dinastia Rockefeller, avaliada em 3,2 mil milhões de euros, e chegou a liderar o grupo atualmente conhecido com JP Morgan Chase, um dos principais bancos privados dos Estados Unidos.