Quando o pano diáfano que forma as espirais da obra A soma dos dias escorrega suavemente da altura de 19 metros do átrio do MoMA (Museum of Modern Art), as equipes do museu e do artista plástico Carlito Carvalhosa extravasam a alegria e o alívio em aplausos, gritos, abraços. Circulando sem parar pelo novo espaço que acaba de criar em um dos museus mais importantes do mundo, Carvalhosa transborda emoção e expectativa diante da abertura ao público de Nova York, nesta quarta-feira.

"É maravilhoso expor aqui, é um museu incrível. Tenho uma curiosidade enorme de ver qual vai ser a reação do público. Mas a arte é uma coisa para a vida toda, vou continuar fazendo muitas outras coisas em outros lugares. Não existe uma sensação de agora cheguei lá", diz o artista, logo após o “parto” de sua obra no MoMA, induzido com perícia por integrantes de sua equipe, do alto de um guindaste, na tarde de domingo.

Mas a verdade é que o paulistano de 49 anos, que despontou na década de 1990 e vive no Rio desde 2002, dividindo-se entre a casa no Jardim Botânico e o ateliê em São Cristóvão, chegou realmente aonde poucos na arte contemporânea chegam. Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Carvalhosa estudou gravura com Sergio Fingermann, aparecendo no cenário artístico nos anos 1980, com o grupo Casa 7, no qual também estavam, entre outros, Fábio Miguez e Nuno Ramos — como eles, fazia pinturas de grandes dimensões, que aos poucos cederam espaço a esculturas e, agora, instalações, como “A soma dos dias”, exposta na Pinacoteca do Estado de São Paulo, no ano passado.

Foi lá que ele cativou uma delegação de visitantes do MoMA, organizada pelo curador de América Latina da instituição, Luis Pérez-Oramas, e integrada pelo diretor do museu, Glenn D. Lowry. O grupo havia ido à Pinacoteca ver a retrospectiva de Antonio Dias, mas acabou conquistado pela obra de Carvalhosa. Ali mesmo surgiu a ideia de levá-la para o átrio do museu nova-iorquino, um privilegiado lugar de passagem para quem visita a coleção permanente e as exposições temporárias, onde ela ficará exposta até 14 de novembro.

"Foi amor à primeira vista para todos. Ficamos fascinados com a peça. Uma sorte, porque é uma obra difícil de descrever com palavras ou mesmo fotografias, é preciso ter a experiência. É assim com a arte verdadeiramente participativa", diz Pérez-Oramas, também curador da Bienal de São Paulo de 2012.

Concertos ‘invisíveis’ de Philip Glass

A obra de Carlito Carvalhosa, duas espirais de tecido branco levíssimo (todo o pano da montagem pesa apenas 40 quilos) e translúcido, interconectadas, que formam um labirinto por onde o visitante se perde em um mundo etéreo, tem um sistema de captação do som ambiente que vai se acumulando e modificando com a soma dos dias, daí o nome.

"A gravação vai se sobrepondo dia a dia, como uma construção sonora. As coisas mais recentes vão apagando as mais antigas, como na memória", explica Carvalhosa.

Como aconteceu em São Paulo, o trabalho terá a participação do pianista e compositor Philip Glass, que fará concertos dentro do espaço de “A soma dos dias”, brincando com a ideia de invisibilidade, já que o público não o vê tocar, apenas ouve. Os concertos de Glass e de outros músicos ocorrerão entre setembro e novembro, sem divulgação prévia de horários. O anúncio será feito apenas no dia do show, por meio da conta do MoMA no Twitter. "A soma dos dias é um trabalho que tem muitos sentidos e que depende muito de quem o visita. O que esta obra faz é criar uma outra experiência de um lugar já conhecido", diz Carvalhosa.

O diretor da Pinacoteca, Marcelo Araújo, conta que a escolha da obra de Carvalhosa, que teve a curadoria de Ivo Mesquita, é um resultado estimulante também para o museu brasileiro. "É um êxito constatado, é a mesma peça que esteve na Pinacoteca, agora no MoMA, um museu que é referência. A produção brasileira de artes visuais está ganhando visibilidade, temos notado um interesse significativo de instituições dos EUA e da Europa", afirma Araújo, que está trabalhando em parceria com a Tate Modern, de Londres, para uma exposição da obra de Mira Schendel em 2014.

Pérez-Oramas aponta a própria criação do cargo de curador de arte latino-americana, em 2006, como evidência do interesse da instituição em avançar na sua tradição, que já incluiu retrospectivas das obras de Candido Portinari e Roberto Burle Marx, entre outros. Para 2014, ele trabalha na preparação de uma grande mostra de Lygia Clark. "Do ponto de vista do MoMA, a decisão de reforçar a relação é muito clara. Há uma abertura muito grande para a arte brasileira e da América Latina, isso está no DNA do MoMA. Mas é certo que as instituições dos EUA entenderam que houve um esgotamento de seu cânone, que era hora de renovar."

Carvalhosa reconhece que o momento de valorização das artes visuais brasileiras no cenário internacional o ajudou a chegar ao MoMA, mas não arrisca palpites sobre para onde ou como serão seus próximos passos no exterior. Ele ainda tem uma exposição marcada para este ano na Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema, e uma mostra na nova sede do MAC (Museu de Arte Contemporânea) de São Paulo, no prédio de Oscar Niemeyer que vinha sendo ocupado pelo Detran. "Estou entusiasmado com a ideia de que este trabalho vai ser visto por muita gente, por todo tipo de gente, aqui em Nova York. É para isso que a gente faz arte. Em termos de carreira, é difícil saber o que vai acontecer."

Um Brasil complexo

Com a visão dupla de quem trabalha para o MoMA e para a Bienal de São Paulo e um conhecimento profundo da arte e da sociedade brasileiras, Pérez-Oramas enxerga uma realidade mais rica do que a do celebrado modernismo dos anos 1950: "O que estamos vendo no Brasil é o resultado de uma sociedade muito complexa, que conseguiu, felizmente, multiplicar seus mecanismos de comunicação consigo mesma, graças à transparência trazida pela volta da democracia. Os últimos 16 anos de governo potencializaram uma enorme força cultural, que se expressa com muitos estilos de linguagem, com muita diversidade."

Em termos institucionais, o avanço é nítido. Tanto Marcelo Araújo como Luis Pérez-Oramas relatam uma relação mais simétrica, mais equilibrada, com projetos de parceria entre instituições da América Latina e dos EUA ou da Europa.

"As instituições culturais dos países latino-americanos, sobretudo aqueles em que se estabeleceram regimes abertos, inteligentes e democráticos, amadureceram, encontraram uma solidez que não tinham antes", diz o venezuelano Pérez-Oramas.
Por Fernanda Godoy, da Agência O Globo